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Igor Montenegro Celestino Otto

Presidente executivo do SIFAEG-GO e Coordenador do Fórum Nacional Sucroalcooleiro

Op-AA-08

Estocar ou não estocar etanol, dúvida hamletiana

“Estocar ou não estocar etanol, eis a questão”, está aí uma dúvida hamletiana que circunda todo o setor sucroalcooleiro, as distribuidoras de combustíveis, o governo federal e atinge o consumidor. Shakespeare arrepiaria seus cabelos no túmulo, só de pensar na cruel interrogação pela qual passa o mercado de etanol no Brasil. Mas nós brasileiros temos o dever de responder a esta pergunta, porque dela depende o destino de um dos mais promissores segmentos da economia nacional.

O mercado interno de etanol vive uma explosão de consumo e o mercado externo segue uma gradual, mas firme escalada de compras. Acertar ou errar agora é uma daquelas decisões que vai deixar marcas para sempre. Na visão dos muitos produtores de etanol para o mercado interno, uma grande estocagem de produto geralmente provoca distorções no mercado. E isto é uma verdade. No final da década de 90, os excedentes de produção de etanol – que poderiam ter sido usados como uma rede de segurança para o mercado – provocaram uma das maiores crises de preços de todos os tempos. Muitas empresas ainda pagam o preço daquele período difícil.

Agora, nos primeiros anos da era 2000, sempre que o estoque ficou em patamares confortáveis, com um estoque de passagem de um mês de consumo, houve uma sensibilidade excessiva do mercado, com forte queda de preços. Ou seja, o mercado parece querer interpretar que estoques, dentro da normalidade, são uma porta aberta para pressões baixistas de preços. Este é um erro do mercado que tem gerado uma reação do produtor: a de manter os seus estoques de passagem sempre muito enxutos.

Por sua vez, as distribuidoras de combustíveis agem sempre como se o assunto estocagem de etanol não fosse ser tratado com elas. Essa questão de estocagem caberia somente ao produtor e ao governo. Mas, como importante elo da cadeia, responsável justamente pela logística, o segmento de distribuição não deve ter essa postura de autista, em relação à estocagem de etanol.

A logística, como sabemos, é responsável pelo processo de compra e venda de produto, transporte e também estocagem. Como seriam as empresas - de qualquer segmento, se não tivessem, na sua estrutura de logística, um almoxarifado para estocar, com segurança, os seus insumos de produção. Então, as distribuidoras de combustíveis precisam cumprir por completo o seu papel de operadores logísticos, inclusive dando tratamento especial à questão da estocagem de etanol.

Hoje, qualquer distribuidora de combustíveis que for pesquisada apresentará um estoque de etanol ínfimo e insuficiente para enfrentar qualquer turbulência mais séria de mercado. O Governo Federal tem ao seu dispor instrumentos legais e recursos orçamentários para realizar a estocagem de etanol. Contudo, estes instrumentos, como a warrantagem, dificilmente chegam aos produtores de etanol que deles necessitam.

Além disso, os recursos orçamentários para a estocagem de etanol têm sido sistematicamente objeto de contingenciamento pelos gestores públicos. Sem outra alternativa mais viável, o Governo Federal vale-se das alterações da mistura de etanol à gasolina para tentar gerar algum equilíbrio nos estoques. As ações de governo têm se mostrado frágeis, frente à magnitude do problema e, então, se começa a cogitar a pior das soluções: a intervenção estatal no mercado.

Tendo em vista o histórico da intervenção estatal no mercado sucroalcooleiro brasileiro, nada pode ser considerado mais atrasado do que isso. Além do mais, uma anacrônica legislação federal impede os produtores de se organizarem em um grande grupo para realizarem estratégias nacionais, visando a estocagem de etanol. Já o mercado externo exige mais transparência da agroindústria canavieira brasileira, com relação à sua capacidade de honrar seus contratos e demais compromissos, assumidos perante o comprador.

Para um mercado que tende a crescer bastante nos próximos anos, a forma de garantir o fornecimento de etanol, para atender à demanda contratada, é uma questão de crucial importância, que deve ser respondida à altura, pelo segmento produtor. O mercado internacional é muito exigente e segurança é o mínimo que ele pede. Em vista de tudo isso, estocar ou não estocar etanol deixa de ser uma questão.

Estocar etanol é imprescindível para um segmento que quer sobreviver e sobressair no mercado globalizado. A questão é como estocar etanol, sem que haja agressões do mercado e quem será o responsável por essa estocagem. Acredito que cada uma das partes tem o seu quinhão de responsabilidade e que nenhuma delas sozinha poderá solucionar um problema destes.

Atualmente, os produtores de etanol são os únicos fiadores do mercado. Carregam sozinhos a responsabilidade da estocagem de etanol e do abastecimento do mercado no ano todo. Se é para continuar sendo assim, o governo federal precisa flexibilizar a legislação, concedendo ao setor privado o direito de criar uma grande empresa, capaz de gerir os estoques de etanol no Brasil.

As distribuidoras de combustíveis precisam adequar suas estratégias, para se tornarem verdadeiras e completas operadoras de logística, inclusive assumindo a responsabilidade de possuírem estoques de etanol mais confortáveis. Outra ação concreta das distribuidoras seria atuar com um processo mais transparente de transações comerciais, para evitar as distorções existentes, como grandes depressões de preço de etanol durante a safra - que desencadeiam vendas antecipadas, para aumentar volume e atingir o total de recursos necessários, que em seguida provocam crescimento do preço na entressafra, em virtude da escassez de estoques.

