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Marcelino Guedes F. M. Gomes

Diretor de Terminais e Oleodutos da Transpetro

Op-AA-03

Álcool: da colonização à globalização

Proveniente da Nova Guiné, a cana-de-açúcar era usada como planta ornamental há mais de 8 mil anos. Porém, foram os árabes, na Idade Média, que desenvolveram a arte da refinação do açúcar, e, com as grandes navegações, esse produto foi difundido para todo o Novo Mundo. Em 1533, Martin Afonso de Souza trouxe as primeiras mudas de cana da Ilha da Madeira, instalando o primeiro engenho em São Vicente, expandindo-se logo após para o Nordeste brasileiro.

Inaugurava-se, assim, a base econômica da colonização portuguesa no Brasil. O açúcar foi, no Brasil, o responsável direto pelo início da colonização sistemática, além de fornecer os substratos básicos para a formação da sociedade brasileira. O latifúndio, a utilização da mão-de-obra escrava ou semi-servil, a cachaça como bebida popular, a miscigenação, o sincretismo religioso e a economia agroexportadora deixaram marcas na história do país, bem relatadas por Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala.

A história do Brasil confunde-se com a do açúcar Proálcool: Em 1973 inicia-se uma crise mundial do petróleo, com conseqüências marcantes em todo mundo. O Brasil importava na época cerca de 10 bilhões de dólares em petróleo. A balança comercial foi duramente afetada e cresceu o risco de desabastecimento interno, causando insegurança e exigindo a tomada de providências imediatas.
 
Em 1975 foi lançado o Proálcool, Programa Nacional do Álcool, primeira iniciativa mundial para produção de energia renovável em grande escala. Em seus quase 30 anos de existência, o Proálcool destacou-se não só por seus aspectos econômicos, contribuindo com bilhões de dólares, mas também pela: melhoria das condições do meio-ambiente; geração de empregos nos diversos segmentos de negócio do etanol carburante, especificamente no campo; inovações tecnológicas, tais como a criação e desenvolvimento do veículo a álcool e a capacidade de transformar resíduos em sub-produtos de alto valor agregado.

O Brasil transformou-se no maior produtor mundial de cana e de seus subprodutos. Atualmente, além dos 3,5 milhões de veículos que consomem álcool hidratado, cada litro de gasolina consumido pelos brasileiros possui 25% de álcool anidro. Esta foi a solução do problema da octanagem da gasolina, substituindo o chumbo tetraetila, altamente prejudicial à saúde humana.

O conhecimento adquirido nas últimas décadas conferiu ao país incontestável diferencial tecnológico que se reflete nos custos de produção, eliminando subsídios de qualquer natureza, tornando o setor mais maduro e com sua gestão profissionalizada, concretizando o álcool como o combustível renovável para os próximos 30 anos. Este mesmo desenvolvimento tecnológico aprimorou os processos industriais e refletiu-se também no aproveitamento dos subprodutos da cana, outrora inúteis.

Dentre esses se destaca o bagaço da cana, matéria prima limpa e renovável, utilizada para a geração de energia elétrica, parcialmente vendida às companhias de eletricidade, contribuindo para o suprimento de energia do país, além de gerar “Créditos de Carbono”, comprados do Brasil pelos países desenvolvidos, na forma prevista pelo Protocolo de Kioto. O vinhoto - substância rica em potássio, o grande vilão do passado, hoje volta às lavouras para a fertilização e irrigação.

Junto com universidades e centros de pesquisas, o setor sucroalcooleiro investiu em melhoramento genético da cana e combate biológico de pragas. Dois grandes exemplos deste sucesso: o Centro de Tecnologia Canavieira (Ex-Copersucar), que aplica cerca de US$ 25 milhões/ano em pesquisas e a Universidade ESALQ, vinculada à USP, ambos em Piracicaba-SP. Iniciativas como estas nunca poderão ser abandonadas.

Flex-Fuel: No início, vivemos a adaptação dos motores. Depois, o primeiro carro a álcool que ninguém esqueceu. Com adaptações em ritmo de guerra, os modelos chegaram ao mercado ostentando problemas de partida a frio e acelerado desgaste de componentes pela corrosão do álcool.

Todos estes problemas são coisas do passado. Agora os motores flex-fuel com os sensores de combustível e toda a eletrônica embarcada, apontam em curto prazo para motores capazes de rodar com a mesma eficiência considerando qualquer mistura de etanol e gasolina. Esta tecnologia vem impactando todo o mercado de combustíveis no Brasil. A disputa final pelo consumidor será sem nenhuma dúvida no posto de gasolina, ou quem sabe no posto de etanol.

Outros fatores irão contribuir para profundas transformações nos próximos anos neste mercado: o GNV, o protocolo de Kyoto, o fenômeno China/India, o patamar do preço internacional do petróleo e o futuro biodiesel. Questões importantes deverão ser respondidas, tais como: O que exportar? Gasolina? Álcool? Ou ambos? Que percentagem de álcool anidro deve ter na nossa gasolina? Como garantir o suprimento de álcool no Brasil e no Exterior? E que logística será necessária para garantir este boom nos mercados nacional e internacional do etanol carburante?

O mundo e o álcool: O mundo descobriu o álcool em condições bem adversas daquela que os brasileiros encontraram durante a primeira crise do petróleo. O Brasil foi responsável por conduzir o grande projeto piloto de etanol carburante para o mundo, desenvolvendo a tecnologia de produção, de logística, de aplicação e o próprio mercado.
 
