Presidente da Procknor Engenharia
Op-AA-35
Como deve ocorrer em outros setores da indústria, no setor sucroenergético, existem mitos que acabam norteando decisões empresariais sem um fundamento técnico razoável. Neste artigo, é minha intenção discutir alguns desses mitos.
MITO #1 - Cogeração com bagaço excedente ou palha: Não existe uma definição técnica oficial para o significado da palavra “cogeração”. Uma definição possível seria: “Produção combinada e eficiente de energia mecânica (ou de energia elétrica a partir de energia mecânica) e de energia térmica utilizável (calor ou frio) a partir de uma única fonte primária de combustível”. Os americanos usam muito bem a expressão CHP (Combined Heat & Power), a qual define, de forma objetiva, as plantas que utilizam sistemas de cogeração.
Esse conceito serve para esclarecermos que não existe, por exemplo, cogeração a partir de bagaço excedente ou de palha de cana. Quando utilizamos bagaço excedente ou palha para produzir energia elétrica, temos um sistema de geração, pois estamos produzindo apenas energia elétrica e não estamos aproveitando nenhuma energia térmica. Tais sistemas de geração têm uma eficiência global muito baixa, na faixa de 24% a 27%, ou seja, aproveitamos apenas um quarto da energia disponível no combustível primário.
Um enorme desperdício! Sistemas de cogeração deverão ter eficiência, no mínimo, duas vezes maior, na faixa entre 60% e 65%. A conclusão evidente é que, para buscar a máxima eficiência energética, temos que procurar sempre instalar sistemas efetivos de cogeração, o que vai ocorrer, por exemplo, com a eventual produção de etanol celulósico, que vai exigir grandes quantidades de energia térmica adicional.
MITO #2 - Cogeração com bagaço velho ou bagaço novo: Existe, no mercado, o mito de que, com o baixo preço de venda da energia elétrica excedente, os investimentos em cogeração não são viáveis nas usinas de cana. Isso é verdade para “bagaço velho”, mas não para “bagaço novo”. Chamamos de bagaço velho as usinas existentes que já dispõem de caldeiras (mesmo com baixa pressão) e de geradores para processar a cana disponível. Nesse caso, os investimentos deverão ser amortizados apenas com a venda de energia elétrica excedente, o que realmente é inviável com os preços dos últimos leilões de energia elétrica.
Chamamos de bagaço novo as usinas greenfield ou as usinas novas com planos de expansão significativa do canavial que vão exigir caldeira nova. Nesse caso, os investimentos deverão ser amortizados com a venda de açúcar e/ou etanol e com a venda de energia elétrica excedente.
É uma condição muito mais favarável, pois, mesmo sem sistemas de cogeração, investimentos altos seriam necessários em caldeiras e em geradores para atender à nova disponibilidade de cana. Em condições normais, a venda de energia elétrica representa de 10% a 15% do faturamento total da usina, mas com uma margem de lucro muito alta.
Portanto, quando há expansão do canavial, implantar sistemas de cogeração é sempre rentável, mesmo com preço baixo. Pode haver exceções somente quando houver dificuldades com a conexão da rede elétrica. Portanto, ao desmotivar a produção de etanol, o nosso governo está, indiretamente, prejudicando a produção de energia elétrica nova a partir de biomassa.
MITO #3 - Sistemas com condensação atmosférica não são recomendáveis: A condensação atmosférica (ou “condensação caipira”) consiste em gerar energia elétrica para venda, quando houver sobras de bagaço, utilizando os evaporadores de caldo como condensadores e lançando o vapor gerado para a atmosfera pelas válvulas de alívio existentes.
Trata-se de um ciclo de condensação, no qual o vapor de escape da turbina de contrapressão é condensado numa pressão na faixa de 2,0 bar abs., ao invés de uma pressão de 0,16 bar abs., como ocorre com as turbinas de condensação sob vácuo. É evidente que, se olharmos apenas para o consumo específico das turbinas, essa prática não tem nenhum fundamento.
