Coautor: Professor Fernando Galembeck, Consultor da GG & FG Consultores.
A utilização de biomassa para a produção de biocombustíveis e energia renovável é uma alternativa consistente e comprovada para contribuir para a redução de gases de efeito estufa (GEE) no planeta. Nesse contexto, cabe destacar a grande multiplicidade de soluções tecnológicas que convergem para a sustentabilidade do setor sucroenergético, numa visão integrada com os aspectos mais relevantes do negócio, mercado, produtos, tecnologia, processo e pessoas.
A área industrial, numa visão de longo prazo, deve assegurar a competitividade em custos e a sustentabilidade ambiental, hídrica e energética, dos processos. O agronegócio brasileiro é diferenciado, tanto pelas dimensões e escala de produção, quanto pela produtividade. Por isso o Brasil deve buscar soluções avançadas, muitas vezes únicas e corajosas, introduzindo novas tecnologias no agronegócio, após análises críticas e cuidadosas.
É importante identificar as oportunidades criadas pelas singularidades nacionais, as boas "jabuticabas", como a mecanização agrícola da cana-de-açúcar. Além da redução dos GEE pela eliminação da prática de queimadas, a mecanização elevou o patamar dessa agroindústria, em sinergia com novas tecnologias de inteligência artificial, tanto da área agrícola quanto da industrial.
Vivemos uma intensa migração da curva “S” da cana manual para a curva “S” da mecanização, consolidando demandas tecnológicas da área industrial, como sistemas de limpeza de cana, materiais e tratamentos que reduzem o desgaste dos equipamentos, desenvolvimento de biocatalisadores e novos sistemas de gestão da produção e da manutenção, de forma mais integrada.
A previsibilidade da qualidade da cana e seus impactos na indústria, em tempo real, determinarão reduções de custos de produção e de manutenção, melhorando o desempenho industrial. A demanda por profissionais de maior qualificação e a busca por processos mais integrados e eficientes continuarão sendo concentrações das equipes industriais.
Estamos assistindo, nos últimos anos, a transformações profundas no ecossistema produtivo da cana, e a introdução paulatina de novas tecnologias obriga o setor a mergulhar na transformação digital, explorando seus limites. A evolução da qualidade e das características da cana impostas pela tecnologia no campo e sua variabilidade intrínseca colocam, para a área industrial, desafios relevantes.
Além do teor de açúcar, as impurezas minerais e vegetais impactam a extração de caldo, a fermentação, a produção de açúcar e a cogeração. A alta variabilidade da qualidade da biomassa com a mecanização do canavial torna a transformação digital inevitável nesse setor, pois permitirá o uso crescente de sistemas inteligentes que se comunicam entre si e que evoluem durante a própria operação, demonstrando capacidade de adaptação, ao contrário das tecnologias tradicionais, menos adaptativas.
Isso já acontece nas usinas, e o ecossistema sucroenergético deve estimular iniciativas para criar, absorver e consolidar essas tecnologias, mitigando riscos e reduzindo custos. Juntamente com os biocatalisadores, a inteligência artificial será o grande eixo do aumento da eficiência na produção, na próxima década. Desde os sensores virtuais até a gestão em tempo real, os benefícios potenciais são significativos.
O acompanhamento ativo e dinâmico das principais variáveis de processo, em tempo real, e a possibilidade de integração dos sistemas permitirão a maior estabilidade dos processos, a redução de custos industriais e uma maior rapidez na resolução de problemas. Além disso, a integração com a área agrícola e a modernização dos laboratórios devem aumentar a capacidade de antecipar os efeitos da variabilidade da matéria-prima, atuando no processo industrial, em tempo real.
O monitoramento contínuo da cana e a capacidade de antecipar os impactos de suas mudanças sobre os processos e os produtos serão um diferencial importante para o setor. Já no caso da fermentação, além da otimização de processos, novos algoritmos ajudarão no desenvolvimento de biocatalisadores inteligentes, isto é, adequados aos desafios impostos pela fermentação de alto desempenho em sistemas complexos, na presença de inibidores, além da busca por maior eficiência fermentativa em teores alcoólicos mais elevados.
Produtividade e seletividade do biocatalisador serão características determinantes da rentabilidade, seguida, num segundo momento, pela demanda por produtos de maior valor agregado, explorando, assim, o limite do conceito da biorrefinaria. Mas é, talvez, da manutenção industrial, que virão os ganhos mais significativos a partir do uso de inteligência artificial baseada em técnicas de machine learning para detecção antecipada de falhas e anomalias.
Com os avanços na manutenção preditiva, buscamos uma redução do número de paradas não programadas, entressafras mais curtas e uma evolução da vida útil dos ativos com a redução dos custos de manutenção. Cruzando informações de bases de dados existentes com sensores avançados, inclusive sensores virtuais, consolidaremos os ganhos de confiabilidade de equipamentos que são necessários para uma maior estabilidade operacional da operação industrial.
A transformação digital que vivemos hoje, paradoxalmente estimulada pela própria pandemia, contribui para a integração de tecnologias, sendo ela mesma integradora e integrada. Essa última década foi um momento de introdução de muitas tecnologias no setor. Na prática, o contexto econômico atual e os desafios impostos pela pandemia levam cada tecnologia a seguir lógica própria de implementação, gerindo seus riscos e capturas, embora sejam tecnologias convergentes nos resultados.
De fato, essas tecnologias competem por recursos e exigem gestão objetiva e pragmática. Além disso, elas se encontram, muitas vezes, em diferentes estágios de desenvolvimento e apresentam diferentes riscos tecnológicos na sua implementação, colocando desafios adicionais à sua integração.
Fica um alerta importante: sempre que houver assimetria entre os benefícios proporcionados por uma tecnologia e seus custos ou riscos, haverá maior resistência à sua introdução, e as transições para novas plataformas ocorrerão mais lentamente, ou elas serão simplesmente descontinuadas.
Ou seja, o processo de transformação só será sustentável se as novas tecnologias demonstrarem cada vez mais competitividade. Sucessos já alcançados pela inteligência artificial no controle de processos estimulam sua expansão a todas as áreas da usina, otimizando a operação em tempo real. Para tanto, é necessário explorar dados históricos, alimentando gestores e operadores com as informações necessárias.
A transformação digital é a própria transformação do setor sucroenergético em busca de competitividade, através da introdução de novas tecnologias. Depende do suporte de profissionais com habilidades específicas e perfil flexível para viabilizar a introdução de tecnologias complementares e convergentes e do acesso a tecnologias cada vez mais ágeis e eficientes.