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Edmilson Monutti e Fabio Pereira

Sócio e Diretor da PwC Brasil, respectivamente

OpAA86

As melhores práticas para mitigar e reduzir os riscos no negócio de cana
A cadeia de valor da cana-de-açúcar no contexto sucroenergético é um dos principais setores do agronegócio e estratégico para a economia brasileira, integrando do cultivo agrícola aos processos industriais de produção de açúcar, etanol e bioenergia. 

Desde o lançamento do Proálcool em 1975 – marco na promoção do etanol como alternativa aos combustíveis fósseis –, o setor passou por uma profunda transformação, evoluindo em escala, eficiência e sustentabilidade.
 
A modernização do cultivo da cana-de-açúcar, impulsionada pela mecanização, melhoramento genético e tecnologias digitais, tem elevado significativamente a produtividade e a sustentabilidade do setor. A produtividade média, que era cerca de 60 toneladas por hectare nos anos 1990, na safra de 2025/26, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), está estimada em 75,4 t/ha, com variações regionais. No campo industrial, as usinas deixaram de ser apenas produtoras de açúcar e etanol para se consolidarem como biorrefinarias multifuncionais, capazes de gerar energia elétrica, biogás e insumos agroquímicos, ampliando sua relevância na matriz energética nacional.

A gestão de riscos no setor sucroenergético tornou-se prioridade diante da crescente complexidade operacional e dos impactos das mudanças climáticas. O gerenciamento dos riscos exige uma abordagem multidimensional, que combine tecnologia e governança.
 
A governança corporativa através da estruturação de comitês de risco, auditorias internas e políticas de compliance contribui para a transparência, responsabilidade e alinhamento estratégico. Uma governança eficaz pressupõe a definição clara de papéis, implementação de controles internos e monitoramento contínuo por meio de indicadores confiáveis, assegurando decisões alinhadas aos objetivos e em conformidade com normas legais e ambientais. Além disso, fortalece a cultura de prevenção e transparência, consolidando a reputação institucional e a confiança entre stakeholders.

No campo, os riscos incluem eventos climáticos extremos – como secas prolongadas, geadas e chuvas intensas – até ameaças fitossanitárias, como pragas e doenças que comprometem a produtividade. Soma-se a isso os riscos operacionais, como falhas na mecanização e na logística de colheita, e os ambientais, como a degradação do solo e a contaminação de recursos hídricos. 

Para enfrentar esses desafios, a adoção de tecnologias inovadoras é fundamental. Usinas têm investido em sensores, drones, imagens de satélite e softwares de georreferenciamento, que permitem diagnósticos precoces e intervenções localizadas com bioinsumos. Sensores de umidade no solo têm otimizado a irrigação, enquanto plataformas digitais integradas cruzam dados meteorológicos, históricos de produtividade e imagens para orientar decisões de plantio e colheita, reduzindo perdas e melhorando o aproveitamento da área cultivada.
 
Na esfera industrial, os riscos se manifestam em múltiplas dimensões e exigem abordagens integradas para sua mitigação. Os riscos ocupacionais envolvem exposição térmica e química, além de acidentes com máquinas e equipamentos. Os riscos ambientais incluem a emissão de gases de efeito estufa e o manejo inadequado de resíduos como a vinhaça. Já os riscos operacionais estão relacionados a falhas em equipamentos, incêndios e interrupções na linha de produção. 

Para enfrentar esses desafios, a adoção de práticas avançadas de gestão é essencial. Tecnologias como o monitoramento em tempo real, automação de processos, manutenção preventiva e protocolos rigorosos de segurança têm-se mostrado eficazes na redução de vulnerabilidades. Um exemplo emblemático é a implementação de sistemas SCADA (Supervisory Control and Data Acquisition) em unidades industriais, que permitem o monitoramento contínuo de variáveis críticas – como temperatura, pressão e vazão – e têm sido fundamentais para evitar falhas graves, como paralisações em caldeiras. 
 
Um dos principais programas de inovação aberta da cadeia de valor da cana-de-açúcar foi realizado via programa For Farmers do PwC Agtech Innovation, que promoveu o acesso a tecnologias digitais através da colaboração com startups e estimulou a transformação cultural e técnica de uma associação de produtores.  

Na área de sustentabilidade, o reaproveitamento da vinhaça para fertirrigação reduz o risco ambiental e melhora a eficiência agronômica. Ações como a capacitação contínua das equipes, estruturação de brigadas de incêndio, adesão a programas de responsabilidade ambiental, social e governança (ESG), bem como a participação em iniciativas como o Renovabio e a comercialização de créditos de carbono, fortalecem a resiliência e reputação do setor.

Na esfera das políticas públicas, o Plano ABC+ (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) incentiva práticas sustentáveis que reduzem riscos ambientais e aumentam a eficiência produtiva, com programas de financiamento rural voltados à inovação tecnológica para viabilizar a modernização de equipamentos e a adoção de sistemas inteligentes de gestão.

Apesar dos avanços, a adoção dessas práticas ainda enfrenta obstáculos, como a resistência à mudança cultural, escassez de mão de obra qualificada e altos custos iniciais. Parcerias entre setor público, privado e instituições de pesquisa, bem como a criação de ambientes colaborativos e de troca de experiências e capacitação técnica, são caminhos promissores para superar esses desafios.

Os resultados esperados com a implementação dessas estratégias incluem a redução de perdas causadas por fatores climáticos e biológicos, o aumento da produtividade agrícola e da eficiência industrial, a diminuição de acidentes e impactos ambientais, e a maior previsibilidade financeira e estabilidade operacional.

A perspectiva futura aponta para uma crescente digitalização da cadeia produtiva, com uso intensivo de dados, inteligência artificial e automação. A integração entre campo e indústria deve se tornar cada vez mais fluida, permitindo decisões mais rápidas e precisas. A sustentabilidade, aliada à inovação, será o eixo central da competitividade no setor sucroenergético brasileiro.

Outro aspecto a ser considerando na produção de cana são os riscos associados à pressão para redução de custos para que o etanol de cana possa ser competitivo frente ao etanol de milho, especialmente diante da crescente oferta de grãos na região Centro-Oeste, com a expansão da segunda safra de milho no Brasil, bem como a produção nos Estados Unidos.
 
Os riscos e oportunidades associados à produção de cana e toda cadeia produtiva, assim como demais riscos estratégicos de uma organização, devem fazer parte da agenda de discussões do Conselho de Administração, observando a mensuração dos riscos pelo potencial impacto que pode ocasionar na organização e a probabilidade de ocorrência ao longo do período de safra, considerando as sazonalidades. 

Conclui-se que a gestão de riscos é componente estruturante para a evolução do setor sucroenergético. A integração entre tecnologia, sustentabilidade e capacitação contínua consolida um modelo de negócio mais seguro, eficiente e alinhado às demandas do século XXI. Estabelecer indicadores de sucesso – como redução de perdas por hectare, aumento da eficiência energética, diminuição de acidentes e melhoria na qualidade ambiental – e garantir transparência na divulgação dos resultados são essenciais para fortalecer a confiança de investidores, consumidores e comunidades locais.