Diretor de Investimentos da APEX
Op-AA-04
Os ciclos da evolução da humanidade estão ligados ao conhecimento e ao uso dos potenciais energéticos. No século XVIII, a transformação de energia de biomassa em energia a vapor, constituiu a primeira revolução na área de transportes, com a máquina acionada por vapor constituindo um novo ciclo industrial, liberando forças produtivas que vieram sucessivamente a se instalar nos processos industriais.
A transformação da biomassa rapidamente foi substituída pelo uso de combustíveis fósseis na geração de energia, que deram aos séculos XIX e XX suas características predominantes na mobilidade social. Navios, automóveis e aviões desenvolveram-se partindo desta combustão. Os potenciais hídricos, na geração de energia elétrica nos países desenvolvidos, foram quase que totalmente utilizados, sendo que a demanda adicional deu-se também pela combustão de combustíveis fósseis.
O gerenciamento de temperaturas ambientais tornou-se um bem da civilização que, no hemisfério norte, representa a calefação, gerada inicialmente por combustão de biomassa, tendo rapidamente se transformado também em combustão de elementos fósseis. O petróleo e o gás tornaram-se fatores de estratégia relevante para países e regiões.
A concentração da produção deste potencial energético encontra-se em áreas de economia vulnerável, sistemas políticos frágeis e regiões em conflito. A humanidade começa a ter consciência de que a transformação de energia fóssil não tem apenas seus limites nas reservas findáveis, mas, principalmente, pela liberação contínua do carbono represado na atmosfera, causando mudanças climáticas perceptíveis.
A instabilidade dos preços do barril de petróleo e do aumento sucessivo do índice de emissões de gases do efeito estufa mobiliza a área política, científica e empresarial na busca de alternativas renováveis, a preços competitivos. A evolução dessas alternativas, desde a energia eólica, solar, entre outras, trouxeram avanços representativos, porém, a custos ainda elevados.
A maior experiência mundial no uso de biocombustíveis automotivos é a do Brasil, que hoje, em função da escala alcançada, obtém custos abaixo dos do petróleo. No ano de 2000, a produção mundial de álcool apresentava um volume de 28 bilhões de litros, com a participação do Brasil com 13 bilhões de litros. Já em 2003, a produção mundial somava 38 bilhões de litros de álcool, com o Brasil produzindo por volta de 15 bilhões de litros e as Américas 27 bilhões de litros, o que representa mais de dois terços do volume mundial.
Estes valores concentrados no Brasil e nos Estados Unidos demonstram que a escala de produção tornou-se um item de relevância estratégica, porque não envolve somente o ciclo agrícola, mas todo o ciclo e, principalmente, a capacitação da gestão logística, que envolve fortes investimentos de capital, em infra-estrutura e alta capilaridade na distribuição.
A persistência do Brasil em manter seu programa de álcool na combustão automotiva por mais de três décadas levou a indústria automotiva no Brasil a investir em pesquisa e desenvolvimento resultando em inovações do tipo flex-fuel. A revolução no conceito flex-fuel não se encontra tão somente na questão do consumidor optar por qualquer proporção de combustível fóssil ou biológico, mas, principalmente, por seus efeitos mercadológicos.
Enquanto a adição de proporções de até 25% de etanol na gasolina no Brasil força a instituição reguladora a arbitrar o preço relativo do álcool versus o preço da gasolina, o que sempre representa um desvirtuamento do mercado, o flex-fuel impõe regras reais de mercado, de oferta e procura. O consumidor, em sua opção de compra de gasolina ou álcool, apresenta ao mercado uma real opção de preços.
Se por qualquer razão o preço do álcool subir em relação à gasolina, o consumidor imediatamente poderá reagir dando ao mercado o sinal da outra opção, levando a uma oferta maior de álcool, o que reduzirá, conseqüentemente, o preço. Este componente, levada em termos mundiais, significa que o consumidor será beneficiado globalmente se obtiver a opção por seu combustível de preferência. Este ciclo, pensado em escala maior, resultará em maiores investimentos na área agrícola, especialmente, no hemisfério sul do globo, no qual se encontram melhores condições de geração da biomassa, oferecendo desenvolvimento, diversificação de fontes energéticas e melhoria das condições climáticas globais.
A parceria que o Brasil propõe a outros países é, no hemisfério sul, a de introduzir o ciclo virtuoso da bioenergia, partindo do plantio, até a opção do consumidor final. Ao hemisfério norte, as opções poderiam ser através de um blending do etanol produzido no hemisfério sul com o etanol produzido pelos países desenvolvidos, reduzindo substancialmente o custo, sem prejudicar a agricultura local.
A evolução da história do etanol deverá se repetir com a do biodiesel, que ainda se encontra em um ciclo inicial de produção em escala mundial. O desafio que se encontra nesta perspectiva global é a de superar as compreensíveis barreiras do ceticismo, a partir do entendimento de que a sustentabilidade desta alternativa pode ser duradoura.
Toda revolução tecnológica e de inovações começou através de dois momentos. O primeiro gerado pela grande necessidade e o segundo pela grande oportunidade. Acreditamos que estamos próximos destas duas vertentes serem percebidas, não só pelos governos, mas, principalmente pelos agentes econômicos e pelos consumidores que, ao final, se beneficiar-se-ão de uma opção, social e economicamente inteligente.