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Gustavo Spadotti Amaral Castro

Chefe-Geral da Embrapa Territorial

OpAA84

O setor sucroenergético e o desafio das narrativas
O setor sucroenergético brasileiro é líder global na produção de açúcar e bioeletricidade, além de ser desempenhar papel de destaque na produção de etanol, amparado por políticas como o RenovaBio. Apesar de sua relevância para a economia e o clima, enfrenta narrativas que o associam ao desmatamento, ignorando a localização histórica e atual de seus cultivos e regulamentos como o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar (ZAE-Cana). 
 
Até 2019, esse zoneamento orientava a expansão e produção da cana-de-açúcar no Brasil garantindo que a produção brasileira seguisse critérios ambientais considerando as características físicas, químicas e mineralógicas dos solos, o risco climático e a legislação ambiental vigente. Em 2024, queimadas em São Paulo impactaram canaviais, mostrando o setor como vítima de desafios climáticos, não sua causa. 

Este artigo apresenta dados oficiais para contrapor a mitológica associação entre a produção de cana e a falta de sustentabilidade, destacando que este cultivo ocupa áreas historicamente antropizadas, não florestas. Mais que isso, o setor está pronto para atender às exigências globais, como a lei antidesmatamento da União Europeia, oficialmente chamada de EUDR (Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento), e liderar a real – e não imaginária  – transição energética com sustentabilidade e inovação, sendo benchmark para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém-PA, no coração da Amazônia.
 
Queimadas de 2024: 
Um impacto sofrido, não causado O estado de São Paulo registrou 7.296 focos de queimadas em 2024, que afetaram cerca de 59 mil hectares de canaviais e causaram prejuízos estimados em R$ 350 milhões ao setor sucroenergético. Causadas por calor extremo, baixa umidade, longa estiagem e ações humanas acidentais ou criminosas, as queimadas não tiveram origem nas práticas do setor, limitadas desde 2002 pela Lei Estadual 11.241/2002, que previu a eliminação gradativa desta prática.

Pelo contrário, o setor sucroenergético investiu em brigadas de incêndio, drones e monitoramento por satélite e apoia fortemente a Operação São Paulo Sem Fogo. É crucial distinguir: queimadas não equivalem a desmatamento, definido como remoção permanente de vegetação nativa. 

A cana, cultivada em áreas antropizadas, não promove nem um nem outro, sendo vítima de eventos climáticos e ações criminosas, não sua causa.
 
A realidade com dados oficiais
Devemos sempre buscar a distinção entre desmatamento legal (licenciado), legítimo (sem licença, mas legal perante o Código Florestal) e ilegal (em áreas protegidas, em áreas de terceiros ou quando ultrapassam os termos da legislação). Atualmente, a cana ocupa 8,5 milhões de hectares (1% do território nacional), concentrada no Centro-Sul: São Paulo (55%, 5,6 milhões de hectares), Goiás (11%) e Minas Gerais (9%).

Nestas áreas, se destacam polos como Ribeirão Preto e Uberaba, que abrigam 367 usinas, produzindo 63% do açúcar, 48% do etanol e 22,6 TWh de bioeletricidade (5% da energia nacional). Já a cana para pequenas destilarias (cachaça, rapadura) e alimentação animal (<5% da área) predomina em Pernambuco, Alagoas e pequenas propriedades do Sudeste/Centro-Oeste, sem expansão significativa. Todas essas áreas estão a mais de 2.000 km da Amazônia, em conformidade com o Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar que limitava cultivo neste bioma e, também, no Pantanal.
 
Estimativas preliminares apontam para um grande yield gap (ou folga de produtividade), ou seja, a diferença entre a produtividade dos produtores mais tecnificados e a média observada naquela região, podendo em muitos casos aumentar em cerca de 30 toneladas por hectare os valores de referência.

Ademais, projeções contidas no Plano Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas do Ministério da Agricultura e Pecuária, que contou com contribuições substanciais da equipe da Embrapa Territorial, apontam para cerca de 40 milhões de hectares disponíveis, mostrando que a cana tem grande potencial para se expandir sobre áreas de pastagens de baixo vigor, e não visando a alteração do uso da terra de florestas para cultivos de cana-de-açúcar.

Essa distribuição territorial reforça: a cana, industrial ou não, não avança sobre fronteiras agrícolas nem pressiona a Amazônia e demais áreas florestadas, respeitando o Código Florestal e a lei dos licenciamentos ambientais e, também, a Lei da Mata Atlântica, que tem por objetivo proibir o desmatamento de florestas primárias visando conservar, proteger e regenerar este bioma.