O governo federal deveria utilizar, com maior afinco, os seus instrumentos para a estocagem de etanol, mas com mudanças estruturais. O objetivo deve ser levar os recursos para os produtores que mais precisam, durante o período da safra. Os produtores que hoje em dia não conseguem ter acesso ao financiamento público da estocagem são justamente os que têm maior potencial para distorcer o mercado. Portanto, precisam de muito mais atenção por parte do governo.

Por sua vez, os compradores internacionais devem fazer contratos de prazo mais longo, visando garantir o seu fornecimento e dar ao produtor o retorno esperado do investimento, em expansão da produção. A estocagem de etanol para o mercado externo será certamente compartilhada entre o produtor e o comprador. O certo é que ninguém fará enormes investimentos à espera da concretização de um mercado externo potencial.

Até porque etanol não se coloca na prateleira da fábrica ou na gôndola do supermercado, à espera do próximo cliente que vai aparecer. Então, é preciso que o comprador estrangeiro entenda o seu papel de indutor na concretização de investimentos de expansão, que lhe garantirão maior oferta e mais segurança no fornecimento.

Sinceramente, acredito que dificilmente estas ações ocorrerão em conjunto e o mercado não ficará totalmente saneado, sem apresentar gargalos ou intermitências, em algum momento. O capitalismo é assim mesmo. A oferta e a demanda ajustam-se freqüentemente, mas nem sempre isentas de problemas e sobressaltos.

O próprio mercado se encarregará de direcionar o rumo do negócio etanol. Agora, vale lembrar àqueles que cerram fileiras junto aos descrentes e pessimistas que vivemos uma realidade totalmente diferente de qualquer outra época da vida do etanol no Brasil. Vivemos uma era muito mais promissora, que é a era do automóvel bicombustível, que também pode ser chamada de tempo da liberdade de escolha do consumidor e isso fará toda a diferença daqui por diante.

Nesse novo tempo que se inicia, o poder está todo nas mãos do rei consumidor. É ele quem define o que vai ser produzido, o que vai ser vendido e o que vai ser estocado. Ao invés de grandes e inúmeros tanques de etanol nas usinas e destilarias, a estocagem será feita pelo consumidor, através dos próprios tanques dos veículos, sempre com base na melhor opção de compra. E não é difícil de entender o porquê.

Se os preços estiverem acessíveis, significa que há uma boa produção como suporte. Então, o consumidor responderá ao estímulo do preço mais baixo, elevando o consumo. Consumo mais elevado significa maior giro do estoque de etanol, o que pode financiar com recursos próprios o custeio e os investimentos, desde que haja margem de lucro nestes preços mais baixos. Assim, o estoque gira mais rápido, sem a necessidade de intervenções externas, mas por causa da flexibilidade de consumo do veículo bicombustível.

Vejamos então, a situação inversa. Se os preços estiverem elevados, significa que não houve uma produção suficiente para atender a demanda do mercado. Assim, o consumidor reduz a compra de etanol nos postos, deprimindo o consumo. Consumo menor significa menos pressão nos estoques existentes, com maior garantia de suprimento do mercado.

Desta forma, com o estoque girando mais devagar, o próprio mercado equilibra a demanda com a oferta, o que também só ocorre por causa da flexibilidade de consumo do bicombustível. O que se espera então, é que o próprio mercado, dentro da sua maleabilidade, ajuste a demanda e a oferta, os preços e os estoques de etanol.

Contudo, o produtor não pode confiar na solução simplista de que o mercado irá sempre se ajustar sozinho. Com o poder que tem nas mãos agora, o consumidor dá ao mercado, mas também tira. Não pensem que com o novo mercado de etanol que se apresenta, o segmento sucroalcooleiro viverá apenas jogado ao sabor dos ventos do mercado.

Mercado conquista-se com produção firme, qualidade do produto, oferta adequada e preços competitivos. O produtor de etanol precisa, cada vez mais, investir em planejamento estratégico, para saber como ocupar o seu espaço no competitivo mercado de combustíveis. E esse produtor de etanol tem feito a sua parte na história, que é procurar produzir o que o mercado demanda.

A agroindústria canavieira brasileira está realizando um dos maiores saltos de todos os tempos, com pesados investimentos em expansão agrícola e industrial, algo sem precedentes, principalmente se lembrarmos que está acontecendo sem que haja a participação do estado. A produção atual já é recorde, mas é somente uma parte do que está por vir.

Atender à demanda atual e futura precisa ser uma obsessão para a agroindústria canavieira. E só há uma forma de equilibrar o mercado de etanol: se a produção for adequada à demanda deste mercado. A estocagem de etanol é um nó de mercado que não pode ficar sem solução. Viver o mercado perigosamente, em cima de um de fio da navalha, é um risco que nenhum segmento de negócio pode correr, muito menos o setor sucroalcooleiro. Muitas ações precisam ser colocadas em prática pelos produtores de etanol, distribuidores de combustíveis e pelo governo, mas uma dúvida, eu não tenho mais: Os estoques são vitais para dar confiança aos consumidores internos e externos e, portanto, essenciais para perenizar o negócio etanol no Brasil e no mundo.