Professor de Planejamento e Estratégia da FEA-USP
Op-AA-34
Este artigo tem o objetivo de discutir a grande falta de sensibilidade da sociedade brasileira e, notadamente, do Governo Federal, com os aspectos ligados ao setor sucroenergético. De maneira didática, resumo nossa falta de visão e a consequente perda de grande oportunidade de desenvolvimento econômico, social e ambiental em 11 insensibilidades, descritas a seguir:
1. Insensibilidade econômica: Diferentemente do setor de etanol nos EUA, o etanol no Brasil carece de um plano estratégico feito pelo governo e pelo setor privado, que diga, de maneira simples, que metas devemos atingir em 2020, por exemplo.
Um plano que contemple quanto se deseja que a frota flex use de etanol, quanto iremos exportar de açúcar, quanto etanol será adicionado na gasolina, enfim, uma visão de médio e longo prazo que permita previsibilidade ao investidor. O quadro em destaque sintetiza tais metas.
Essas metas poderiam trazer para a produção de cana pelo menos 8 a 10 milhões de hectares de pastagens degradadas, gerando grande desenvolvimento econômico e investimentos por todo o Brasil, notadamente em Minas Gerais, no Centro-Oeste e no semiárido, com irrigação.
2. Insensibilidade social e de exclusão: Fazendo as 100, 120 novas usinas necessárias para o Brasil até 2020, teríamos a geração de 100 a 120 mil postos de trabalho. Com isso, promoveríamos a inclusão e o desenvolvimento social.
O governo e parte dos procuradores da República, do Ministério Público, também são insensíveis com os fornecedores de cana, uma vez que fazem exigências a um setor que, nos últimos dez anos, trabalhou de graça para a sociedade brasileira, sem nada ganhar.
3. Insensibilidade ambiental: A falta de etanol para abastecer a crescente frota flex (3 milhões de novos automóveis por ano) e o aumento do consumo de gasolina estão fazendo com que o Brasil deixe de atender às metas ambientais fixadas pelo País nas instituições internacionais.
Como as emissões do etanol estão em 10 a 15% das emissões de gasolina, somente no estado de São Paulo, de acordo com o Consema, entre 2009 e 2011, houve um aumento de emissões de 3,4 milhões de toneladas de CO2 pela troca do etanol pela gasolina. Por incrível que possa parecer, as ONGs ambientalistas não abraçam a causa do etanol, criando uma campanha intitulada, “veta Gasolina”, tal como a eficiente campanha “veta tudo Dilma” que orquestraram durante os debates do Código Florestal.
Um exemplo dessa falta de sensibilidade do governo na questão ambiental está na recente regulamentação que vai obrigar os postos de combustíveis a divulgar o benefício econômico do etanol. Mas por que não obrigar os postos a divulgarem o benefício ambiental? Isso não está na regulamentação.
4. Insensibilidade em relação ao trabalho e à capacitação: O Brasil tem uma das legislações trabalhistas mais anacrônicas entre os países produtores de cana, e isso aumenta muito os custos de produção no campo e nas usinas, além de incentivar uma criminosa indústria de indenização instalada no setor.
O trabalho no Brasil teve grande ganho salarial nos últimos dez anos, mas pouquíssimo ganho de produtividade. Mão de obra, hoje, é desvantagem competitiva no Brasil.
5. Insensibilidade com o setor de bens de capital:
O Brasil desenvolveu, ao longo dos últimos 50 anos, uma indústria de bens de capital destinada ao setor sucroenergético, admirada mundialmente, geradora de inovações e de muitos empregos.
Hoje, esse setor encontra-se em enorme dificuldade, pois praticamente não se fazem mais usinas novas, devido ao baixo retorno do investimento. Suas vendas caíram e a crise se instalou no setor desde 2008. Isso poderia ter sido evitado.
6. Insensibilidade com a balança comercial: Aqui, o fato é grave. A lacuna de etanol competitivo no mercado interno faz com que o Brasil importe uma quantidade enorme de gasolina. A estimativa é de que o Brasil gaste, em 2020, US$ 58 bilhões em importações de gasolina, recurso hoje inexistente no escasso saldo comercial do Brasil.
