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Paulo Zancaner Castilho

Diretor da Datagro Alta Performance

Op-AA-52

Abrindo a gaveta
No auge da última crise, conversando com um grande amigo gestor de uma usina em dificuldades (e quem não estava?), escutei uma afirmação a respeito de sua área técnica que me marcou: “Paulo, você sabe que eles são gênios, sabem de tudo e têm muitos e bons projetos, mas... de vez em quando, temos que enfiá-los numa garrafa e esquecê-los lá por um tempo!”  

Fiquei impressionado... E era isso mesmo! Por melhor que fossem os projetos, por maior que fosse a TIR, por mais curto que fosse seu payback, nunca eram suficientes para competir com a obrigação do pagamento de juros aos bancos, esses malvados que ajudam, face às dificuldades de caixa das empresas.

Então, vimos uma quantidade enorme de bons projetos indo para o fundo de uma gaveta para hibernação, aguardando melhores momentos. Nesse meio tempo, algumas equipes se desfizeram, conhecimentos internos foram perdidos, processos se alteraram e muitas novas tecnologias se desenvolveram e foram colocadas à disposição.

Na edição passada da Revista Opiniões, a querida Ana Paula Malvestio alerta para a preocupação: “...até quando teremos preços em bons patamares e o que fazer quando um novo período de baixa de preços vier?”  Não me arrisco dizer até quando teremos preços remuneradores, coisa meio esotérica, mas o que fazer na área operacional agrícola, além das possibilidades citadas na matéria fará parte da obrigação de quem quiser se manter vivo no setor, e, para mim, está claro que a resposta, hoje, está nas gavetas das áreas técnicas das empresas, na forma de projetos, nas mais diversas áreas. 
 
Quando o período de baixa vier, e ele virá, que ninguém se iluda, as empresas têm que ter desengavetado e posto em ordem de marcha alguns de seus melhores projetos no árduo trabalho de aumento da produtividade das coisas, sejam canaviais, ou máquinas e equipamentos, sejam pessoas, fazendo sempre mais com menos.
 
Fantásticas tecnologias estão, hoje, dominadas e à disposição das empresas. Eu, particularmente, gosto muito das MPB – Mudas Pré-Brotadas, em suas diversas vertentes e subdivisões de sofisticação (viveiro próprio/comprado/irrigado/área parcial/total) associado ao sistema de plantio em “meiosi”, por seu resultado extremamente positivo e retorno imediato a partir da adoção. 
 
A empresa que não o adotar corre o risco de perder o pulo do gato do momento e perderá também competitividade face às demais. Seu custo é baixo, e sua adoção pode ser gradual. Não o adotar, hoje, chega a ser uma irresponsabilidade, pois, além do ganho intrínseco à própria operação de plantio, há também a possibilidade de adoção rápida de variedades novas e mais promissoras das que eventualmente estejam em uso no canavial da usina.

Gosto muito também do controle de plantio e de falhas através de imagens, que tem evoluído bastante, e já há aplicação segura de suas interpretações. É um método rápido de aplicação prática muito valiosa, com retornos em médio prazo pela melhora no stand do canavial e consequente redução de custos de colheita e em arrendamentos.

Também uso intensivo do piloto automático nas operações de plantio e colheita, dentro de um contexto de planejamento dos talhões e eficiência da logística de colheita trazem no fim, na última linha, um grande resultado, em função da redução de custos de colheita e transporte, com números impactantes, que são mais que suficientes para um excelente retorno do capital investido, num cenário de custo de oportunidade caindo com a Selic atual.

Dezenas de outras tecnologias também podem contribuir muito, mas aí vem à tona a face perversa da crise, pois muitas equipes não têm maturidade para adotá-las ou extrair delas o máximo de contribuição, e não é por incompetência, mas por desconhecimento das dinâmicas da ação e reação dos canaviais à adoção ou não das práticas. 
 
Cabe, então, à alta direção da empresa ter a consciência e a disciplina para saber que, se num dado momento anterior, por motivos nobres de sobrevivência, se desfez de equipes maduras, substituindo-as por novatas ou com técnicos menos experientes, não pode agora, no momento de retomada, exigir desses mesmos técnicos, cheios de boa vontade, mas limitados pelo pouco tempo de gestão, gestão esta ainda cerceada em sua criatividade pela necessidade de cumprimento de orçamentos restritivos, que sejam capazes de desenvolver projetos de grande envergadura e de resultados positivos imediatos.

Há que se cercar de profissionais competentes, que estão disponíveis às dezenas no mercado, cada um com sua especialidade, e, mesmo que temporariamente, dar suporte através destes às suas próprias equipes, até que estas absorvam o conhecimento e passem a entender um pouco mais do todo e tenham uma visão holística do negócio de produzir muita cana barata e com qualidade. Ao mesmo tempo, promover capacitação profissional nos níveis operacionais, treinamento mesmo, situando o funcionário no contexto da empresa, dando a ele a responsabilidade e a consciência da importância de seu trabalho bem-feito, a relação direta do seu trabalho com o sucesso da fase que ele está conduzindo e criando um sistema de métricas para bonificação ou renda variável.

A meritocracia tem se mostrado muito eficiente quando se passa por momentos de inflexão como esse que vivemos. Ela é propulsora de desenvolvimento e de resultados positivos quando bem estruturada e aplicada. O que temos visto, por enquanto, é mais uma “escamoteocracia”, onde gestores se escondem em números e premissas duvidosas e se desculpam por baixo de decisões superiores do tipo: “eles que não me deram recursos, então não consigo entregar... ”, que a assunção de responsabilidades sobre as próprias decisões e escolhas. 
 
O momento atual traz a chance para que essas empresas se livrem desse comportamento defensivo e partam para cima em busca de resultados, desengavetando projetos, fazendo contas, ajustando os payback dos mesmos, tendo coragem e assumindo os riscos inerentes às escolhas feitas. Temos pouco tempo, pois não sabemos quanto de alívio teremos pelos bons preços atuais e não podemos errar.

É hora de nos cercarmos de bons técnicos, assessores, consultores, abrir as gavetas e a garrafa dos gênios que estão aprisionados em nossas empresas. Dar asas, com segurança e equilíbrio, fazer contas, não inventar a roda, utilizar o que já é sucesso, aplicando o conhecimento acumulado que está disperso pelo mercado em pessoas e em empresas que estão prontas para participar desse novo ciclo de crescimento sustentável.