Canaoeste e Orplana
Op-AA-19
Dentro da proposta de analisar o panorama imediato e as perspectivas de médio e longo prazo para os mercados de açúcar e álcool - que grandes especialistas e autoridades do setor certamente o farão, com muita propriedade e profundidade – gostaria de contribuir trazendo à luz das discussões a relevância do fornecedor independente de cana, quais os desafios e o que o futuro pode reservar a esse importante agente do agronegócio canavieiro.
A participação do fornecedor independente na cadeia produtiva sempre esteve estreitamente ligada à distribuição de renda. Os que estão hoje na atividade são, em sua grande maioria, pequenos e médios agricultores, que sobreviveram ao processo de evolução do setor, ao longo de décadas. Expressiva parcela deles tem, nas lavouras de cana, uma herança de várias gerações.
Sua atividade faz girar a roda da economia local e regional com a contratação de mão-de-obra, aquisição de máquinas e equipamentos e contratação de serviços. No entanto, tamanha importância não assegura sua permanência na atividade e são grandes os desafios que esses produtores têm pela frente, especialmente porque o setor sucroenergético – que era até pouco tempo sucroalcooleiro e que modernizou sua denominação para evidenciar seu potencial de gerar energia – está em uma nova fase, marcada pela presença de grandes e concentrados grupos e investidores estrangeiros.
Ao longo do tempo, os fornecedores independentes tiveram participação garantida por instrumentos legais, enquanto a produção de açúcar e álcool esteve sob intervenção estatal. Ainda em 1941, oito anos depois da criação do IAA - Instituto do Açúcar e Álcool, o Estatuto da Lavoura Canavieira estabeleceu controle sobre o relacionamento entre fornecedores e industriais e dispôs um limite máximo de 60% de cana própria, tornando obrigatória a compra do restante de produtores independentes.
As legislações que tratavam do setor foram sofrendo modificações, mas o controle do Estado sobre a produção, distribuição, consumo e exportação perdurou até o início da década de 90, quando os preços foram liberados. A desregulamentação completou-se em 99 e o setor passou a ser regido pelo livre mercado.
O lado positivo dessa intervenção estatal foi ter assegurado a um grande número de produtores independentes o direito de poder participar do setor, por meio do estabelecimento de quotas de cana própria e de fornecedores. Por outro lado, essa garantia acabou desestimulando a busca da eficiência e competitividade por parte de muitos.
A nova fase - a de livre mercado – rapidamente mostrou essa deficiência do modelo anterior: sem conseguir mostrar força, organização e obter ganhos de produtividade, muitos fornecedores foram excluídos do setor e nichos de pequenos produtores foram criados nas regiões canavieiras tradicionais. Assim, a garantia de mercado, antes prevista em leis, passou a ter de ser buscada via organização, junto às associações e cooperativas.
Com a desregulamentação do setor, essas entidades transformaram-se em instrumentos essenciais para o produtor buscar eficiência e garantir sua permanência no sistema produtivo. Uma demonstração da importância da união de forças e da presença das associações foi a criação do Consecana - Conselho dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo, em 1999, a partir de estudos e discussões de representantes dos produtores e industriais.
O Consecana fixou um parâmetro para a remuneração da matéria-prima, com base em um modelo de livre mercado. O preço da cana, antes definido pelo governo, passou a ser estabelecido com base no mix de produção das usinas e no valor dos derivados no mercado interno e externo. Assim, o produtor independente, que havia perdido todas as garantias legais para produzir, encontrou no Consecana um meio para sobreviver no ambiente liberalizado.
Estão, atualmente, vinculados a Orplana - Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil, 13.500 fornecedores independentes, de 28 associações de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, sendo que 89,2% entregam até 10 mil toneladas de cana.
Juntos, entregaram, na safra 2007/08, 97 milhões de toneladas de cana, de acordo com os dados mais recentes. A participação desses fornecedores já foi maior, e ainda corre o risco de diminuir, frente à nova realidade do setor. Ultimamente, estamos sofrendo alterações significativas no meio rural, especialmente no setor sucroenergético, não somente pelas questões do mercado, mas pela ênfase nas questões ambientais e trabalhistas.
São impostas aos pequenos e médios produtores as mesmas exigências, penas e sanções aplicadas a grandes empresas, tornando quase que impossível a permanência destes na atividade. Além disso, os produtores terão, por exemplo, que se adequar ao processo de mecanização do sistema para atender à legislação, que estabelece prazos para o fim da queima da palha da cana e para o corte manual (2014 para as áreas mecanizáveis e 2017 para as não-mecanizáveis).
Esse será um grande desafio a ser vencido e envolve investimentos importantes por parte dos fornecedores. Assim, mesmo entre os produtores de cana, há a tendência à concentração, com maior participação dos grandes. A atual conjuntura também sinaliza para uma forte concentração dos grupos industriais. Pelos cálculos da Unica, que representa a indústria, as cerca de 380 unidades de produção estão, hoje, sob o comando de, pelo menos, 200 conglomerados econômicos. A tendência é que, em dez ou 15 anos, perto de 100 controlem o setor. Isso certamente significará maiores dificuldades no relacionamento entre fornecedores e industriais.
Temos também que considerar a consequência danosa da concentração de renda, que é a exclusão social. Se economicamente a concentração é a solução para as empresas, já que pressupõe a redução de despesas e a otimização de resultados, do ponto de vista social sua herança é a eliminação de agentes menores da cadeia produtiva, como os pequenos e médios produtores de cana, os mesmos que fazem girar a roda da economia, como já dissemos.
Enfrentar essas situações nos dias atuais só tem sido possível por meio de entidades como cooperativas e associações, já que elas defendem os interesses dos produtores junto aos demais elos da cadeia e aos órgãos e instâncias de governo que fazem interface com o setor. É temeroso que a crise financeira, ora instalada, induza os produtores, que terão de buscar a redução nos custos de produção, a se afastar dessas entidades, enfraquecendo-as.
Esse seria um movimento contrário ao necessário, já que momentos de turbulências, como o que estamos vivendo, atrelados ao de expansão do setor, exigem entidades fortalecidas, que busquem meios para a permanência do produtor na atividade. A Orplana, por exemplo, criada em 1976, ampliou sua área de abrangência - do Estado de São Paulo para a região Centro-Sul do Brasil – recentemente, e tem recebido a adesão de associações de produtores de regiões para onde o setor está se expandindo.
Essas associações, muitas recentes, veem na Orplana um porto-seguro, um instrumento para seu fortalecimento e para fazer frente à nova realidade. Um fato também decisivo para que o produtor permaneça no setor e tenha condições de crescer é a reorganização das entidades representativas, com lideranças preparadas para essa nova fase.
Já houve renovações importantes, como a posse da senadora Kátia Abreu na Presidência da CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, e torna-se imprescindível que sejam privilegiadas lideranças verdadeiramente envolvidas com o setor. Enfim, diante da nova realidade do setor sucroenergético e da conjuntura econômica, o caminho que o fornecedor independente de cana deve trilhar é esse: se organizar, se unir para ganhar força e representação e participar do setor. Caso contrário, sua sobrevivência nesse ambiente que tende à concentração está com os dias contados.