A eficiência fermentativa e os custos de produção do etanol a partir do milho foram revolucionados pelas leveduras geneticamente modificadas (OGM). Os avanços impressionantes nas OGM nos últimos anos têm otimizado a produção de etanol a partir do milho, aumentando a eficiência da fermentação e reduzindo a geração de subprodutos como o glicerol. Além disso, têm gerado uma economia considerável de enzimas essenciais para a hidrólise do amido.
O principal agente dessa transformação tecnológica na produção de etanol é a levedura Saccharomyces e suas variações genéticas. Substituir leveduras convencionais por OGM traz uma série de benefícios significativos para a produção de etanol como maior tolerância ao estresse térmico, maior eficiência na produção de etanol, maior resistência a contaminantes, economia de energia e tempo, aumento do controle da qualidade do etanol em relação a contaminantes traços no etanol e redução de custos de insumos como enzimas hidrolíticas.
O critério mais utilizado de escolha da cepa é a eficiência fermentativa na produção de etanol. A equação de Gay-Lussac descreve o consumo de glicose e a produção de dióxido de carbono e etanol, além da geração de energia (ATP). De acordo com essa equação, a conversão completa desse substrato em etanol e CO2, sem a formação de subproduto, levaria a um rendimento de 0,511 kg de etanol por kg de glicose. Essa equação não inclui a conversão da glicose em levedura e outros metabólitos produzidos como glicerol, ácido lático, ácido succínico e outros, conhecidos como metabólitos secundários ou subprodutos que diminuem a eficiência máxima dessa conversão. Uma das inovações que revolucionou a fermentação foi a redução da produção de glicerol pelas leveduras através de engenharia genética.
A levedura pode ser utilizada em diferentes configurações de plantas de etanol de milho, como moagem seca dos grãos ou moagem úmida, diferentes processos produtivos de coprodutos, com remoção da fibra do mosto e até plantas integradas que produzem etanol celulósico ao etanol convencional.
O layout industrial de produção de etanol de milho que utiliza a rota de moagem seca do grão é o mais utilizado nos EUA e no Brasil devido à sua simplicidade, que resulta em menores custos de capital e operação. O processo de moagem seca pode ser dividido em várias etapas principais: moagem dos grãos, cozimento e liquefação, propagação e fermentação e destilação. A imagem em destaque apresenta o diagrama de processos de uma planta de moagem seca.
A moagem dos grãos consiste em quebrá-los em partículas de tamanho adequado para facilitar a penetração da água durante o processo de cozimento. O cozimento é o processo em que a farinha de milho obtida na moagem do grão se mistura com enzimas, água, condensado e vinhaça fina reciclada até a entrega de um mosto pronto para a fermentação.
O cozimento e a liquefação possuem um tempo de residência de 1,5 a 2 horas a 85-94°C, utilizando injeção direta e indireta de vapor. A liquefação do amido é realizada pela ação da enzima alfa-amilase que age de forma aleatória nas ligações glicosídicas alfa-1,4 da amilose e da amilopectina. Essa enzima também pode hidrolisar as ligações alfa-1,6 da amilopectina, mas de forma bem lenta. Além da alfa-amilase, novos processos enzimáticos estão sendo incluídos no cozimento e liquefação com a adição de pulanases, xilanases, hemicelulases, proteases e outras. As etapas do processo de produção até o momento, incluindo o cozimento e liquefação, não disponibilizam uma grande parte dos açúcares para as leveduras, principalmente para evitar reações de Maillard.
A propagação e a fermentação da levedura utilizam uma tecnologia conhecida como sacarificação e fermentação simultânea (SSF, sigla inglês para “Simultaneous Saccharification and Fermentation”), na qual, resumidamente, os açúcares são disponibilizados de forma gradativa e convertidos em etanol.
A propagação ocorre em fermentador paralelo, geralmente com um volume correspondente a 10% do volume do fermentador principal. A dosagem típica é de cerca de 0,5 kg de massa seca por m³ de volume útil do propagador (pitch), ou aproximadamente 0,05 kg de levedura seca ativa por m³ de volume útil do fermentador principal (dorna).
