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Ana Paula Malvestio

Sócia da PricewaterhouseCoopers

Op-AA-40

Foco em gestão!

Na década passada, o setor sucroenergético vivenciou um forte ciclo de expansão, pelo aumento da demanda de açúcar no mercado internacional e pela propagação do uso do etanol no País, na era dos motores flex. O avanço da cana-de-açúcar entre as safras 2001/2002 e 2008/2009 impulsionou grandes empresas, nacionais e multinacionais, em altos investimentos, e a produção brasileira de cana-de-açúcar cresceu a uma taxa de 10% ao ano, ciclo que foi interrompido pela crise mundial de 2008.

Segundo a Unica, nas últimas cinco safras, 44 usinas fecharam, e outras 12 suspenderam suas operações, sendo que, somente neste ano, 6 usinas já entraram com pedido de recuperação judicial. O Governo Federal é constantemente responsabilizado pela crise, e as queixas vão desde o subsídio imposto ao preço da gasolina até a falta de políticas públicas, como a relação entre a mistura de etanol na gasolina.

Uma política de estímulo à produção de etanol é o que muitos esperam ser a solução para a crise no setor, além da volta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina. É evidente que a ausência de um planejamento estratégico claro e bem definido por parte do Governo Federal é fundamental para o desenvolvimento e o crescimento sustentável do setor.

Contudo já se vão quatro anos ruins, e as perspectivas para atendimento do pleito do setor ainda parece indefinido, apesar das desonerações tributárias relativas ao PIS e ao Cofins, que ainda não resultaram em relevantes resultados no caixa das usinas, especialmente.

Assim, o que fazer? Desistir não é alternativa, visto as boas perspectivas no longo prazo. O consumo global de açúcar deve continuar crescendo a uma média de 2% ao ano, e, em algumas regiões como o leste, sul e sudeste da Ásia, ele deve aumentar em até 47% até 2020, influenciando positivamente os preços.

O caso do etanol não é diferente. A demanda global pelo combustível deve aumentar em até 100%, indo para 167 bilhões de litros, segundo a Organização Internacional do Açúcar (OIA).

Foco em gestão! Isso é o que está nas mãos das usinas! Um dos grandes desafios que se apresenta para a maioria das empresas desse setor é conseguir entender como as dificuldades “externas” impactam suas operações individuais e buscar alternativas e oportunidades, mesmo nesse cenário adverso.

As empresas que conseguem se sobressair à crise são agentes de mudança não conformistas, buscando soluções viáveis. Diversos fatores “externos” contribuíram para a atual crise no setor.

Quatro deles são considerados de grande relevância e trouxeram fortes impactos nas últimas safras:
• elevação dos custos de produção;
• alto endividamento;
• carência de matéria-prima e;
• carga tributária.

O foco na gestão de cada uma dessas adversas situações pode apontar possíveis alternativas para superá-las, tendo como princípio que uma boa gestão empresarial é capaz de evitar situações adversas. Elevação dos custos de produção: A cadeia produtiva de açúcar e etanol é bastante complexa. Do plantio da cana ao produto final, inúmeros processos estão envolvidos. Ter controles e manter esses processos otimizados são um grande desafio para a indústria canavieira. A falha e a ineficiência nesse quesito podem ocasionar consideráveis incrementos nos custos de produção.

O mapeamento dos controles internos dos processos e a adequação às melhores práticas do mercado são alternativas que podem auxiliar as usinas a obterem maior eficiência. Só para citar como exemplo, tenhamos em mente os custos envolvidos com pneus na área agrícola, sejam eles para recauchutagem ou aquisição de novos. Se pudéssemos geri-los de modo a reduzi-los...

De maneira geral, a gestão de suprimentos e estoques nas usinas é um grande desafio, e garantir a otimização desses fatores, de maneira a sincronizar a demanda (necessidade) e o processo de compras (entrada), buscando reduzir a quantidade de material imobilizado, é ter, comprovadamente, diminuição de custos.

Alto endividamento: As estimativas apontam que as usinas na região Centro-Sul, maior produtora de cana-de-açúcar no País, iniciarão a safra 2014/15 com um endividamento de R$ 65 bilhões. O alto volume de dívidas compromete a rentabilidade do negócio.

Portanto um novo olhar para a gestão orçamentária, a renegociação de dívidas, a alienação de ativos com vistas à capitalização das usinas podem ser alternativas para reduzir o endividamento. Além disso, novos e diferentes esforços podem ser direcionados para captação de recursos, de maneira competitiva, analisando as melhores linhas de financiamento ou formas de alternativas de captação.

Carência de matéria-prima: A carência de matéria-prima tem aumentado nas últimas safras. Caso as usinas não consigam garantir o seu suprimento de cana e a sua taxa de ociosidade continue elevada, ocasionando em aumento dos seus custos operacionais, ficará difícil a obtenção de rentabilidade. Assim, foco na gestão para o suprimento de matéria-prima é essencial, devendo as usinas buscar tanto o aumento de produtividade da chamada cana “própria” como o fornecimento de cana por terceiros.

Outro importante aspecto a ser considerado é a gestão de relacionamento com fornecedores de cana. Por que não se investir em programas de fidelização de fornecedores? Segundo a Unica, o setor conta, hoje, com 70 mil fornecedores de cana, responsáveis por cerca de 30% da cana processada no País. Isso significa que, na média, cerca de 1/3 da cana moída por uma usina é proveniente dos fornecedores.

Outro quesito que também interfere no suprimento das usinas é o desempenho agrícola. Garantir uma boa produtividade no campo é essencial para o seu abastecimento. Algumas ações, nesse sentido, são o uso de indicadores de produtividade, a implantação de controles e processos e a adoção, cada vez maior, da agricultura de precisão. Essas ações podem garantir uma gestão agrícola eficiente e excelentes retornos de investimentos.

Carga Tributária: A despeito dos positivos resultados das intensas negociações com o Governo Federal para as desonerações de açúcar e do etanol, ainda não se pode constatar a eficiência dessa nova ordem, face aos acúmulos de créditos de PIS e Cofins, o que faz com que as usinas tenham que pagar para depois ver seu caixa ser ressarcido.

Outro aspecto que merece relevante olhar para sua gestão são as obrigações de pagar tributos, que custam aos contribuintes brasileiros (de médio porte) 2.600 horas anuais, enquanto a média mundial varia entre Estados Unidos em 187 horas e China em 398 horas. Alguns números que nos dão a dimensão do que estamos falando, associados ao aumento dos riscos de questionamentos fiscais face ao crescimento da quantidade de dados que ficam disponíveis on-line: R$ 5,2 bilhões de NF-e emitidas desde 2005, 879 mil emissores de NF-e, 1,5 milhão de empresas transmitiram a EFD-Contribuições em 2013.

O setor enfrenta outros desafios além desses, mas, face à viabilidade do mesmo, resta-nos investir na superação dos desafios e na retomada do crescimento. A escolha da melhor alternativa é uma decisão exclusiva de cada usina e deve refletir a sua realidade, em termos de estratégia, planejamento, recursos humanos, infraestrutura, governança e organização.

A combinação dessas dimensões é essencial para o sucesso de qualquer negócio, esteja o setor passando por uma crise ou não. Assim, em tempos difíceis, com uma boa análise interna, uma boa gestão e com a adoção de melhores práticas, esses impactos podem ser minimizados, e os bons resultados serão apurados. Uma empresa fundamentada em princípios de boa gestão não só sobreviverá como sairá fortalecida de mais uma crise.