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Henrique Berbert de Amorim Neto

Presidente da Fermentec

OpAA83

Biorrefinarias no Brasil: a diversificação para a sustentabilidade e eficiência
As biorrefinarias estão no centro da transformação liderada pelo Brasil na transição da matriz energética rumo à economia circular e ao desenvolvimento ambiental sustentável. O setor sucroenergético nacional está fazendo grandes investimentos para que suas plantas integrem na produção uma variedade de produtos, incluindo biocombustíveis como etanol, biodiesel, biogás, proteína, bioquímicos e bioplásticos.

Embora as vantagens da diversificação das matérias-primas e da criação de produtos variados sejam claras e promissoras, ainda há desafios significativos para que essas inovações ganhem escala e se tornem competitivas, incluindo altos custos de produção, complexidades logísticas e a necessidade de eficientes integrações de processos, requerendo contínuas inovações tecnológicas. 

A boa notícia é que esses desafios já estão na mente dos profissionais do setor e no planejamento das organizações há algumas décadas. Nas próximas linhas, há um breve resumo que mostra as transformações das biorrefinarias, desde a liderança do etanol de cana construída a partir da década de 70 com o Proálcool às tecnologias mais avançadas dos dias de hoje.  

Etanol de cana:
O etanol de cana é um exemplo primoroso do conceito de biorrefinaria em ação, demonstrando como é possível integrar processos industriais para maximizar a utilização de recursos renováveis com redução de desperdícios. Além da tradicional produção de açúcar e etanol, as usinas de cana-de-açúcar aproveitam o bagaço para a geração de energia.

Além de ser utilizado na produção de etanol de segunda geração, agora é possível também produzir leveduras a partir dos açúcares de cinco carbonos contidos nesse resíduo gerados a partir do bagaço. Este processo não apenas aumenta a produção de etanol, mas também produz leveduras que metabolizam esses açúcares. A abordagem maximiza o uso do bagaço e complementa a produção de levedura como fonte proteica por meio da sangria das fermentações de primeira geração. 
 
Outro resíduo que ganhou destaque foi a vinhaça, que no passado era considerada um poluente e vilã ambiental e posteriormente começou a ser utilizada na fertirrigação. Sua utilidade não parou por aí. Novas pesquisas e otimizações tornaram a vinhaça um componente ainda mais versátil, e hoje esse subproduto é usado na produção de biogás, um exemplo adicional da eficiência das biorrefinarias. 

Diversas plantas já utilizam este biogás para substituir integralmente o uso de combustíveis fósseis em veículos leves e para compor parte do consumo de tratores e caminhões. Além disso, estudos estão explorando a produção de biodiesel a partir dos ácidos orgânicos presentes na vinhaça. Com a tecnologia inovadora, existe a promessa de transformar esses ácidos em óleo verde, potencialmente tornando uma usina autossuficiente em diesel em até 50%.
 
Somando-se a estas inovações, existe um aproveitamento significativo da água extraída da cana-de-açúcar. Historicamente, as usinas utilizavam cerca de 15 a 20m³ de água por tonelada de cana processada, mas avanços tecnológicos permitiram uma redução de 95% no consumo, que chegou a 0,7 m³, um dado impressionante ainda mais quando se trata de um recurso natural que deve ser tratado com extremo rigor e economia. Com progressos futuros, espera-se que as usinas não apenas eliminem suas demandas externas de água, mas se tornem produtoras, capturando e reutilizando esse recurso valioso de forma sustentável e eficiente para diversos fins industriais e agrícolas.

Etanol de milho:
Nos últimos sete anos, a produção de etanol de milho no Brasil tem observado um impressionante crescimento de 800%, impulsionando o país a se tornar um grande produtor deste biocombustível. Essa expansão não apenas ajudou a transformar o milho em combustível, mas também a mitigar problemas de logística e armazenagem. Atualmente, o milho é matéria-prima para cerca de 20% de toda a produção de etanol no Brasil, destacando-se pela relação sinérgica com o combustível feito a partir da cana-de-açúcar, dentro de um modelo de economia circular.
 
O impacto do etanol de milho vai além do combustível. Aproximadamente 28% da demanda de milho, que totalizará 17 milhões de toneladas este ano, é transformada em farelo para a nutrição de bovinos, suínos, aves, peixes e pets. Além disso, o óleo de milho é utilizado na alimentação animal e na produção de biodiesel e produtos de beleza. Esta abordagem também suporta iniciativas de reflorestamento, contribuindo para objetivos de sustentabilidade.

A produção de etanol de milho demonstra uma transição energética notável ao combinar a produção de combustível e alimentos. Isto é evidenciado pela ascendência do milho na segunda safra: há seis anos, apenas 40% das áreas faziam uso dessa prática; hoje, esse índice é de 60%, sem a necessidade de expandir para novas áreas de cultivo. Tal progresso reflete a eficiência agrícola e a adaptação às necessidades de mercado sem comprometer recursos adicionais.
 
Um avanço tecnológico no Brasil é a implementação do reciclo de leveduras na produção de etanol a partir de milho, semelhante ao processo utilizado na cana-de-açúcar. Esta inovação pode proporcionar uma vantagem competitiva significativa, elevando o rendimento do etanol em, pelo menos, 4% e com fermentações muito mais rápidas (1/3 do tempo), além do aumento do teor proteico do DDGS. A tecnologia já está desenvolvida, e a previsão é que a primeira planta operacional comece a funcionar em 2026, marcando um importante passo na otimização e eficiência deste setor. 
 
No cenário mundial, as diferenças entre o etanol de milho produzido nos EUA e no Brasil destacam a vantagem competitiva brasileira. No Brasil, não há um conflito entre a produção de alimentos e combustíveis, visto que a mesma área pode ser usada alternadamente para plantar soja e milho, maximizando a produção de alimentos, rações e combustíveis.

Este fenômeno é conhecido como a política de "food, feed and fuel" (alimento, ração e combustível) durante o mesmo ciclo de cultivo. Além disso, no Brasil, toda a energia utilizada na produção provém de eucalipto, uma árvore cultivada na forma de reflorestamento. Em contraste, nos Estados Unidos, a energia utilizada na produção vem de fontes como gás natural e carvão.

Políticas públicas e oportunidades:
O projeto "Combustível do Futuro" coloca o Brasil na liderança da produção de biocombustíveis, buscando substituir gradualmente combustíveis fósseis na aviação e no transporte. Com o aumento da mistura de etanol na gasolina, a inclusão de óleo vegetal no diesel e o maior uso de SAF no querosene de aviação, o Brasil adota um modelo energético sustentável. 
 
A estratégia abrange políticas de captura de carbono e produção de biogás e biometano, apoiando a redução de CO2 e destacando o papel essencial dos biocombustíveis na política energética global. 

O Brasil já se destaca em tecnologias para açúcar, etanol e energia. Para consolidar essas iniciativas, é crucial investir continuamente na otimização de processos e inovação, além de comunicar claramente os benefícios do etanol e seus coprodutos, incentivando outros países produtores de cana a intensificarem sua produção. Mantendo a inovação, eficiência e otimização do custo de produção, o caminho está aberto para um futuro promissor.