Após a injeção da levedura, a densidade celular aumenta progressivamente no propagador com a utilização do açúcar e a produção de etanol ocorrendo simultaneamente. O processo SSF necessita a adição de enzimas amilolíticas no mosto ou a própria produção dessas enzimas por leveduras OGM. O meio rico em açúcar favorece o efeito Crabtree (supressão da respiração devido a altos níveis de glicose, em que as células continuam a fermentar apesar da disponibilidade de oxigênio) e, para maximizar o crescimento respiratório, diminuímos a concentração de sólidos no mosto (12-18%) utilizado na propagação e injetamos ar para aumentar o oxigênio com o objetivo de direcionar a rota metabólica para o crescimento da levedura.
A fermentação converte os açúcares em etanol em aproximadamente 50-60 horas, sendo que a concentração final de etanol é geralmente de 18-20 %v/v, com diversos fatores afetando a eficiência desse processo. Essa etapa pode inviabilizar o plano de negócios da planta se os custos com enzimas, o baixo rendimento na conversão dos açúcares ou o alto custo do combustível para utilidades não forem otimizados dentro do processo de fermentação. Nesta fase, a levedura escolhida deve produzir níveis máximos de etanol, que podem chegar a 22%, com baixo consumo de glucoamilase e um rendimento superior a 92%.
A última etapa de uma planta de etanol de milho é recuperar o etanol no vinho por destilação. Um típico sistema de destilação inclui vinho, uma fonte de energia, geralmente vapor vegetal introduzido na base da coluna ou reboiler, um produto de parte superior composto principalmente pelo componente de menor ponto de ebulição, e um produto de fundo contendo o componente de maior ponto de ebulição.
As operações unitárias utilizadas nas etapas da produção de milho são consagradas, maduras e eficientes tecnologicamente, mas, como todo processo biotecnológico, apresenta três grandes desafios que afetam significativamente o rendimento de etanol, como a temperatura, a acidez e o nível de etanol produzido durante a fermentação. Problemas em dois ou mais desses fatores de forma simultânea vão causar perdas significativas no rendimento.
Alta temperatura causa alteração nos mecanismos de estresse da levedura, incluindo elevação de glicerol e trealose (dissacarídeo não redutor intracelular) e favorece a proliferação de bactérias. Algumas cepas são mais capazes de resistir ao estresse térmico do que outras devido à evolução de seleção de cepas ou adaptações da engenharia genética. A liberação lenta dos açúcares, em que o fermento utiliza o açúcar conforme ele se torna disponível, diminui a competitividade das bactérias produtoras de ácido lático e acético, além da proteção osmótica da levedura evitando altas concentrações de açúcar no meio.
A infecção bacteriana é o primeiro fator de travamento de uma fermentação, e geralmente em um vinho contaminado com lactobacilos a 106 UFC/ml é provável que a fermentação pare em 8% de etanol, resultando em uma perda de 33% no rendimento devido a açúcares residuais. O alto teor alcoólico no vinho minimiza problemas de infecção, entretanto, os açúcares têm uma tendência a parar de fermentar caso a levedura não tenha habilidade de chegar a alto teor alcoólico.
O sucesso das plantas de fermentação inclui adaptações fisiológicas da levedura para ambientes desafiadores pensando em alto teor de etanol, inibidores fermentativos, altas temperaturas e acidez. Vamos presenciar muitas cepas com plataformas biotecnológicas robustas para expressão enzimática que intensifica ou suprime a expressão genética de genes para evitar a produção excessiva dos subprodutos e produtos secundários. Visualizamos uma transição das plantas de etanol tradicionais para “biorrefinarias” ou “bioparques”, onde são produzidos muitos produtos diferentes de alto valor agregado via sistemas biológicos (fermentações microbianas e conversões enzimáticas) como resinas, plásticos, fármacos e fragrâncias.
A busca por soluções sustentáveis para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, promover a economia circular e adotar boas práticas socioambientais é urgente. O Brasil, com suas competências consolidadas na fermentação dos açúcares da cana-de-açúcar e na produção de milho, está estrategicamente posicionado para liderar esta transformação. A expansão da produção de etanol de milho em território brasileiro destaca o potencial do país em oferecer soluções economicamente viáveis e ambientalmente responsáveis, reafirmando seu papel de protagonista na agenda global de sustentabilidade.