Para um vapor motriz típico de 65 bar/515 C, uma turbina de contrapressão tem um consumo específico da ordem de 5,7 kg/kW/h, e uma turbina de condensação sob vácuo tem um consumo específico da ordem de 3,7 kg/kW/h. Um observador menos experimentado poderia concluir que, para cada tonelada de bagaço excedente queimado, seria possível auferir um resultado 54% maior na venda de energia.
Mas outros fatores importantes devem ser considerados. Uma turbina de contrapressão devolve para a caldeira condensados com temperatura de 125ºC aproximadamente, mas a turbina de condensação produz condensados a 45ºC. A energia necessária para aquecer esse condensado mais frio nem sempre é contabilizada, mas se trata de um valor considerável.
Além disso, é necessário considerarmos a energia elétrica parasita instalada nas torres de resfriamento e nas bombas correspondentes. Uma turbina de condensação sob vácuo trabalha exclusivamente com vapor produzido por bagaço excedente (ou palha se for o caso).
Essa máquina é mais cara por MW instalado, sendo que um conjunto turbo gerador de mesma capacidade exige um investimento da ordem de 40 a 45% maior.
Sendo um equipamento mais caro, não se devem instalar máquinas de baixa capacidade, pois o custo por MW instalado aumentaria ainda mais. Um gerador de 20 MVA seria o de mínima capacidade para ser acoplado economicamente em uma turbina de condensação sob vácuo.
A máquina de 20 MVA a plena carga vai necessitar de 67,2 t/h de vapor (incluindo o vapor para aquecimento do condensado) e, assim, de aproximadamente 32 t/h de bagaço excedente, sem considerar o estoque de segurança e as perdas durante armazenamento. Dessa maneira, para enchermos essa máquina, estamos falando de um excesso de 185.000 t de bagaço. Essa sobra, ainda sem considerar palha, corresponde a uma unidade, processando de 2,2 a 2,4 milhões t de cana.
Portanto, para unidades que tenham planos de expansão, mas que estejam processando até 2,4 milhões t de cana, a opção de usar condensação atmosférica durante um certo período de tempo deve, sim, ser estudada, principalmente se o preço de venda de energia estiver baixo.
MITO #4 - Cogeração com difusor é melhor do que com moenda: Como uma instalação com difusor exige menor consumo de energia mecânica (ou elétrica), à primeira vista, a escolha correta seria usar difusor para sistemas de cogeração. Mas, para se atingir alta extração com o difusor, necessitamos, normalmente, de maiores taxas de embebição, quando comparadas com as taxas usadas nas moendas. Em outras palavras, para processar a mesma quantidade de cana, moendas necessitam de mais energia elétrica, e difusores necessitam de mais energia térmica.
Em vários estudos específicos que já realizamos, verificamos que, para um consumo de vapor de processo na faixa de 45% sobre a cana, o excedente de energia elétrica usando difusor ou usando moenda é praticamente o mesmo. Portanto uma análise mais detalhada de cada caso específico é indispensável.
MITO #5 - Alto poder calorífico da biomassa garante o retorno do investimento: É comum, em nossa atividade, recebermos investidores potenciais entusiasmados com o alto poder calorífico de diferentes biomassas, tais como a palha de cana e o capim elefante (capim Napier). Esses materiais têm, geralmente, baixa umidade e, portanto, alto poder calorífico.
Vendedores de ilusões fazem contas rápidas de retorno do investimento como se tais biomassas estivessem disponíveis na boca da caldeira durante todo o ano, mas a realidade não é bem assim.
Qualquer projeto que pretende produzir energia elétrica a partir de biomassa deve contar com bons consultores de confiança em, no mínimo, três áreas específicas: agronomia, logística e indústria.
O consultor de agronomia deve definir a produção média da biomassa, em quais épocas do ano e a qual custo. Por exemplo, capim elefante é normalmente produzido somente durante quatro meses no ano.
O consultor de logística deve definir qual é a maneira mais econômica para transportar e para armazenar a biomassa, se no campo ou se na indústria. O consultor industrial deve definir qual é a maneira mais econômica para processar a biomassa e para produzir energia elétrica e calor. Nesses casos, os estudos de logística são os mais importantes e são os que definem a viabilidade do investimento. Normalmente, os custos de armazenamento e de transporte são muito mais representativos do que os custos de produção ou de processamento da biomassa.