Área de cana-de-açúcar em Cajuru-SP-Brasil

Cana, desmatamento e alimentos 
Dessa forma, associar a cana ao desmatamento é um equívoco, pois, além de distante dos grandes vetores de desmatamentos, existe um arcabouço jurídico regulamentado que historicamente garantiu seu cultivo em áreas antropizadas, com licenciamento ambiental rigoroso e condicionamento de financiamentos a este regimento legal. A cana não disputa espaço com alimentos: sua área é estável, e a rotação com soja, amendoim e adubos verdes eleva a produtividade agrícola.

A cana é um modelo de economia circular, produzindo açúcar, etanol (1ª e 2ª geração) e bioeletricidade, enquanto resíduos como vinhaça e torta de filtro retornam como fertilizantes, reduzindo insumos minerais (P, K). Práticas como fixação biológica de nitrogênio, controle biológico de pragas e o fim da queima para a colheita, o alto componente tecnológico nas máquinas e equipamentos e a profissionalização e especialização da mão de obra envolvida em todas as etapas da produção minimizam impactos.

A rentabilidade da cana permite que os produtores rurais e fornecedores trabalhem com balaços financeiros e fluxo de caixa positivo, garantindo recursos para a preservação da vegetação nativa (Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal) dentro de suas propriedades, contribuindo para a sustentabilidade. 

Estudos internacionais sobre Mudança Indireta no Uso da Terra (ILUC) são frequentemente mal aplicados à cana brasileira, superestimando impactos indiretos, ignorando os esforços do Brasil e seu equilíbrio no uso das terras (66% do território é dedicado à vegetação nativa, segundo a Embrapa Territorial). Modelos globais sugerem que o cultivo de cana deslocaria outras atividades para florestas, mas no Brasil isso não ocorre.

Como anteriormente mencionado, o Brasil, mesmo com áreas de fronteiras agrícolas a serem exploradas, tem focado esforços no aumento da produtividade de cada uma das culturas e, também, na intensificação do uso do solo, buscando explorar a potencialidade das terras já antropizadas. Assim, o ILUC é uma especulação teórica que ignora a realidade regulada e sustentável do setor sucroenergético e da agropecuária brasileira. Longe de ser vilã, a cana alia produtividade e responsabilidade ambiental, gerando empregos e divisas sem comprometer a segurança alimentar ou o meio ambiente.

Preparada para a Lei Antidesmatamento da União Europeia
A Lei Antidesmatamento da União Europeia (EUDR), que possivelmente entrará em vigor em dezembro de 2025, exige rastreabilidade de produtos livres de desmatamento pós-2020. A retroatividade a 2020 é questionável, mas o setor sucroenergético está pronto. O Código Florestal, o ZAE-Cana, o CAR – Cadastro Ambiental Rural, e a geração de dados oficiais de desmatamento asseguram conformidade. Unica e Orplana devem liderar as contraprovas da rastreabilidade que serão realizadas pela UE e terão a Embrapa Territorial como suporte de inteligência territorial estratégica para proceder a análises técnico-científicas sobre esta temática.

Essa robustez legal e tecnológica garante que etanol e açúcar atenderão às exigências europeias, mantendo a produtividade, competitividade e sustentabilidade deste setor, que exportou 38,2 milhões de toneladas de açúcar (US$ 18,614 bilhões) em 2024. Isso reforça sua posição global, apoiada por um arcabouço ambiental que poucos países igualam, com suporte para eventuais contestações técnicas ou barreiras comerciais não convencionais.

Área de cana-de-açúcar em Pradópolis-SP-Brasil

Cana, a cultura verde do futuro
Resumidamente, a cana-de-açúcar não desmata: concentra-se no Centro-Sul, a mais de 2.000 km da Amazônia, preservando Áreas de Preservação Permanente, Reservas Legais e excedentes de vegetação nativa. Os 28,9 bilhões de litros etanol de cana do Brasil reduzem as emissões em 90% frente à gasolina, e a bioeletricidade (22,6 TWh) substitui fontes sujas e não-renováveis. 
 
Práticas como rotação de culturas, controle biológico e economia circular – com resíduos retornando à lavoura – consolidam sua sustentabilidade. A cana gera cerca de 700 mil empregos formais diretos, movimenta o interior, aporta divisas e adoça o mundo com sabor para os ricos e calorias baratas para populações vulneráveis. 

Na COP30, em Belém, o Brasil poderá mostrar a cana como solução realista para a transição energética, longe de projetos mirabolantes, discursos disruptivos e utopias baseadas em soluções europeias, como a eletrificação das frotas. Distante de fronteiras agrícolas e regulada pelo Código Florestal, a cana é um motor de desenvolvimento sustentável. 
 
O setor deve se unir para comunicar esses avanços, desmontando mitos e reforçando seu papel estratégico na economia e no clima, liderando o futuro verde do Brasil e do mundo.