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Arnaldo Cesar da Silva Walter

PProfessor do Departamento de Energia & NIPE / Unicamp

Op-AA-54

Há pressa e por isso é preciso avançar com calma
Comparando um cenário tendencial com aquele no qual a elevação de temperatura da Terra não superaria 1,5 °C no século XXI, estudos da Agência Internacional de Energia – IEA, publicados em 2017 indicam a necessária redução de 10 GtCO(bilhões de toneladas) nas emissões de Gases de Efeito Estufa – GEE,  no setor de transportes (redução a partir de quase 15 GtCO2), em 2050, sendo que 60% devem ocorrer em países emergentes e em desenvolvimento (não membros da OECD, nos termos da IEA). A contribuição dos biocombustíveis para a redução das emissões deveria ser de aproximadamente 4,6 GtCO2, enquanto a contribuição da eletricidade seria três vezes menor (1,5 GtCO2). 
 
É importante notar que a IEA é muito crítica quanto aos biocombustíveis e otimista quanto à superação dos desafios da chamada mobilidade elétrica: 1
) significativa redução dos custos das baterias;
2) aumento de suas autonomias e de suas vidas úteis;
3) disseminação da infraestrutura de abastecimento e, aspecto essencial para o futuro dos veículos elétricos;
4) drástica redução das emissões de GEE na geração de eletricidade. 
 
A respeito desse último ponto, a mesma Agência indica que o fator médio mundial de emissões de GEE na geração de eletricidade precisa ser reduzido dos atuais 520 kgCO2/MWh para menos de 50 kgCO2/MWh em 2050. Isso para que as metas climáticas sejam cumpridas. E, para que isso ocorra – sem o que a contribuição dos veículos elétricos é questionável – uma parcela não desprezível das reduções de emissões de GEE deverá vir da bioeletricidade, inclusive com captura e armazenamento de carbono.
 
O cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil para a redução de suas emissões de GEE até 2030 dependem sobremaneira da superação dos problemas do setor sucroenergético, e da criação das condições para que a bioenergia, em sentido amplo, se consolide. Estudos indicam que, sem a adoção de políticas adequadas, a produção de etanol não alcançará a meta de 54 bilhões de litros, e que no conjunto das políticas necessárias deve estar o estímulo à geração em larga escala de eletricidade excedente a partir da biomassa residual da cana.
 
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol e de biodiesel (em 2016, 28,3 e 3,8 bilhões de litros, respectivamente, ou 28,7% e 12,3% da produção mundial) e tem enorme potencial para a produção sustentável de bioenergia, o que inclui significativa contribuição para a redução das emissões de GEE. Mas há muitas dúvidas sobre o futuro da bioenergia. 
 
Na realidade, infelizmente, há algumas certezas. Se nada for feito, a produção de etanol será reduzida e o País enfrentará enormes dificuldades, inclusive logísticas, para viabilizar o suprimento de gasolina importada. O potencial de geração de eletricidade com biomassa da cana será subaproveitado, e haverá significativa geração elétrica com combustíveis fósseis, também importados. As promissoras indústrias do biogás e de pellets não serão realidade, entre outras. No caso do etanol, as evidências do impasse incluem o fato de a marca dos 30 bilhões de litros por ano não ter sido superada, e a incômoda possibilidade – ou certeza – de o  País se tonar importador líquido em 2017. 
 
Como chegamos a esse ponto? Bem sabem as pessoas que trabalham com gestão de riscos que grandes desastres não têm uma única causa. É certo que não há um único responsável pela crise do setor sucroenergético, mas os problemas devem-se em grande parte à ausência de políticas públicas com objetivos de médio e longo prazo e à recente adoção de políticas econômicas que eram distorcivas e tinham objetivos de curtíssimo prazo.
 
O RenovaBio é apresentado como uma política capaz de promover a expansão da produção de bioenergia, assegurar previsibilidade para o mercado, induzir avanços tecnológicos e redução de emissões de GEE, e, dessa forma, contribuir para o cumprimento das metas assumidas no âmbito do Acordo de Paris. Em sua adoção serão empregados mecanismos de mercado, através da emissão e comercialização de créditos de descarbonização (CBio). 
 
Segundo os estudos que sustentam a proposta, os impactos sobre os preços ao consumidor seriam modestos e potencialmente positivos para a economia como um todo. A Política Nacional de Biocombustíveis – RenovaBio – pode ser implementada a partir da aprovação de uma Medida Provisória, que está sob apreciação do Governo Federal há um tempo maior do que é/era considerado necessário – e razoável – pelos proponentes e interessados.
 
Claro que há urgência, por causa da profundidade da crise do setor sucroenergético, porque há bioenergéticos sem qualquer sinalização política, porque a indefinição paralisa os investimentos, e porque os resultados – em produção, consolidação de mercados, e redução de emissões – só serão alcançados com grande esforço e em longo prazo. 
 
O RenovaBio é uma boa proposta, e há que se ter cuidado para que boas ideias não sejam destruídas. “Queimar navios” é uma estratégia apenas em situações de desespero. Não estando envolvido na proposição e na implantação do Programa, tenho a pretensão de sugerir que haja cuidado com relação aos pontos mencionados a seguir.
 
Estado, acima do Governo – Primeiro, e talvez a mais importante das preocupações, o RenovaBio deve ser apresentado e defendido como uma política de Estado. Isso para que os Governos não o distorçam, ou mesmo o destruam, no presente ou no futuro. Nesse sentido, o fato de a proposta estar sendo construída por técnicos do Governo Federal, mas também por vários pesquisadores, representantes do setor produtivo e financeiro é um alento. Mas não é uma garantia.
 
Senso de oportunidade e percepção do que é prioridade – Que não seja perdido o sentido de timing. Se há uma oportunidade real, que seja aproveitada. Entretanto, é importante que a proposta seja a mais completa possível quando de sua aprovação e que haja o tempo necessário para sua elaboração e sua avaliação. E que a pretensão de que seja alcançada uma proposta muito abrangente não resulte a perda de foco no que é o principal: na opinião de quem escreve, a produção sustentável de etanol – também de segunda geração – e de biodiesel, a bioeletricidade e a futura produção de combustíveis de aviação.
 
Identificar as resistências e agir – É certo que o que está sendo proposto não atende ao interesse de alguns, e que há e haverá resistência. Estrategicamente, é preciso entender as posições contrárias e como atuam esses atores, além de se construir as alianças fundamentais. Claro que isso está sendo feito, mas toda atenção é necessária.
 
Ser simples, para se fazer entender – Algumas pessoas que conhecem suficientemente bem os mercados de biocombustíveis e de emissões de GEE disseram ter tido dificuldade para entender a proposta do RenovaBio. Entre elas, o autor deste artigo. Assim, aqueles que têm a missão de explicar o que é o Programa, como deve ser implementado, suas particularidades, etc, devem ter preocupação com a clareza e foco no que é essencial.
 
O conceito que é a fundamentação do RenovaBio é muito bom e não se pode correr o risco de que a proposta seja perdida. Nesse sentido, é até melhor que os avanços sejam lentos, mas seguros. O Programa não pode ser distorcido para que algo seja rapidamente aprovado. Não pode ser aprovado enquanto o que é fundamental ainda não está definido. E não se pode correr o risco de ser rejeitado porque não foi bem entendido. Há pressa, e por isso é preciso avançar com calma.