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Karin Regina Luchesi

Vice-presidente de Operações de Mercado da CPFL Energia

Op-AA-49

Momento promissor para a bioeletricidade
Com o compromisso brasileiro firmado na reunião sobre clima de Paris (COP 21), de elevar o uso de energias renováveis na geração de energia elétrica até 2030, a expansão do mercado livre de energia, a sobra estrutural de energia e as mudanças regulatórias criam novas oportunidades para a bioeletricidade. Responsável pela geração de energia equivalente ao consumo de dez milhões de residências em 2015, a geração de biomassa deverá ampliar sua presença na matriz elétrica e poderá se tornar uma receita adicional relevante para as usinas de açúcar e álcool, a partir de modelos de parceria de negócios que reduzam riscos. 
 
Em dezembro do ano passado, no Acordo sobre Mudança Climática de Paris, o governo brasileiro se comprometeu a elevar, até 2030, de 10% para 23% o uso de energias renováveis no fornecimento de energia elétrica, excetuando-se a hidroeletricidade proveniente de usinas hidrelétricas de grande porte. Segundo o balanço de energia de 2014, disponibilizado pela Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), a biomassa foi a fonte renovável que mais gerou energia, com 7,3% da oferta interna, à frente da eólica (2%) e da solar (0%), ficando atrás apenas da geração hídrica e das térmicas a gás natural. Além desse compromisso de incentivar as fontes alternativas, a matriz elétrica vive um momento de transição, que será benéfico para a biomassa, cuja geração está próxima ao consumo e ao centro de carga, o que diminui os custos com transmissão e as perdas no sistema.
 
Em 2005, as hidrelétricas respondiam por 77% do fornecimento de energia elétrica. Hoje representam 68% da capacidade instalada do sistema e, em 2024, a energia hidrelétrica responderá por 58%, segundo o Plano Decenal 2024, elaborado pela EPE. A maior parte das novas usinas hidrelétricas será feita sem grandes reservatórios. Com mais usinas a fio d’água, o sistema está mais dependente das chuvas. 
 
A capacidade de armazenamento das hidrelétricas caiu de 6,3 meses para 4,7 meses, em dez anos, e poderá cair mais até o fim da década. Entre 2013 e 2018, com a entrada das usinas do rio Madeira e Belo Monte em operação, a capacidade hídrica do sistema aumentará  em 20 mil MW, sendo que apenas 200 MW têm reservatórios. Isso fará com que a capacidade de armazenamento caia para 3,8 meses em 2018. 
 
A menor área de alagamento reduz os impactos ambientais, mas torna o sistema mais dependente de São Pedro. Nesse contexto, a matriz será mais diversificada e terá de atrair investimentos em projetos mais próximos ao centro de carga e de consumo, como a biomassa, cujo centro de produção está na região Sudeste, responsável por mais de 50% do consumo de energia elétrica. A bioeletricidade é complementar à geração hidráulica. Durante os períodos em que a chuva é mais escassa, entre maio e junho, é realizado o cultivo da safra de cana-de-açúcar.  
 
Há um outro trunfo: os resíduos também podem ser aproveitados, em vez de desperdiçados. Além do bagaço, a palha também pode ser aproveitada como energético. Uma tonelada de bagaço pode gerar mais de 300 kWh para a rede elétrica. Uma tonelada de palha pode gerar 500 kWh. Ano passado, o consumo médio residencial foi de 161,8 kWh.



Com apenas um hectare de cana, a bioeletricidade pode abastecer mais de cinco residências durante um ano. A fonte ainda tem outra vantagem ambiental em um momento em que fabricantes de equipamentos e petroleiras já trabalham com a eventualidade de surgimento, nos próximos anos, de um preço mundial sobre a emissão de carbono. Em 2015, segundo estimativas da Unica – União da Indústria de Cana-de-Açúcar,  a geração de energia renovável e limpa pela biomassa pode ter evitado a emissão de aproximadamente dez milhões de toneladas de CO2. 

 
Outros fatores criam um futuro promissor para a bioeletricidade. O mercado livre de energia, em que consumidores industriais e comerciais selecionam seu fornecedor em contratos de curto ou longo prazo, está em franca expansão, em virtude do amadurecimento do mercado e pela alta das tarifas no mercado cativo. Em 2011, havia cerca de mil consumidores livres. Ano passado, esse número saltou para 1.826 e deverá chegar a 3.221 até dezembro.

Enquanto, na metade da década de 2000, esse movimento era conduzido por grandes empresas, como mineradoras e siderúrgicas, hoje, é liderado por consumidores especiais com 
menor carga, como redes de supermercados, universidades e hospitais, interessados em reduzir seus custos. A expansão do mercado livre está sendo orientada por consumidores especiais (cuja demanda contratada seja maior ou igual a 500 kW, individualmente ou por soma de carga), que podem contratar energia de fontes renováveis ou convencionais, como grandes usinas hidrelétricas ou termelétricas acima de 50 MW. 
 
A retomada do crescimento do mercado livre abre uma grande oportunidade para a venda da energia elétrica excedente das usinas de açúcar e álcool para as comercializadoras de energia e para os consumidores livres, firmando contratos de médio e de longo prazo que trazem receita adicional e previsibilidade ao fluxo de caixa de seus negócios. Essa oportunidade cria a necessidade de viabilização de parcerias.

Hoje, de acordo com dados da Unica, apenas metade das 355 usinas espalhadas pelo País exportam energia para a rede. Para mudar esses números, seria preciso que as usinas investissem na aquisição de novas e eficientes caldeiras, o chamado retrofit, o que permitiria gerar energia excedente. A expansão do mercado livre e dos clientes especiais abre uma oportunidade para a comercialização desse excedente, cujos contratos de compra e venda podem ser usados como garantia para obtenção de financiamentos que viabilizariam a própria modernização das usinas de açúcar e álcool. 

 
É certo que o setor sucroalcooleiro vive um momento delicado financeiramente, reflexo do alto endividamento e da política de controle dos preços dos combustíveis que perdurou entre 2009 e 2014, o que reduziu a geração de caixa dos usineiros. Nos últimos anos, mais de 50 usinas fecharam as portas. Esse contexto pode ser superado com parcerias com investidores confiáveis e que conheçam o mercado de energia elétrica. Existe a possibilidade de que essa expansão seja feita em associação com investidores, que fazem o aporte de recursos na aquisição dos equipamentos e ficam, como contrapartida, com parte da energia a ser gerada.

O investimento em retrofit não apenas aumenta a produção de eletricidade como também amplia a eficiência operacional das usinas, contribuindo para elevar a produção de açúcar e de álcool. Esse conjunto de fatores estruturais e conjunturais aponta, assim, para um futuro promissor para que a bioeletricidade contribua para tornar a matriz elétrica nacional ainda mais limpa. O Brasil, por sua biodiversidade e por ser uma das 10 maiores economias do mundo, vem liderando os fóruns internacionais de discussão em direção da economia de baixo carbono e do combate às mudanças do clima.

Cada vez mais, produzir bens e serviços de forma limpa e sustentável será um diferencial competitivo e reputacional para quem deseja participar do comércio global. E as usinas de açúcar e álcool, por meio da bioeletricidade, podem ser importantes parceiras das empresas brasileiras nessa nova corrida do mercado internacional no século XXI.