A produção de etanol pode ser realizada a partir de diversas matérias-primas, sendo o milho e a cana-de-açúcar as mais comuns no Brasil. Durante a fermentação, as células de levedura são expostas a vários estresses ambientais, como altas concentrações de etanol, de açúcar, alta temperatura e presença de produtos tóxicos.
Macromoléculas celulares, incluindo proteínas, ácidos nucleicos e membranas, são seriamente danificadas sob condições de estresse, levando à inibição do crescimento celular e queda na viabilidade com consequente aumento no tempo de fermentação. Para evitar danos letais, as células de levedura utilizam diversos mecanismos de tolerância, entre eles, o acúmulo de moléculas protetoras do estresse, como o glicerol e a trealose.
O glicerol é quantitativamente um dos principais subprodutos da fermentação alcoólica, e sua produção implica em uma perda indesejada de açúcar, tornando-o alvo de muitos estudos que visam reduzir sua produção e aumentar os rendimentos de etanol, associando-o frequentemente a problemas na fermentação alcoólica.
Modificações genéticas em linhagens de levedura vêm sendo estudadas e realizadas com o propósito de diminuir a produção de glicerol por meio da repressão ou superexpressão de genes específicos responsáveis por codificar as enzimas envolvidas na produção do glicerol. Muitos resultados, no entanto, apresentaram efeitos indesejados, como reduções da taxa máxima de crescimento específico e da formação de etanol. Além disso, muitas destas linhagens apresentaram sensibilidade ao estresse osmótico, fazendo-se inviável seu uso em fermentações com alta concentração de açúcar.
O glicerol é um álcool incolor, viscoso e de sabor adocicado, características que lhe conferem importância singular na produção de bebidas alcoólicas e em outras aplicações industriais, como na fabricação de cosméticos e medicamentos. Na fermentação de etanol combustível, no entanto, seu papel é principalmente relacionado à manutenção da homeostase e do equilíbrio redox celular. O aumento na produção de glicerol geralmente reflete condições de estresse durante a fermentação. No entanto, sua produção é uma resposta da levedura para combater essas condições adversas.
Portanto, compreender a causa e as condições em que este composto é produzido é de fundamental importância para controlar sua produção. A produção de glicerol desempenha papéis fisiológicos significativos no metabolismo da levedura durante a fermentação. Sua produção ocorre na via glicolítica, pela redução da di-hidroxiacetona fosfato para fosfato de glicerol, que é então desfosforilado para formar glicerol, concomitantemente com a oxidação do NADH (nicotinamida adenina dinucleotídeo na forma reduzida). A síntese de biomassa (multiplicação celular), bem como de outros produtos secundários, tais como ácido acético, succínico e pirúvico, gera um excedente de NADH, que altera o equilíbrio redox. Para restabelecê-lo, é necessário que este NADH seja reoxidado a NAD+ pela produção de etanol e glicerol.
Além de desempenhar seu papel no equilíbrio redox, o glicerol também atua como osmoprotetor. O estresse hiperosmótico é um dos tipos de estresse mais frequentemente impostos às células, levando ao rápido vazamento de água da levedura para o meio de fermentação. Esse estresse é principalmente observado em fermentações que utilizam alta concentração de açúcar e grandes quantidades de melaço, cujo material é rico em sais alcalinos e metais pesados. Nestas condições, a levedura aumenta a produção de glicerol como uma resposta celular para restaurar e manter o volume, turgor e pressão, dificultando a difusão de água, o que é essencial para proteger a célula contra a ruptura celular.
Fatores como a linhagem de levedura, concentração de células no inóculo, concentração de sulfito, temperatura, concentração de açúcar, estresse osmótico, fonte e concentração de nitrogênio, pH e aeração influenciam a produção de glicerol pela levedura. Altas concentrações de cátions de cálcio, potássio e sulfito podem prejudicar fortemente o crescimento da levedura e diminuir a produtividade do etanol. Por exemplo, concentrações médias de potássio (4000 mg/L), facilmente encontradas em fermentações brasileiras, são altas o suficiente para estimular respostas de estresse levando ao aumento da produção de glicerol. O pH também influencia sua produção de forma que valores de pH mais elevados (até 7) ocasionam o aumento da produção do glicerol.
Concentrações elevadas de ART no meio de fermentação podem aumentar a concentração de gliceraldeído-3-fosfato, desequilibrando o potencial redox da célula e exigindo uma maior produção de glicerol. Nas fermentações de milho, a utilização de processos SSF (sacarificação e fermentação simultâneas) garante uma menor produção de glicerol devido à menor concentração de glicose disponível. Já nas fermentações de cana-de-açúcar, esse controle é feito por meio do controle da alimentação.
Estudos anteriores mostraram que em torno de 4% do açúcar consumido durante a fermentação é convertido em glicerol em fermentações de alta concentração de açúcar (acima de 270 g/L), podendo ser este valor elevado em condições de estresse. Além das principais funções mencionadas acima, também é bem documentado que o glicerol desempenha um papel importante como precursor necessário para a produção de fosfolipídios não éteres e manutenção das membranas da levedura, vinculado também à resistência ao estresse oxidativo, térmico, à regeneração do fosfato inorgânico citosólico e com o metabolismo do nitrogênio.
É importante ressaltar que a produção de glicerol ocorre independentemente da existência de condições de estresse. Em testes de fermentação conduzidos com leveduras secas comerciais, temperatura controlada a 34°C e meio sintético, ou seja, ausente de sais em excesso, observou-se uma produção significativa de glicerol. Isso sugere que a produção de glicerol em fermentação alcoólica ocorre mesmo quando é realizada em condições ideais, ou seja, em condições que não afetam o metabolismo e a integridade da levedura (tais como alta temperatura, concentração de açúcar, sais e contaminação bacteriana) mostrando que a produção de glicerol é inerente à rota metabólica, sendo a regeneração de NAD, por esta via, de fundamental importância para o funcionamento adequado das reações enzimáticas envolvidas na obtenção de etanol.
Portanto, cuidados devem ser tomados quando se pretende alterar geneticamente uma linhagem de levedura para eliminar completamente a produção de glicerol, pois isso pode ser inviável. No máximo, pode-se reduzir sua produção, visando aumentar o rendimento fermentativo, no entanto, essas linhagens podem tornar-se mais susceptíveis a certos estresses. Assim, deve-se garantir que as funções celulares importantes do glicerol sejam mantidas intactas.