O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, com alta participação de energias renováveis, principalmente hídrica, e uma importante participação dos biocombustíveis (etanol) e bioeletricidade, como a da biomassa da cana-de-açúcar. Mas temos também uma grande estrutura de geração com energia fóssil (gás natural, carvão, petróleo) montada como reserva em stand by no governo Fernando Henrique Cardoso. Mais recentemente, tivemos uma presidente expert em energia, que via a energia renovável como um complicador que não deveria ser incentivado.
Com a participação da energia não renovável triplicando para acima de 20%, o custo da energia elétrica subiu substancialmente e foi um dos fatores da recessão extraordinária no País. Para evitar cenários negativos e influências ideológicas que desestimulem investimentos mais vantajosos, é necessário um pacto nacional de longo prazo para o sistema energético.
Na montagem desse novo modelo, os compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) são extremamente importantes, e, em setembro último, o governo brasileiro os ratificou no Acordo de Paris. Dentre eles, estão o aumento da participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional para 18% e a expansão do uso doméstico de fontes de energia não fóssil. Essas ações visam aumentar a parcela de energias renováveis (além da hídrica) no fornecimento de energia elétrica para, ao menos, 23% até 2030.
O etanol (de 1ª e 2ª geração) é um biocombustível com grande potencial de redução de emissões GEE. O etanol de cana-de-açúcar pode reduzi-las em 91%, comparativamente à gasolina. A bioeletricidade é uma energia renovável e sustentável, feita a partir da biomassa: resíduos da cana-de-açúcar (bagaço e palha), restos de madeira, carvão vegetal, casca de arroz, capim-elefante e outras.
Reconhecer os benefícios ambientais, sociais e econômicos dessas alternativas pode auxiliar a redução de 43% das emissões brasileiras até 2030 previstas no iNDC (sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas). Nesse contexto, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – um movimento multissetorial, com mais de 150 organizações, acadêmicos e representantes de peso no agronegócio no Brasil – montou um grupo de trabalho para indicar as condições necessárias para atingir as metas previstas nas iNDCs brasileiras.
Etanol:
Em 2015, o Brasil produziu, aproximadamente, 28 bilhões de litros de etanol, representando 44% do consumo de combustíveis leves no País. Segundo representantes do poder público nacional, o iNDC prevê produção próxima de 50 bilhões de litros em 2030. Para tanto, algumas políticas públicas são
fundamentais:
1. Estímulos aos ganhos de eficiência técnica dos veículos: garantir, no contexto do Inovar-Auto (mecanismo de estímulo à busca de maior eficiência dos motores de veículos flex no uso do etanol hidratado como combustível), contribuição decisiva para a competitividade do biocombustível em relação à gasolina. O mesmo se aplica ao desenvolvimento dos motores híbridos flex ou movidos a etanol.
2. Diferenciação tributária do etanol frente aos combustíveis fósseis: restabelecer a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, sobre a gasolina, ou de outro tributo semelhante, em níveis que precifiquem adequadamente o custo social do carbono para a sociedade, como um mecanismo de diferenciação tributária que valorize as externalidades positivas do etanol frente ao combustível fóssil.
3. Investimento e apoio à inovação e P&D aplicada à indústria: estruturar políticas de fomento de longo prazo dedicadas às inovações tecnológicas para biocombustíveis avançados, inclusive de novos cultivares de cana com alto teor de açúcar e/ou biomassa, que aumente a eficiência de produção de biocombustíveis e reduza os custos de investimento, a fim de acelerar o desenvolvimento do etanol celulósico em escala comercial. Redução de tributos federais para aquisição de máquinas e equipamentos, enzimas e leveduras, e a isenção de PIS/Cofins nas aquisições de biomassa celulósica, visando atrair investimentos privados em novos projetos produtivos.
Bioeletricidade:
As iNDCs brasileiras indicam uma meta específica de incrementar o uso das energias renováveis solar, eólica e biomassa para, ao menos, 23% da geração de eletricidade do Brasil em 2030. É uma meta ambiciosa, pois, em 2014, a geração elétrica pelas fontes solar, eólica e biomassa representou cerca de 10% da produção total de energia elétrica no País.
Será preciso estimular a expansão consistente da bioeletricidade na matriz de energia elétrica nos próximos anos, com previsão de crescimento do consumo de bioenergia de 41 TWh para 134 TWh anuais. Para tanto, é necessária uma política pública bem estruturada, estável e de longo prazo para a bioeletricidade, alicerçada em pontos essenciais:
1. Instituir um programa de contratação a partir de leilões diferenciados por fonte e/ou regiões no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), com a valorização no preço dos atributos ambientais, elétricos e econômicos advindos do uso da bioeletricidade. Diretriz fundamental para a expansão do investimento em projetos de geração a partir da biomassa. Leilões regulares no ACR e com preços remuneradores para a biomassa representam condições essenciais para viabilizar projetos que visem ao aproveitamento da palha, do retrofit (reforma) do parque existente, do biogás e de outras biomassas.
2. Estabelecer um programa estruturado de longo prazo que mitigue a dificuldade de conexão dos projetos de bioeletricidade às redes de distribuição de energia elétrica. A conexão das térmicas a biomassa ocorre principalmente no âmbito da distribuição.
O custo de acesso à rede pode representar, em alguns casos, até 30% do investimento em projetos de bioeletricidade, e, em algumas regiões, uma rede sobrecarregada inviabiliza a conexão de novas plantas geradoras. Deve-se promover estudo amplo para a conexão de projetos de bioeletricidade que permita um planejamento robusto e estabelecer que instalações de uso exclusivo para a conexão das usinas à bioeletricidade passem a ser de responsabilidade dos agentes de transmissão/distribuição.
3. Oferecer condições de financiamento mais atrativas para projetos de bioeletricidade. Estabelecer linhas de créditos especiais para projetos de eficiência energética, otimização de processos e adaptação e/ou substituição de caldeiras e turbo geradores, sobretudo em retrofits. Linhas especiais para permitir maior uso de biomassas complementares e o aproveitamento da palha para a geração (durante toda a etapa do processo). Criação de linhas de financiamento agrícola para outras biomassas (sorgo, cana energética, capim elefante etc.), estimulando o desenvolvimento de novas ofertas de biomassa. Extensão do uso das linhas de crédito oficiais para máquinas e equipamentos importados.
Utilizar biocombustíveis e bioenergia em substituição aos combustíveis fósseis contribui significativamente para a redução das emissões de GEE e para a saúde pública. Para viabilizar as metas do Acordo de Paris, urge a segurança de uma política energética de longo prazo, que não seja alterada a cada governo. Dessa forma, serão beneficiados investidores e toda a cadeia de produção.