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Marcos Sawaya Jank

Presidente da Unica

Op-AA-30

Mania de grandeza com complexo de inferioridade

Há uma famosa frase de Roberto Campos que diz que o Brasil vive uma curiosa mistura de mania de grandeza com complexo de inferioridade. No exterior, os brasileiros enaltessem o Brasil em tudo, mas, quando estão aqui, parece que seu esporte favorito é falar mal do Brasil.

E, quando olhamos para o nosso setor, vemos essa mistura: somos fantásticos, temos grandes perspectivas, mas as coisas não vão para frente. O Brasil está crescendo 4% a 5% ao ano, enquanto o mundo desenvolvido está em uma grande recessão; na melhor das hipóteses, a Europa vai ter cinco anos terríveis de recessão ou de baixíssimo crescimento, e os EUA, uma dívida imensa.

O consumo do açúcar cresce 4% ao ano nos países em desenvolvimento. Há alguns anos, muitos diziam que ele estava condenado pelos adoçantes sintéticos. Do outro lado, a frota flex cresce 10% ao ano, colocando nas ruas três milhões de carros por ano. O mercado americano está se abrindo muito mais rápido do que nós pensávamos; a tarifa vai a zero.

Conseguimos classificar o etanol de cana como biocombustível avançado dentro de um mandato americano de 140 bilhões de litros, dos quais 80 bilhões para biocombustíveis avançados, enquanto a produção brasileira, neste ano, será de 27 bilhões. O único biocombustível avançado comercial que existe hoje no mundo chama-se etanol de cana-de-açúcar. Hoje, 40 países têm mandato para mistura de etanol; há muito pouco tempo, eram dois ou três.

O Brasil tem uma das melhores condições para expandir a produção, com terra, água, clima, mas estamos usando apenas 1,5% das nossas terras aráveis para etanol e podemos passar, sem grande esforço, de 7,5 mil litros para 12 mil litros por hectare. Então, eu pergunto: onde está o problema?

Eu só vejo oportunidades. O problema está nos ajustes de política privada e pública, no clima que se criou; está nos homens, nas pessoas, não na cana-de-açúcar. Temos perspectivas fantásticas no açúcar, anos consecutivos de preços muito bons e uma infinidade de novos produtos que vão usar sacarose e etanol.

Espero que possamos passar o etanol de 7% de exportação para 70% em algum momento, como se faz hoje com o açúcar. A melhor coisa que pode acontecer é fazermos com o etanol o que fizemos com o açúcar historicamente e, ao mesmo tempo, atendermos à frota de carros flex. Seria fantástico se o nosso etanol se tornasse uma commodity global.

O Presidente Lula viajou o mundo inteiro tentando convencê-lo a fazer o que o Brasil fez, e isso pode acontecer se o mundo começar a misturar o etanol na gasolina, e, ao mesmo tempo, aqui no Brasil, atendermos ao mercado do flex. Poucos têm ideia do que representam 10% da mistura da gasolina no mundo. É algo inimaginável que não está longe de acontecer.

Precisamos ter essa meta. A questão é que essa meta é para os próximos anos, enquanto o problema de curto prazo é que o crescimento da frota de veículos flex tem sido muito superior ao crescimento da produção de etanol hidratado, além de um aumento dos custos do etanol, que fez com que se perdesse competitividade com a gasolina.

Estamos produzindo 600 milhões de toneladas de cana; 150 milhões foram perdidos em quebras de safras, que vão retornar naturalmente com a recuperação desses canaviais. Há 200 milhões de toneladas para expandir com nosso parque de usinas, então vamos para 950 milhões. Faltarão ainda 400 milhões, que são os novos greenfields. Esses 400 milhões a mais não podem ser para fazer etanol hidratado para atender a carro flex e competir com a gasolina tabelada, senão teremos problemas.

Os novos greenfields custam 150 dólares por tonelada e não se justificam nessas condições. Assim, precisaremos de um diálogo mais produtivo com o governo, sem pensar em exclusões: etanol ou açúcar, mercado interno ou externo. Precisamos pensar em cana para atender a tudo isso. A política tem que ser pública e privada. Temos nossa lição de casa, não é só o governo que precisa mexer na equação de impostos, na maior transparência na política de fixação de preço de gasolina no longo prazo, no critério de mudança desse preço e de variação da CIDE.