Algo benéfico ao mundo todo com a reconhecida necessidade de utilização de combustível não fóssil, pelo Protocolo de Kyoto, pela permanente tendência de alta nos preços do petróleo, pelo clima de instabilidade política nos países produtores de petróleo e pela entrada no mercado consumidor de países como China e Índia, que representam mais de 30% da população mundial.

O Protocolo de Kyoto mostra claramente as conseqüências decorrentes do aumento da temperatura média do Planeta e estabelece que as emissões dos gases do efeito estufa nos países industrializados, no período de 2008 até 2012, terão de ser no mínimo 5% menores em relação aos níveis de 1990. Uma iniciativa vital contra o ameaçador aquecimento do clima mundial.

Brasil: Oportunidade e Futuro: Com todos estes fatores, o etanol carburante terá um papel fundamental nas próximas décadas, até a humanidade descobrir a energia que irá sucumbir a era do petróleo.
 
Para garantir ao mundo o mesmo sucesso que o álcool tem no Brasil, algumas atividades e temas deverão ser desenvolvidos, tais como: a garantia de aumento da produção, a garantia de suprimento do mercado interno, a garantia de atendimento aos contratos de exportação, a logística para exportação, o desenvolvimento do mercado internacional e, finalmente, a colaboração brasileira, sem limites, e até no desenvolvimento para a criação de outros países exportadores para assegurar a alteração da matriz energética de países importadores. Não faltarão recursos para o aumento da produção de álcool.
 
O governo e o setor sucroalcooleiro estarão efetivando projetos para o aumento da área plantada e implantação de novas unidades de processamento de álcool. Existem iniciativas no oeste de São Paulo e nos estados do PR, MG, GO, MG, MS, AL, entre outros. A comunidade empresarial do setor já amadureceu a ponto de buscar soluções independentes de programas federais.

A criação de um estoque regulador e estratégico será fundamental para garantir o suprimento do mercado interno, o atendimento aos contratos de exportação, a logística para exportação e o desenvolvimento do mercado internacional. Apesar de visões diferentes em relação à gestão, propriedade e regulamentação deste estoque nacional não se pode esquecer a evolução alcançada pelo setor depois da liberação do mercado nacional do álcool.

A saída do governo do controle, com o fim de uma intervenção direta, tornou o setor mais ágil, agressivo e com maior liberdade de atuação. Uma sistemática de regulação de mercado, por meio da política nacional de estoques, gerenciado pela própria comunidade nacional e executado por empresas especialistas em terminais de estocagem de combustíveis, poderá ser uma das alternativas de modelo, onde cada ator tem o seu papel específico: o governo fazendo a regulamentação; o álcool fornecido de propriedade dos produtores; a programação do estoque pela comunidade do álcool e a execução do transporte intermodal sendo realizado por empresas especializadas, via prestação de serviço.

Quanto à capacidade nominal de estocagem também existem dúvidas embora a tendência seja a auto-regulamentação do setor. O ônus financeiro do produto para criação desse estoque, em função da independência do setor e ausência governamental, não pode ser assumido pelo Governo Federal. Para o inicio das exportações de bateladas de álcool já existem centros coletores, terminais, dutos e navios. Contudo, buscando a redução do custo final de logística para garantir e consolidar a competitividade internacional, o Brasil estuda investimentos para a construção de tanques e de novos dutos, e, até mesmo novos navios especiais para a exportação do etanol carburante.

A solução de logística passa necessariamente pela utilização de diferentes modais, como: rodoviário, ferroviário, aquaviário e dutoviário. O projeto do corredor de exportação do álcool está sendo discutido por representantes do Governo Federal, do sistema Petrobras, de empresários e associações do setor. Já existem projetos distintos para a região nordeste, sudeste e sul.

A produção atual é de aproximadamente de 15 bilhões de litros, um pouco abaixo da capacidade instalada disponível de 17 bilhões. Este ano estarão sendo exportados mais de 2 bilhões de litros e a infra-estrutura atual já possui uma capacidade adicional para transportar mais 1,8 bilhão de litros. A previsão é de que o Brasil, até o final de 2006, já esteja preparado para mais de 4 bilhões de litros por ano. Hoje, 61% da produção de álcool está concentrada em São Paulo.

Até o fim da década, estima-se que a produção brasileira anual deverá alcançar 27 bilhões de litros, com um potencial de exportação de mais de 8 bilhões de litros/ano. O mercado internacional deverá ser desenvolvido e construído com a participação de outros países e parcerias de empresas brasileiras com empresas internacionais. A credibilidade do Brasil em suprir a demanda internacional de tecnologia, de conhecimento e de grandes volumes de etanol para exportação, será a base deste importante trabalho para consolidar o álcool combustível como mais uma commodity internacional.

O Brasil deverá ir ao mercado internacional para ofertar de forma agressiva sua solução. Não concordo com a idéia que nós brasileiros não vendemos, que somos comprados, e quem é comprado, já entra em desvantagem na negociação. Passagem comprada para o mundo, mala em uma das mãos, amostra de álcool combustível brasileiro na outra e a crença de que a hora do Brasil chegou. Chegou também a hora de receber os dividendos de todo este esforço. As gerações futuras não irão perdoar as lideranças atuais em negligenciar mais esta oportunidade para nosso país.