Coautora: Mariana Zechin De Lucca, Analista de Mercado da Unica
As constantes alterações nos mercados e a necessidade de mudanças na atuação das empresas é uma rotina conhecida no mundo dos negócios, mas a velocidade com que essas alterações têm ocorrido aumentou significativamente nos últimos anos. O mundo passou por transformações importantes com a globalização e, mais recentemente, com a nova era digital. Inúmeros são os exemplos de companhias, referências em seus segmentos, que simplesmente deixaram de existir por não se adaptarem a essas mudanças.
Nesse ambiente, a capacidade de aprendizagem, a velocidade de adaptação e a habilidade para se antecipar às mudanças são características fundamentais para o sucesso e decisivas à sobrevivência, qualquer que seja o segmento de atuação da organização. No caso do agronegócio, caracterizado pela oferta de produtos homogêneos em um ambiente pulverizado e altamente competitivo, as empresas precisam se concentrar principalmente nas inovações relacionadas à maior eficiência técnica e à redução nos custos de produção.
Para o setor sucroenergético brasileiro, esse processo é especialmente desafiador. Afinal, como ampliar a eficiência ou mesmo fomentar o uso adequado das tecnologias já disponíveis diante da preocupante limitação de recursos para investimentos?
As políticas erráticas no mercado de combustíveis no Brasil acentuaram enormemente as dificuldades financeiras enfrentadas pelo setor desde a crise mundial em 2008. A esse cenário, somam-se as modificações no sistema produtivo da cana-de-açúcar advindas do crescimento acelerado da mecanização da colheita e do cultivo em novas áreas, além das práticas recorrentes de protecionismo no mercado internacional de açúcar.
Essa condição, a despeito da presença de usinas que ainda apresentam boa saúde econômico-financeira, promoveu uma sensível redução na produtividade da agroindústria canavieira ao longo da última década. Obviamente, inexiste uma receita única para reverter esse quadro.
Serão necessários criatividade, conhecimento e empenho das empresas para aprimorar a gestão dos recursos disponíveis e incorporar novas tecnologias produtivas. Especificamente no segmento agrícola, essa recuperação passa pelo uso de variedades mais adaptadas às condições locais, pelo emprego de maquinário com maior rendimento e de ferramentas de agricultura de precisão com eletrônica embarcada, dentre outros fatores. Observa-se, ainda, o surgimento de novas tecnologias de plantio, como o uso de mudas pré-brotadas e a sinalização de possível ruptura tecnológica diante do desenvolvimento da semente artificial de cana-de-açúcar.
A cana-de-açúcar transgênica resistente a insetos também deverá ser uma realidade comercial nos próximos anos. Igualmente, variedades com maior tolerância à seca, maior produção de açúcares e maior eficiência fotossintética poderão surgir no futuro próximo.
A geração de bioeletricidade e a adoção de sistemas para o aproveitamento da palha, a criação de usos alternativos para a vinhaça e a produção de biogás e de biometano também devem ser elementos essenciais às usinas que buscam aprimorar seus processos produtivos. O esforço para ampliar a eficiência econômica diante das opções tecnológicas em desenvolvimento e de outras que devem surgir nos próximos anos é um atributo essencial para a remodelagem do setor sucroenergético brasileiro.
Outra vertente ainda pouco explorada pela agroindústria canavieira no País refere-se à eficiência ambiental relacionada à produção de energia renovável com baixo nível de emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE). Assim como a globalização e a revolução digital, o combate ao aquecimento global tem norteado importantes transformações, tanto nos perfis de consumo quanto no desenho de políticas públicas.
Seja pela crescente pressão ambiental e social ou por interesses comerciais e geoestratégicos, o direcionamento da matriz energética para o emprego de fontes limpas e sustentáveis é um processo irreversível. Com repercussões evidentes sobre o ambiente de negócios, esse se tornou um tema estratégico para todas as empresas. Novas exigências, como também oportunidades, devem surgir com a economia de baixo carbono.
Felizmente, para o setor sucroenergético, o primeiro movimento nesse sentido foi iniciado com a aprovação da Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio. O programa, após a sua adequada implementação, deve estabelecer um engenhoso mecanismo de valorização do potencial de descarbonização dos biocombustíveis, que corresponde às emissões de GEE evitadas pela substituição do derivado fóssil pelo combustível renovável.
Aos produtores que participarem da iniciativa, será concedida a oportunidade de emissão de um título de descarbonização, conhecido como CBio (Crédito de Descarbonização por Biocombustível). O referido título se assemelha a um ativo financeiro, negociado em bolsa, outorgado ao agente produtor em quantidade proporcional ao volume de renovável por ele comercializado.
Especificamente, o número de CBios emitidos por volume de biocombustível vendido dependerá da nota de eficiência energético-ambiental do produtor. Assim, usinas e destilarias mais eficientes sob o ponto de vista ambiental poderão emitir uma maior quantidade de CBios por volume de etanol comercializado. Quanto maior a capacidade de descarbonização do renovável fabricado, maior o número de títulos emitidos.
Esses títulos, por sua vez, serão adquiridos pelas distribuidoras de combustíveis, parte obrigada do programa. A cada ano, essas empresas terão de adquirir um montante progressivamente maior de CBio, com vistas à consecução de metas de redução de intensidade de carbono da matriz nacional de transporte. A beleza do modelo é que ele valoriza ganhos de eficiência ambiental do lado do produtor, induzindo investimentos em novas práticas e o emprego de tecnologias ou infraestrutura redutoras de emissões.
Nessa condição, as empresas deverão passar a avaliar seus projetos, considerando tanto os tradicionais ganhos econômicos, relacionados à redução de custos por unidade produzida, quanto os ambientais, decorrentes da emissão reduzida de GEE. Essa lógica se alinha à revolução que vem sendo desenhada mundialmente no setor de energia, na busca pelo uso consciente pelo emprego de tecnologias energeticamente menos intensivas e por fontes com menor emissão.
Para se ter uma ideia da magnitude dessa transformação, os esforços atuais nos diferentes segmentos compreendem desde aprimoramento e barateamento de painéis solares fotovoltaicos até avaliações impensáveis há poucos anos, como a possibilidade de exploração de hélio 3 na superfície lunar.
Trata-se de um movimento que pode trazer oportunidades importantes ao setor sucroenergético, desde que seja superado o desafio de ampliar o desempenho econômico e ambiental dessa indústria na produção de etanol, de bioeletricidade, de biogás e de novos produtos. Mais ainda, o futuro dessa indústria no campo energético passa pela consolidação da cana-de-açúcar como uma máquina eficiente de conversão de energia solar.
Esse processo depende de esforços institucionais para garantir um ambiente regulatório adequado, além de ações de comunicação a partir de uma linguagem apropriada e de argumentos tecnicamente fundamentados. Depende, enfim, especialmente de um trabalho árduo e consistente dos produtores para ampliar a eficiência produtiva da cadeia sucroenergética nas suas diferentes vertentes.