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Antonio Petzold

Consultor de negócios estratégicos para a Archer Consulting

Op-AA-39

O que nunca muda e o que (não) é fácil mudar

Questionado enfaticamente sobre a logística da cadeia sucroalcooleira no Brasil, me deparei com a seguinte pergunta: “se Deus nos ajudar, o que vamos fazer?” Bem, este ano de 2014, para ajudar ainda mais a já problemática situação logística, começou com uma seca sem precedentes na maior região produtora de cana do País, que se tornou pauta constante na imprensa, em reuniões e no cafezinho de toda a empresa, além de uma preocupação gigantesca para o setor.

Isso porque uma “pré-ocupação” é sempre pré, uma possível previsão do que poderemos nos ocupar no tempo certo. E esse tempo poderá ser sentido em duas, três ou mais safras seguintes a esta. Evidentemente, especialistas analisam as consequências da estiagem na cana já existente e, mesmo assim, ainda não há um veredito sobre se haverá quebra de produção em toneladas ou um índice de sacarose maior.

Enquanto decidem isso hoje, meus olhos anteveem outras preocupações: e a cana que se foi plantando até o momento, sem chuva e sem irrigação? E os plantios que estão sendo suspensos em algumas regiões, em razão dessa seca? E as notícias de incêndios, devido ao clima seco e quente, que queimaram a brotação de novas plantas de cana? Com o calor, não haverá plantio. Sem novos plantios, o que será nos próximos anos? Mesmo que haja novas plantações, com a seca, qual será o rendimento do corte de cana em toneladas/hectares nas próximas safras? 

Precisamos de chuvas no tempo certo, se Deus nos ajudar, porque o estrago climático não afetará somente esta safra, mas as safras seguintes. Isso é certo. Justamente em um momento em que a demanda por cana cresce, graças ao crescimento orgânico do consumo interno, dos números de exportação e da demanda interna por etanol (para mistura na gasolina e para atender à crescente frota de flex). Mas isso é uma história à parte. 

Tenho, constantemente, uma visão otimista das situações, mesmo há tantos anos, acompanhando os mesmos problemas logísticos do Brasil. Mas o fato é que, se, em 2013, já sofremos com o apagão logístico, em 2014, não vejo nenhum indicador de melhorias. Ao contrário, as chances são de maiores problemas logísticos, sobretudo para o setor sucroenergético. Mesmo com parcas iniciativas públicas no ano passado, como a aprovação da MP dos Portos e outras medidas, que poderiam refletir atualmente na infraestrutura, nada mudou. É um pouco do mesmo, de sempre. 

E esse é o ponto. As questões operacionais, aquelas que fazem parte da rotina diária, são as que causam grandes empecilhos para a logística brasileira no agronegócio como um todo e, em particular, para o setor sucroalcooleiro. Há ainda pendências simples na legislação e nas regras. No transporte rodoviário, por exemplo, a Lei do Descanso para motoristas de caminhões, embora esteja definida em relação à jornada do caminhoneiro, suscita dúvidas em sua efetivação. 

Segundo essa norma, o motorista tem direito ao descanso de 11 horas por dia e deve repousar 30 minutos a cada 4 horas de direção ininterruptas. Isso está claro. Fica a dúvida, no entanto, em relação a essa nova regra: onde esse motorista irá descansar, afinal, não existem pátios de repouso e/ou descanso ao longo dos trajetos? Sem mencionar aqui outras consequências geradas, por essa determinação, ao motorista, às empresas de transporte, aos produtores que dependem de prazo... 

Nessa mesma toada, no ano passado, também mudaram as regras para cobrança de pedágio para caminhões, que passou a ser cobrado por eixo, independentemente de estarem suspensos ou baixados. Antes, após o caminhão descarregar, levantavam-se alguns eixos, e a cobrança do pedágio era somente sobre os eixos apoiados. Agora, isso mudou, e são cobrados todos os eixos, independentemente de estarem apoiados ou levantados. Uma forma de aumentar o pedágio sem alterar a tarifa. 

Entretanto o pior problema é a recepção desses veículos nos pátios reguladores no porto da baixada santista. Falta planejamento, programação e controle adequados. A autoridade portuária de Santos informou que, por meio de um sistema de monitoramento, os veículos só poderão acessar a área portuária se estiverem cadastrados e com autorização emitida pelo sistema, sob pena de multas, que vão de R$ 1.000,00 a R$ 20.000,00 por veículo, conforme prevê a resolução da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). 

A estadia de veículos é um dos maiores custos de ineficiência no sistema rodoviário, pois, enquanto o veículo fica aguardando a liberação, que muitas vezes leva dias, outro veículo precisa fazer o serviço daquele que está parado. O setor de transportes tem investido cada vez mais em veículos com maior capacidade de carga por viagem. Dos antigos semirreboques de dois ou três eixos (tradicionais carretas), evoluímos para os bitrens, com sistemas de articulação dupla, e, hoje, cada vez mais presentes, estão os rodotrens (equivalentes a dois semirreboques em um único conjunto). 

