Pesquisadora do Instituto Agronômico de Campinas
Op-AA-17
A necessidade, no âmbito mundial, de se substituir a matriz energética derivada da queima de combustíveis fósseis, por formas alternativas de energia limpa e renováveis, tem destacado a cana-de-açúcar como uma das principais culturas energéticas do país, principalmente pela produção do etanol como combustível.
Para garantir a demanda nacional e internacional de etanol, novos desafios terão que ser enfrentados por toda a cadeia produtiva e, em especial, pelos programas de melhoramento, responsáveis pelos ganhos de produtividade, alcançados pela utilização de variedades mais produtivas, resistentes a pragas e a doenças e adaptadas às diferentes condições edafoclimáticas.
Diante deste cenário, a biotecnologia poderá exercer um papel importante no desenvolvimento de novas variedades, principalmente, em uma cultura com um genoma tão complexo como o da cana. Dentre as diferentes técnicas moleculares atualmente disponíveis, os chamados marcadores moleculares, cada vez mais, estão ganhando espaço nos programas de melhoramento, principalmente, por permitirem aos melhoristas acessar e selecionar a variabilidade, diretamente ao nível do DNA, ou seja, do genótipo.
As estratégias de utilização dos marcadores moleculares em um programa de melhoramento requerem, além da interação entre melhoristas e biólogos moleculares, do conhecimento de como é conduzido o programa de melhoramento, para que se possam identificar em quais etapas os marcadores moleculares podem trazer uma melhor relação custo/benefício.
Os programas de melhoramento de cana caracterizam-se pela exploração da variabilidade genética, liberada já na primeira geração de cruzamento entre dois ou mais genitores, que podem ser variedades ou clones elites. A partir desta etapa, todas as demais fases do programa utilizam a propagação vegetativa, via toletes, dos clones que se destacam dentro das famílias, para multiplicá-los e avaliá-los em ensaios com repetições. O interessante, no melhoramento da cana, é que o genótipo superior, que será lançado como variedade, já está disponível na primeira geração de cruzamento.
Entretanto, é necessária a habilidade do melhorista, aliada à precisão dos ensaios experimentais, em diferentes locais e anos, para identificar o genótipo superior, antes de liberá-lo como nova variedade. Todo este processo, desde o cruzamento até a nova variedade leva de 10 a 12 anos, o que significa que os cruzamentos realizados hoje irão liberar variedades que atenderão às demandas projetadas para o setor a daqui, pelo menos, 10 anos.
De imediato, os marcadores moleculares já estão sendo incorporados nos programas de melhoramento de cana, para auxiliar em algumas questões. A escolha dos genitores, por exemplo, é uma fase importante dos programas de melhoramento, que pode ser auxiliada por marcadores moleculares. Alguns programas de melhoramento têm levado em conta a distância genética estimada através de marcadores moleculares dos genitores envolvidos nas campanhas de cruzamento, como informação adicional para definir os melhores cruzamentos.
Marcadores moleculares também têm se mostrado muito eficientes no esclarecimento da origem paterna de clones oriundos de policruzamento (teste de paternidade). Além destas aplicações, marcadores moleculares estão sendo usados para monitorar a identidade dos clones ao longo das etapas do programa de melhoramento, e na obtenção de um perfil molecular (fingerprinting) característico de cada variedade, que possa ser utilizado como informação adicional aos descritores morfológicos mínimos, perante o Sistema Nacional de Proteção de Cultivares.
A grande contribuição esperada da tecnologia dos marcadores moleculares para os programas de melhoramento está na chamada seleção assistida por marcadores moleculares, que usam os marcadores para selecionar os clones com as características desejadas, ainda na fase juvenil (seedlings), e os parentais com maior concentração de alelos favoráveis, para a realização de cruzamentos.
A seleção auxiliada por marcadores pode aumentar a eficiência e precisão na seleção dos genótipos superiores, possibilitando grande impacto nos casos em que a característica de interesse é de difícil avaliação e de alto custo. Entretanto, o emprego de marcadores moleculares na seleção assistida requer a identificação de marcadores que estejam fortemente associados às características agronômicas de interesse para o melhorista.
A identificação de tal associação tem sido feita através do mapeamento molecular, ou seja, na tarefa laboriosa de se “colocar marcas” ao longo do genoma da cana, para permitir a localização dos genes ou regiões que são responsáveis pelas características agronômicas mensuradas no campo. Especialmente no caso da cana, o banco de dados de seqüências expressas, produzidas pelo Projeto Sucest/Fapesp, tem sido de grande contribuição para o desenvolvimento de marcadores moleculares mais eficientes ao mapeamento de genes de interesse agronômico.
Isso porque as chamadas etiquetas de seqüências expressas, por representarem “pedaços de genes”, podem permitir o mapeamento direto de genes, pela estratégia de genes candidatos, em que marcadores são desenvolvidos para genes envolvidos em vias metabólicas, relacionadas com a expressão da característica a ser selecionada. Esses marcadores são apontados como ideais para a seleção assistida, uma vez que os mesmos podem ser os responsáveis pela característica em questão.