Não queremos que o preço da gasolina suba, ele já é um dos mais altos do mundo por causa da incidência de impostos, e o aumento teria um impacto inflacionário.  Queremos é que haja equidade de ICMS entre os estados? Queremos que se resolva o problema do ICMS interestadual? Quando haverá um IPI que premia o motor flex, que polui menos, que é mais eficiente energeticamente? Essas são as tais políticas públicas que poderiam ser desenhadas numa conversa com o poder público.

Da nossa parte, temos que reduzir custos. Como produtores de commodities, não temos controle de preços, vivemos em uma esteira rolante, correndo cada vez mais rápido, para não cair. Essa é a nossa missão: controlar e reduzir custos cada vez mais, melhorar as variedades, trabalhar todo o conjunto de ações que fizeram com que o nosso custo aumentasse nos últimos anos. Temos que viabilizar os novos greenfields.

Temos a oportunidade de manter o flex, esse verdadeiro patrimônio nacional, criado em 2003, dado pela indústria automobilística. Estamos no auge do carro flex. Em setembro, chegou-se a 50% de frota flex, e nós devíamos estar comemorando isso, lançando 130 novos greenfields para fazer esse flex chegar à plenitude. Se não conseguirmos fazer isso, a anidrização será inevitável; gasolina e mercado internacional vão demandar anidro.

E o mercado internacional, pelo que estamos aprendendo com Estados Unidos e União Europeia, vai pagar um diferencial pelo anidro. A Califórnia, por exemplo, já está pagando um prêmio pelo anidro brasileiro de 0,72 centavos por galão.  O que nós não podemos fazer? Precisamos evitar que o custo do ajuste do etanol seja pago pelo açúcar, por exemplo.

A taxação do açúcar é uma política fadada ao fracasso, basta olhar para a Argentina e ver o que a taxação de commodities causou em um país que tem terras férteis, destruído por uma política pública de taxação sobre a agricultura.

Também não podemos controlar a exportação de álcool. Saímos pelo mundo dizendo que o Brasil seria um supridor de etanol para o mundo, e, agora, vamos controlar a exportação de álcool com medidas de caráter intervencionista. O clima ruim que se criou nos mêses de março e abril foi gerado pelo temor de faltar etanol – o que não aconteceu, o sistema funcionou bem, mas houve um aumento de preço e uma pressão inflacionária, que depois se diluiu em duas ou três semanas.

Nós da Unica trabalhamos sem parar. Eu tenho ido a Brasília sempre, conversado com muitos ministros, com muitos parlamentares, vários orgãos – aliás, são mais de dez que cuidam do setor.  Tomamos várias atitudes, dentre as quais o monitoramento quinzenal da situação por produtores, distribuidores e governo. Outra medida foi o aumento sensível da produção de anidro, mesmo em uma safra com quebra, como a que vivemos para garantir a mistura na gasolina. I

ntroduzimos um sistema de pré-contratação de etanol, que dará maior segurança de abastecimento: para cada compra de gasolina, as empresas precisarão comprovar o contrato do etanol correspondente aos 25% de etanol anidro que será misturado à gasolina.

Pela primeira vez, estamos olhando para frente para garantir maior segurança de abastecimento e menor volatilidade de preços, procurando reduzir as pressões inflacionárias. Agora, estamos começando a conversar sobre crescimento. Podemos avançar na questão do crescimento mais firmemente. Podemos ter uma proposta setorial, por exemplo, indo a Brasília junto com a indústria de máquinas e equipamentos.

Interessa a todos os segmentos o que vai ser negociado, é importante irmos juntos, porque, é claro, estamos falando de 150 novas usinas, o que interessa aos fornecedores, às empresas de máquinas e equipamentos; isso não é só um assunto de abastecimento, mas de crescimento, que não é só das usinas, mas de todo o setor. Queremos um crescimento sustentado, por isso estamos dispostos a conversar sobre isso.

O governo vai querer compromissos nossos com o abastecimento, não há dúvida, vai ser um tema muito palpitante. Charles Handy, um filósofo irlandês, disse que “se há algo emocionante no futuro, é justamente a capacidade que temos de moldá-lo”, e eu acho que é isso que se apresenta quando falamos do crescimento do nosso setor, é a chance que temos de construir o nosso futuro.

Para quem enxerga crise no lugar de oportunidades, termino com a frase de nosso querido Guimarães Rosa: “a vida é assim, esquenta, esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta, o que ela requer da gente mesmo é coragem”.