Refletir sobre o cenário do sistema sucroenergético para os próximos 5 anos, nos remete a algumas mudanças conceituais. Primeiro, o setor sucroenergético já dá lugar ao setor bioenergético, devido às suas características de produção e produtos que passaram a ser produzidos. As biofábricas substituem as usinas e focam na produção do carbono renovável, competitivo para o planeta independentemente do produto fabricado. São esses alguns novos conceitos para a nossa velha cana e nosso centenário setor.
Explorar o ambiente em que nosso setor está inserido, e os fatores e variáveis que podem impactar as operações, definirá nosso cenário. E, para os próximos anos, existem centenas, senão milhares de possibilidades. Mas vamos às principais variáveis que devem direcionar o setor.
Se listarmos as principais oportunidades ou mesmo as ameaças, falaremos certamente de assuntos como: hidrogênio verde, carros elétricos, mudanças climáticas, mudança da matriz energética, reforma tributária, câmbio, paridade do preço de combustíveis no mercado internacional, política de biocombustíveis na Índia, exportações de açúcar no sudeste asiático e por aí vai. Não são assuntos novos. São, sim, itens essenciais que temos que trabalhar fortemente e ser eternos vigilantes para observar os impactos e como poderemos surfar nisso.
Entretanto, nesse artigo, vou me ater aos pontos que estão em nossas mãos, na iniciativa privada, na possibilidade de mudança direta e rápida já para os próximos 5 anos pelos produtores de cana e pela indústria.
Sim, produtores de cana, e não fornecedores de cana, e a parceria forte e duradoura em um movimento ganha-ganha para resgatar e desenvolver nosso sistema na oferta de produtos de qualidade e fortalecimento da cadeia. Podemos citar algumas diretrizes com impacto na oferta e na demanda, tais como:
A. Necessidade de estímulo à produção de cana: Há quem diga que o problema dos últimos anos na disponibilidade de cana está na baixa produtividade dos canaviais, ou nos eventos climáticos indesejáveis, mas, não só. Lembremos que a produtividade, na média dos 5 anos, continua baixa, 75 ton/ha/ano, menor que há 10 anos, alcançando 8,3 milhões de hectares ante os 9,2 milhões. O que fazer para aumentar a disponibilidade de cana? Um deles é o montante de investimento com adubo, variedades, métodos, manejo, ou seja, aumento de investimentos e incentivos para a produção.
A baixa produtividade e redução de área é consequência e não causa. É sabido que o máximo produtivo é diferente de máximo econômico/rentável. Para o produtor de cana, produtividade pode não ser sinônimo de margem. Explico. Produzir 100 ton/ha em condições comerciais é possível, mas é rentável no meu modelo? Nos últimos anos, os custos de produção têm aumentado significativamente, reduzindo essa proporção, e as receitas não cresceram na mesma proporção. Um indicador é a atratividade da cana como negócio e tem perdido em remuneração para diversas outras culturas, inclusive no arrendamento.
Caso não ocorra, as próprias usinas terão de enfrentar um investimento maior na área de cana, aumentar máquinas e equipamentos, arrendar mais áreas e ainda dispender muito tempo e operações. Para as usinas e biofábricas, ter parceiros especializados para desenvolver e gerenciar as áreas agrícolas, além de melhorar o fornecimento de matéria-prima, diminui o efeito de imobilizar recursos e gerar deseconomia de escala para as indústrias.
Isso claramente devido ao cuidado que produtores têm em seus canaviais, atenção e gestão. Para que essa relação tenha equilíbrio, resgatar o produtor de cana mediante revisão e atualização do Consecana será a melhor saída com incrementos dos produtos da matéria-prima na precificação: remunerar o bagaço, remunerar os C-Bios, por exemplo, aumentarão a disponibilidade de cana. Exceto se quisermos nos tornar um setor concentrado, com poucos agentes e pequena distribuição de renda e contínuo problema de fornecimento de matéria-prima.
B. Busca por novos modelos de produção de cana e melhor manejo dos canaviais: Esse item impacta diretamente no fornecimento de cana, mas também na rentabilidade e condução da atividade. Ninguém ainda sabe ao certo os impactos que as mudanças climáticas podem acarretar com o aumento de 1,5 ºC no nosso planeta, mas nos últimos anos o clima não tem seguido padrões, apesar de eventos extremos importantes e impactantes na agropecuária.
Quanto à cana, eventos como: geadas, secas intensas e mesmo chuvas irregulares têm sido frequentes. Então, entender melhor esses impactos e conseguir formas e estratégias para produzir terão grande prioridade, inclusive, um tipo de manejo diferentes, novas variedades e novas formas de produção. Nos últimos anos, algumas previsões têm sido “menos más”, mas ainda com pequenas opções de gestão ao produtor de cana. Não temos nem um banco de germoplasma mundial de cana no Brasil, só existe nos EUA e na Índia. Nossas pesquisas em motomecanização ainda são difusas e pouco implementadas. Urge trabalharmos se acaso quisermos continuar sendo líderes no segmento.
C. Restrição no uso de agroquímicos e fertilizantes sintéticos e incentivo a utilização de bioinsumos: Não somente na busca de redução do custo da produção, mas principalmente pela redução de produtos sintéticos e químicos. A sociedade tem acelerado esse processo por meio de salvaguardas em alguns países com produtos produzidos com resíduos químicos.
Vários países já atuam no incentivo de produtos de origem biológica para combater pragas e doenças em diferenciais fiscais e liberação rápida de bioinsumos. A atividade canavieira já é uma das pioneiras no uso da torta de filtro, vinhaça e na utilização de fungos como inimigos naturais há décadas.
Existem muitas possibilidades para aumentar essa utilização de bioinsumos. Remineralizadores de solo, solubilizadores e pragas como inimigos naturais são exemplos da necessidade de reduzir a quantidade de insumos químicos para melhorar o equilíbrio biológico do sistema produtivo, sendo, assim, uma oportunidade para empresas de insumos intensificar suas ações na cana, biofábricas e transição de produtos químicos a biológicos. Naturalmente, o manejo será alterado, impactando também o item B, citado acima.
D. O Brasil como difusor e referência de tecnologia tropical na produção de etanol e biocombustiveis: O Brasil tem uma enorme oportunidade com a transição energética que está ocorrendo no mundo. Pode se tornar o líder produtor de energia renovável, sendo difusor e referência em biocombustíveis, com os custos mais competitivos do mundo. Semelhante ao que a Arábia Saudita significa para o petróleo, o Brasil poderia significar para os combustíveis renováveis. E essa pode ser uma grande aposta no hidrogênio verde.
O setor pode ser protagonista no mundo, com a internacionalização da energia renovável, através do hidrogênio verde, biogás, etanol 2G, diesel a partir da cana e participando de cadeias globais devido ao conhecimento do processo, gerando valor mediante etapas de produção dos clientes (até porque nenhum cliente desejará depender totalmente de um único país).
Difundindo tecnologia, o Brasil e o setor bioenergético poderão compartilhar as experiências a diversos países no uso e desenvolvimento de energia verde, e tornar o primeiro grande país a ser Net-zero, equalizando suas emissões de CO2eq.
Obviamente, fatores macroeconômicos, bem como os impactos do desenvolvimento tecnológico, políticas públicas, sustentabilidade e geopolítica global influenciarão as sugestões acima apresentadas, ou até mesmo em qualquer cenário imaginável. É importante destacar que temos uma agenda privada, que podemos realizar e fazer acontecer, e uma agenda pública com o apoio do governo, em que mesmo diferenças políticas/partidárias não impactem negativamente no setor e que haja sempre regras claras.