No entanto, se esses novos sistemas permitem uma maior utilização de carga por viagem, também exigem instalações especiais, tanto para carga como para descarga. Veículos multiarticulados não andam de ré, exigem sistemas de pesagem e plataformas elevatórias de descarga com maiores dimensões e capacidade de pesagem. 

Alguns terminais de exportação se recusam a descarregar esse tipo de equipamento, por falta de investimento nas suas instalações. Esses e outros fatores só encarecem o frete rodoviário, que poderia ter um preço até 20% menor se fosse mais eficiente e eficaz nessas operações estruturais. Não falaremos aqui sobre os preços dos combustíveis. Como este é um ano de eleição, certamente não teremos reajustes antes das urnas decidirem por mais quatro anos. 

Quando analisamos, de perto, o sistema ferroviário como uma solução, entendemos que pouca solução pode trazer ao setor, ao menos em um curto prazo. O sistema é operado apenas por uma única empresa, e a postura é de um operador que opera num monopólio em algumas rotas e como um monopsônio no contexto geral. Ou seja, os sistemas ferroviários estatal e federal, que eram públicos e ruins, passaram para a iniciativa privada, mas mantiveram os mesmos vícios da era pública. Falta livre concorrência e novos operadores para fazer desse segmento uma solução modal, de fato, para o setor sucroalcooleiro. 

O frete ferroviário deveria ser muito menor do que o frete rodoviário, mas a política de preços ferroviários praticados é calculada no limite do frete rodoviário. A falta de cumprimento de contratos formalizados, o abandono de atendimento aos clientes, além da falta de eficiência e de eficácia na gestão dos ativos tornaram seu uso inseguro. Nesse caso, só temos as famosas opções: I’m sorry  ou I’m so sorry! 

Um sistema de transporte que vem atuando adequadamente é o fluvial, principalmente a rota São Simão-Pederneiras, transportando grãos e açúcar. Entretanto, neste momento, a escassez de chuvas, e a consequente diminuição dos leitos do rio, obriga operadores a carregarem somente quatro mil toneladas por comboio ao invés do seu máximo de seis mil toneladas, por não ter calado suficiente para navegação dos barcos. O transporte fluvial seria uma saída mais eficiente, com menores custos, mas cresce timidamente ainda, em grande parte por falta de investimentos. Todo esse imbróglio logístico acaba afetando também o transporte marítimo e seus armadores. 

Segundo o Centro Nacional de Navegação (Centronave), nos primeiros nove meses de 2013, foram perdidas mais de 67 mil horas em atrasos na atracação e desatracação de navios. O porto de Santos é recordista nesses atrasos. Além disso, nossos portos são afetados por vários outros problemas. Um deles é o aumento do tamanho dos navios na frota mundial. A mesmo lógica usada para o transporte rodoviário com caminhões, que crescem para aumentar a capacidade de carga por viagem, também acontece com navios no mundo todo. 

Para se ter uma ideia, no ano passado, apenas 5% da frota mundial de navios com mais de 300 metros de extensão atracou no País; a partir deste ano, essa fatia de navios maiores deverá chegar a 25%. Os portos, sobretudo o de Santos, possuem grande restrição estrutural para receber navios de grande porte. O cais é pequeno e com dificuldade para atracação de navios com mais de 300 metros; assim como a largura do canal ainda é restritiva para realizar a manobra na bacia de evolução. Ainda existe outra restrição no porto: navios com mais de 330 metros não podem fazer manobras noturnas, atrasando ainda mais as operações marítimas e influenciando diretamente nos preços do frete. 

Com todo esse cenário logístico, se Deus nos ajudar, devemos fazer apenas alguns ajustes (que já deveriam ter sido executados há tempos): aprimorar o planejamento, a programação e o controle dos veículos que entram nos terminais de exportação – usando o exemplo de uma operação do sistema de controle de voo; criar mais operadores ferroviários, com regras e cobranças mais rígidas por parte da agência reguladora; criar mais portos/atracadores fluviais; investir fortemente na multimodalidade de transportes; terminais de exportação deveriam se preparar e se adequar para descarga de veículos rodoviários cada vez maiores e com maior capacidade de carga; investir em terminais de exportação com berços, calados e bacia de evolução maiores para receber navios mais modernos e de grande porte; diversificar os locais de embarque para exportação tanto no Sul-Sudeste como desenvolver a região Norte do País – em particular Pará e Maranhão, que estão com suas infraestruturas mais bem preparadas – menos congestionada. E só Deus para nos ajudar!