Fora isso, poderíamos ter mais etanol para atender a todo o espaço aberto nos EUA para o etanol de cana, além de ter mais açúcar para exportar. Se o Brasil conquistasse 60% do crescimento do consumo mundial de açúcar até 2020, poderia trazer, no período, US$ 80 bilhões ao País. Esse é um grave problema da falta de visão do governo brasileiro, prejudicando a balança comercial.
7. Insensibilidade de logística e abastecimento: Ao zerar a CIDE na gasolina, o governo retirou R$ 7 bilhões que seriam investidos na já combalida infraestrutura logística. Fora isso, ao não planejar adequadamente, estimular a venda de carros novos e não dispor de suficiente estrutura para importação, o governo verá faltar gasolina no Brasil, o que deve prejudicar fortemente sua popularidade.
8. Insensibilidade com a Petrobras: Ao importar gasolina mais caro que o preço vendido aqui dentro do Brasil, o governo força a área de abastecimento da Petrobras a prejuízos imensos, afetando o valor da empresa, a capacidade de investimento e a sua vida econômica.
9. Insensibilidade com a inovação: Diversas empresas estão trazendo inovações que permitem um uso muito maior da cana, como o plástico, o diesel, o querosene, a gasolina de cana e, com a escassez de cana, essas oportunidades não poderão ser aproveitadas na velocidade necessária.
10. Insensibilidade com a comunicação e posicionamento: No exterior só se fala bem, só se elogia a cana e sua capacidade de suprir energia. Aqui, no Brasil, na maioria das vezes, o que se tem são críticas infundadas, o que demonstra, por parte do governo e da sociedade, uma profunda falta de entendimento dos benefícios que todos recebemos por termos a cana instalada no Brasil.
11. Insensibilidade tributária: Por se originar de fontes renováveis e não poluentes, o etanol mereceria um tratamento tributário absolutamente diferente do observado na gasolina e nas outras formas não renováveis de eletricidade. Não é o que se observa. Idem para a bioeletricidade da cana.
Feitas essas ponderações, é fácil se chegar a uma conclusão de que existe, por parte do Governo Federal, principalmente, e também dos governos estaduais, e consequentemente da sociedade brasileira, uma miopia impressionante em relação às potencialidades da cana para contribuir para o desenvolvimento econômico, social e ambiental.
Há anos que alerto, via palestras e artigos, sobre todos esses problemas. Contudo, lamentavelmente, a inoperância nessa área é inacreditável, talvez “como nunca antes vista na história deste país”.
E qual seria a agenda? Não é possível recuperar esse apagão dos últimos quatro anos, mas é possível, rapidamente, tomar medidas para que os investimentos voltem, como por exemplo:
a. aumentar a mistura de anidro na gasolina para 25%, o que consumiria mais de 1 bilhão de litros de etanol, influindo positivamente nos preços do açúcar e nas rentabilidades do setor;
b. zerar a cobrança de PIS e Cofins no etanol, reduzindo 12 centavos no custo do litro;
c. trabalhar para que os estados reduzam a incidência de ICMS no etanol (em alguns casos, responsável por mais de 55 centavos do preço final);
d. permitir um ligeiro aumento do preço da gasolina na bomba, sem impacto inflacionário (10 a 20 centavos por litro);
e. encontrar, institucionalmente, maneiras para agilizar os apoios do BNDES (Prorenova, e outros), via cooperativas ou outros mecanismos. Hoje, existe enorme dificuldade em conseguir acesso aos recursos disponibilizados;
f. reduzir ou eliminar os impostos sobre equipamentos (bens de capital) dos greenfields ou de expansões, uma vez que esses projetos têm impostos acumulados de quase 25%;
g. leilões específicos para a bioeletricidade da cana, com tributação diferenciada, que reflitam seu aspecto renovável e limpo.
Com essas medidas, o governo brasileiro promoverá o crescimento do PIB via investimentos, e não via consumo, que hoje representa a maioria das medidas de estímulo tomadas. Investimentos esses que vão gerar produção, impostos, empregos e interiorização de desenvolvimento.