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Carlos Eduardo Frickman Young, Cadú

Professor de Economia na UF do Rio de Janeiro

Op-AA-11

A nova era da antiga cana

O produto manufaturado de maior destaque nas exportações brasileiras, em 2005, foi o álcool etílico, com um grande crescimento (+109,6%), alcançando um total de US$ 1,6 bilhão.

Três elementos contribuem para o otimismo que hoje contagia o setor: o preço do petróleo mantém-se bastante acima de sua média histórica; a oferta mundial continua restrita e a produção de etanol brasileiro, feito a partir da cana-de-açúcar, tem vantagens competitivas, em relação ao outro gigante da produção mundial, o etanol norte-americano, produzido a partir de milho; e a imagem do produto é “limpa”, pois se trata de um produto renovável, que substitui combustíveis fósseis, podendo contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Investimentos na expansão do setor acompanham o bom momento do etanol. A expansão da produção já é percebida nos indicadores do IBGE: em 2006, os derivados da cana-de-açúcar cresceram 7,9%, por conta da maior demanda por álcool, para atender ao crescimento da frota de automóveis bicombustível e também pela maior exportação de açúcar e álcool, impulsionada pela alta dos preços internacionais. Brasil e Estados Unidos buscam acordos internacionais para alavancar ainda mais o setor, e a expectativa é de que a demanda nacional e internacional continue crescendo, com a difusão de motores flex-fuel para automóveis.

O motor desse ciclo de expansão é o setor privado e, ao contrário dos tempos do Proálcool, não há necessidade de subsídios diretos para o fomento do setor. Enfim, anuncia-se um “mar de rosas” nos canaviais, e as expectativas são extremamente positivas. Mas, na voz do povo, cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Um dos problemas é o “espírito de manada”: animados com os resultados positivos do presente, os empresários concentram os investimentos na atividade que, correntemente, é a mais lucrativa. Contudo, no futuro, acaba-se criando um excesso de capacidade de oferta que, ao crescer mais que a demanda, acaba derrubando preços e lucros.

Este problema é particularmente grave na agricultura, pois, dada a defasagem temporal entre plantio e colheita, o agricultor é obrigado a trabalhar com expectativas futuras de preço, na decisão de escolha do cultivo. Se todos se guiarem pelo preço no momento do plantio, poderá ocorrer uma superprodução. A situação é agravada nos mercados internacionalizados, em que as possibilidades de cultivo ultrapassam as fronteiras nacionais, pois não existem barreiras ao aumento de oferta.

Café, cacau, algodão e, mais recentemente, a soja, já passaram por esse tipo de problema, que não é estranho ao setor canavieiro brasileiro. Não devemos nos esquecer que os canaviais do Brasil já nasceram globalizados, e o excesso de oferta, causado pela entrada dos produtores caribenhos, determinou o fim da fase áurea do açúcar nordestino.

Outro fator que pode determinar a redução da lucratividade é a concorrência de um bem substituto, neste caso, a gasolina. Os preços do petróleo continuam altos para sua média histórica e há grande consenso entre especialistas de que a tendência é de declínio. Isso pode afetar a demanda futura por etanol, especialmente porque as novas tecnologias permitem muito mais flexibilidade na escolha do combustível. Mas, basta recorrer à história: o Proálcool entrou em colapso, entre outras razões, por causa da queda do petróleo, nos anos oitenta.

Ainda existe uma terceira possibilidade de reversão do atual otimismo: o risco de que a expansão no consumo de biocombustíveis aumentará o aquecimento global, e não o contrário. Há a possibilidade de aumentar o desmatamento, caso a expansão do cultivo esteja associado à redução da vegetação nativa que, se queimada, acaba gerando mais emissões, do que se espera evitar substituindo combustíveis fósseis.

Mesmo que a área cultivada já tenha sido previamente desmatada por outra razão, especialmente para pecuária, ocorre um aumento na demanda por terra, pois a antiga atividade acaba deslocando-se para a fronteira – e não há dúvida de que o aumento das áreas de pastagens é a maior causa direta de perda de florestas no Brasil.

Ou seja, o próprio aumento no preço da terra causa desmatamento. O Cerrado é o bioma que sofre a mais alta taxa de destruição, mas há também sérios problemas na Mata Atlântica, Floresta Amazônica e até mesmo no Pantanal, onde se tenta alterar as leis de conservação, para permitir a expansão dos cultivos.

Se for comprovado que o etanol obtido dessas regiões causa desmatamento (e, logo, aquecimento global), o apelo “verde” do etanol cai por terra e, conseqüentemente, sua demanda diferenciada de combustível ecologicamente correto - mercados de crédito de carbono funcionam sob rigorosa inspeção, sobre as “pegadas ecológicas” de seus produtos.

O produtor que quiser investir nesse mercado terá que se antecipar às problemáticas. Diferenciar seu produto, garantindo que o biocombustível foi realmente obtido de forma sustentável, através de mecanismos de certificação independente, será tão importante quanto garantir que seus custos de produção serão capazes de concorrer com um petróleo mais barato.

Investir em conservação, ir além da legislação ambiental e construir espaços reservados à conservação, será uma forma de garantir sua competitividade. E há vantagens que vão além da preocupação em atender consumidores mais exigentes: índices de ações começam a diferenciar empresas em função de seu desempenho socioambiental, afetando a captação de novos investimentos e os custos de captação de crédito e prêmios de seguro. Entender como o comportamento ambientalmente correto pode também significar maiores lucros, e não o contrário, é o primeiro passo. É como ilustra o ditado: “candeia que vai à frente alumia duas vezes”.