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Antonio Vicente Golfeto

Diretor Técnico do Instituto de Economia da ACI-RP

Op-AA-34

Que tal começarmos com um pacto?

A economia brasileira, gradativamente, está passando do regime considerado como capitalismo de Estado para o regime considerado como capitalismo de mercado. Mas essa passagem não está ocorrendo de maneira uniforme, homogênea, em todos os setores.

Alguns já estão vivendo o pleno capitalismo de mercado, sem interferência estatal e, também, sem necessidade – para viver – de qualquer apoio do setor público. Outros setores, entretanto, estão atrasados nesse processo de transição.

Tudo indica que demorará ainda muito tempo para eles atingirem a plena emancipação do Estado. O setor sucroalcooleiro, por exemplo, é um deles, a começar pela parte agrícola. Falo do setor canavieiro, mas não excluo a parte industrial.

No capitalismo de Estado, as repartições públicas têm mais importância do que as empresas privadas. No capitalismo de mercado, ocorre o contrário, isto é, as empresas privadas têm mais importância – e ocupam maior espaço – do que as repartições públicas.

É exatamente por causa dessa realidade – de dependência da boa vontade e dos favores estatais – que as lideranças do setor, tanto as mais experientes quanto as mais jovens, precisam ver a realidade sob o ângulo de quem necessita de pedir, de requerer, de solicitar.

Como todo requerimento, ele pode ser deferido ou indeferido. Essa situação de dependência exige o cultivo constante da humildade. “Humildade” é palavra, na língua portuguesa, que vem de humus, do latim. E “húmus” – já transplantado para o português – é a fertilidade da terra, também sinônimo de terra dadivosa.

Humildade, portanto, é fator de mais produção e, por conseguinte, de melhor produtividade. Inclusive e, principalmente, em termos econômicos. Esse deve ser o estado de alma para que o setor sucroalcooleiro venha, aos poucos – apoiado no Estado –, ganhar maioridade econômica para poder ser transferido do âmbito do capitalismo de Estado para o âmbito do capitalismo de mercado.

Enquanto o setor sucroalcooleiro for parte do capitalismo de Estado – isto é, dele depender –, suas lideranças devem saber que é preciso buscar o desenvolvimento econômico, tendo apoio governamental para expansão.

É muito diferente do capitalismo de mercado, aquele em que o Estado deve ser apenas e tão somente um redutor de incertezas. Nesse âmbito, as empresas não dependem nada – ou dependem muito pouco –do Estado. Mercado é o local onde neurônios são transformados em dinheiro.

Não são poucas as solicitações que o setor sucroalcooleiro deve fazer ao setor estatal a fim de buscar acelerar a passagem para o capitalismo de mercado. Essa realidade significa andar com as próprias pernas. Uma delas – talvez a primeira, mas nem por isso a mais importante –  é incluir o etanol na matriz energética nacional, objetivo que, até hoje, situa-se apenas no âmbito das pretensões.

Outra é obter mais financiamentos a fim de que os índices de produtividade –  sobretudo na agricultura –  sejam melhores e deem mais poder de competição ao açúcar e, sobretudo, ao etanol, tanto o anidro quanto o hidratado.

É tradição e público – todos sabem – contarmos com um setor marcadamente dividido. E põe divisão nisso. Ao longo dos tempos, ele tem demonstrado que sabe produzir. Afinal, são mais de trezentos anos que se produz açúcar de cana no Brasil. Mas é tradição, também, identificarmos a existência de uma divisão dentro do próprio setor.

O que rapidamente nos leva para o conselho dado por Jesus Cristo, quando diz: “todo reino dividido contra si mesmo será destruído”. A divisão nasce como oposto da humildade. Quanto mais ego, menos humildade.

Nós aprendemos que uma empresa é tanto maior quanto menor for a soma dos egos dos seus componentes, sejam donos, sejam empregados. Mas não é só para as empresas que esse postulado vale. Ele se aplica também – como uma luva – para outras áreas do conhecimento humano. Para o setor sucroalcooleiro, também. E, não raro, até mais.

O que se nota é que o setor está ficando cada vez menor, exatamente porque o ego dos seus componentes está ficando cada vez maior. Para as pessoas físicas, essa realidade também se aplica.

Só que a expressão verbal ocorre de outra maneira. O interesse, que se expressa pelo bolso, tem que ser maior do que a vaidade que mora – como deformação – na alma. Vemos, assim, que, no singular – na pessoa física – ou no plural – na pessoa jurídica –, o ego é sempre nosso maior inimigo. O antídoto para ele é o cultivo da humildade. Que tal começarmos a cultivar pelo menos a modéstia?

Que tal também o setor fazer um pacto? “Pacto” é o particípio passado do verbo latino pacere. Pacere quer dizer “fazer a paz”. Portanto pacto é paz feita. Já nem digo acordo, porque acordo tem a interferência do coração. Vamos ficar com pacto apenas. É mais simples.

Primeiro, é preciso pacificar o setor, que vive em estado de guerra contra si mesmo. Depois – se possível –, operacionalizar a ideia, que não pode ser vocalizada por um chefe. Deve sê-lo por um líder. Bom lembrar que chefe é uma pessoa que precisa dos outros. Já líder é uma pessoa de quem os outros precisam.

Nos dois casos – chefe e líder –, estimula-se a inveja. Que é o mau hálito da alma. Mas é preciso combatê-la. No caso, o melhor remédio é cultivar o interesse. O interesse de ganhar dinheiro deve ser maior do que a inveja provocada pelo aparente sucesso de alguém. O contrário é, como diz Eça de Queiroz, “estupidez córnea ou má-fé cínica”.

Com muito escrúpulo, sugerimos ao setor como um todo – claro que precisamos considerar algumas poucas exceções – que aprenda com exemplos de pessoas bem-sucedidas.

Se não for possível, que aprenda com coisas. Por exemplo: as peças de um avião, sozinhas, não voam. Mas, quando interagem, fazem o avião decolar. E atinge seus objetivos. A verdade é que, agindo cada um por si – e não como uma máquina dirigida, uma orquestra –, o sucesso pode vir individualmente.

Mas, individualmente, só se consegue crescimento. Prosperidade – nome amplo do desenvolvimento econômico – só pode vir coletivamente. E o coletivo pressupõe trabalho em conjunto, em equipe. Que se torna impossível com o domínio do individualismo, nome que se dá ao egoísmo nas doutrinas econômicas. O egoísmo é mais estudado no âmbito das religiões, sobretudo na teologia.

O mercado aceita quase tudo: corrupção, crueldade, injustiça, analfabetismo. Em muitos casos, o mercado aceita até delitos. Afinal, foi Honoré de Balzac quem disse que “atrás de toda grande fortuna existe sempre, pelo menos, um crime”. Mas o mercado rejeita estupidez mental, sinônimo de pouco neurônio.

E, com pouco neurônio, o setor corre um sério risco – e faz o País correr também – de, pela ação do presente, construir, para o setor, as bases de um futuro menor do que foi o passado. E aí, o estigma ficará para uma, duas ou até três gerações. Todas dos dias de hoje.

É preciso ter em conta que o etanol pode mudar a geopolítica do mundo.  Não só ele. O gás natural busca ocupar esse espaço também. Mas energia limpa deve ter primazia sobre as não limpas porque é mais conforme o momentoque vivemos e, também, como desejamos que venha a ser o futuro. Para tanto, os membros da orquestra não podem ser muito menores – somados – do que a partitura que deve ser executada.