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Glaucia Mendes Souza

Coordenadora da Divisão de Biomassa do Programa de Bioenergia da Fapesp - Bioen

Op-AA-17

Visão estratégica: a ciência da bioenergia

Uma sociedade baseada no uso de biocombustíveis deve desenvolver uma base sólida de pesquisa na área de bioenergia, que permita a expansão do conhecimento básico e aplicado. Energia e ambiente são os grandes desafios da humanidade em um cenário de aquecimento global, que colocou em xeque os modelos de desenvolvimento, baseados no uso de combustíveis fósseis.

O Brasil destaca-se como líder no setor bioenergético, pela capacidade demonstrada em converter, com alta eficiência, biomassa de cana em etanol. Para se manter nesta posição, necessitamos de uma política de investimento em ciência nas universidades e institutos de pesquisa, que apóie a inovação no setor. Nos últimos anos, temos visto bilhões serem investidos pelos países desenvolvidos na pesquisa de produção de etanol a partir da celulose, contida em resíduos da agricultura, como o sabugo do milho, a palha do arroz, a casca das árvores, entre outros.

A cana, além de celulose, tem 40% do seu peso seco em sacarose, um açúcar fermentável. Como maior produtor mundial de cana e como detentor de uma grande área agriculturável, o Brasil está, naturalmente, à frente. No entanto, precisamos compreender melhor a biologia e a bioquímica desta planta, para podermos melhorá-la ainda mais, utilizando ferramentas da biotecnologia.

No Brasil, já contamos com massa crítica em várias áreas de pesquisa em cana, e é notável a capacidade dos pesquisadores brasileiros em trabalhar em redes de cooperação, o que aumenta muito a visibilidade e o impacto internacional da ciência do país. Na área de genômica, o Projeto Sucest, iniciado em 1999, contou com a participação de mais de 200 cientistas, gerou um banco de 43 mil genes de cana e colocou o Brasil entre os líderes de biotecnologia de plantas no setor bioenergético.

O Brasil destaca-se, também, pela pesquisa no melhoramento tradicional da cana, que tem aumentado a produtividade de cultivares, elevando o teor de açúcar, biomassa e resistência a estresses, pragas e doenças. A pesquisa do melhoramento é feita, principalmente, nas universidades da rede Ridesa ou em institutos de pesquisa como o IAC e o CTC.

Para aproximarmos a genômica da biologia, melhoramento e processamento da cana, pesquisadores de SP, MG, AL, PE, RN, RS e DF uniram-se na rede de pesquisa do Programa de Bioenergia - BIOEN Fapesp. A rede é composta por mais de quarenta instituições, inclui grupos dos EUA, França, Reino Unido, Alemanha, Austrália e México e deve aumentar com a recente chamada pública de projetos.

Os cientistas desenvolvem ferramentas da genética para a identificação de genes e marcadores moleculares associados a características agronômicas de interesse e produção de plantas transgênicas resistentes a insetos-praga, doenças, tolerância à seca e com necessidades nutricionais adequadas às áreas de expansão da agricultura em pastagens.

Os cultivares brasileiros estão tendo sua bioquímica, fisiologia, redes regulatórias e de sinalização estudadas, para compreendermos os mecanismos do acúmulo de açúcar e construção da parede celular, identificarmos estratégias para interferirmos no balanço energético das plantas e na sua adaptação aos estresses. Iremos avaliar o transcriptoma, proteoma e metaboloma da cana, e iremos sequenciar seu genoma, um desafio imenso para a bioinformática, já que ele é gigante e composto por muitas cópias.

O Centro Avançado de Tecnologias Genômicas do IQ-USP abrigará o primeiro sequenciador 454 da América Latina, essencial para o projeto e que sequencia em 2 dias o que o Sucest sequenciou em 1 ano. Apesar da cana ser a principal biomassa energética do Brasil, estudos em outras plantas, como o eucalipto, estão sendo feitos, ampliando o leque de opções.

Projetos de bioprospecção de novos microrganismos que degradem a celulose, de enzimas e processos para a hidrólise da parede e transgênicos com o bagaço adequado para a produção de etanol celulósico e para a produção de energia por cogeração estão em desenvolvimento. Atualmente, 90% do bagaço é utilizado para a geração de energia elétrica, mas se pudesse ser aproveitado para a geração de etanol, a eficiência energética do processo aumentaria.

O Brasil necessita de um projeto integrado multidisciplinar, para uma abordagem sistêmica dos problemas. O desafio é estabelecer um modelo de pesquisa, com impacto efetivo no melhoramento e aproveitamento das plantas, para a produção de energia. É propósito do BIOEN treinar pessoal qualificado para atuar na área.

Neste ponto, é essencial uma contrapartida das universidades, com contratação de funcionários e infra-estrutura, para podermos atuar na pesquisa de ponta. Há que se confiar no gênio criativo dos cientistas brasileiros, que já demonstraram excelência em pesquisa, dando-lhes o apoio necessário para administrar este desafio e o estímulo para que as próximas gerações juntem-se a estes. É importante lembrar que, neste setor altamente competitivo, as universidades deverão ter políticas de propriedade intelectual e inovação, dedicadas à questão de Bioenergia, para que o esforço da pesquisa básica converta-se em inovação efetiva.