Sempre que tenho a oportunidade de falar ou escrever sobre a adoção de ferramentas tecnológicas ou, como no caso, de inteligência para a área agrícola, alerto logo de saída que não se deve olhar para esse tema como a substituição da experiência e da observação do produtor de cana por alguma máquina ou software.
Para ilustrar esse alerta, gosto de contar uma passagem que vivenciei durante uma viagem com produtores brasileiros pelo interior da França, em um passado não tão distante. Durante visita à fazenda de um empresário, que se tornara produtor de feno de gramíneas, as nuvens no céu começaram a se formar e se tornar mais escuras.
Então, um produtor brasileiro me pediu que perguntasse ao empresário francês se ele não iria recolher os fardos já prontos para que não se molhassem e perdessem qualidade. O empresário sorriu orgulhoso, abriu seu notebook e nos mostrou um sistema avançado de software e algumas estações meteorológicas que o orientavam quanto ao risco de chuva, e, para aquele dia, havia 1% de chance apenas e em pouca quantidade.
Continuamos, então, a visita, e, algum tempo depois, imagine só: choveu! E bastante! Então o produtor brasileiro deu um leve sorriso e falou: “se tem nuvem, chove, independente do Excel”. Desde então, aprendi a combinar a observação do produtor com o olhar tecnológico, de equilibrar o moderno com o eterno, de mostrar que é um processo de soma e não de subtração.
Esses dias, ouvi um podcast sobre ferramentas de inteligência artificial no qual, logo no início, faziam a correção para inteligência aumentada, ou seja, ferramentas que propiciam ampliar a capacidade humana e não substituí-la. Na área agrícola, não é diferente. Temos, hoje, um arsenal de possibilidades para expandir todos os fundamentos agro desenvolvidos na nossa história, impulsionando os produtores a resultados extraordinários, que, sem essas ferramentas, não seriam possíveis.
Porém, hoje, o dilema é escolher entre as inúmeras opções que são ofertadas diariamente com aplicações distintas e complexas. Saímos de uma era de escassez de informação para esse novo mundo de ofertas quase infinitas, que acabam tendo um efeito negativo quanto à adoção desses novos caminhos.
A oferta é tamanha que o produtor acaba tendo dificuldade em escolher uma ou outra e, por insegurança quanto aos resultados, acaba deixando de avançar. Sabe como é, quando a esmola é demais, o santo desconfia. Essa é uma barreira que precisa ser compreendida e trabalhada.
Aqui, as associações de produtores e seu corpo técnico podem ter um papel relevante de validação e filtro dessas novas tecnologias, de ajudar o produtor a separar o joio do trigo. Outra importante barreira a ser superada é a abertura e o compartilhamento de informações. Nesse mundo de ferramentas de inteligência, não adianta saber quanto choveu ou qual índice de infestação de pragas apenas na sua fazenda.
Para um resultado de maior qualidade, é necessário gerar uma massa de dados robusta para que sejam analisadas informações consistentes, que irão gerar conhecimento e ações práticas na obtenção de resultados superiores. Um exemplo simples já incorporado no dia a dia é o Waze, ferramenta de inteligência que indica os melhores caminhos com menor concentração de trânsito, ou então avisa sobre perigos reportados no caminho.
Isso só é possível porque vários usuários estão conectados e compartilhando suas informações. Sem esse compartilhamento, o Waze seria apenas um mapa e não traria resultados e valor percebido. Temos, aqui, outra mudança importante entre passado e os dias de hoje. Antigamente, quem tinha o conhecimento tinha o poder e, por isso, não o compartilhava facilmente.
Hoje, o poder está com quem compartilha conhecimento e, com isso, ganha amplitude de visão e ação, atingindo a excelência. Olhando, agora, pelo lado das empresas que geram as ferramentas de inteligência, é preciso reforçar a necessidade de atenção com a funcionalidade e a aplicação real de cada produto ofertado.
Se a ferramenta for complexa no seu uso, o produtor comprará, então, um novo problema, e não uma solução, como inicialmente parecia ser, além de desperdiçar recursos financeiros, que estão mais escassos a cada dia, principalmente no setor canavieiro. E, falando em solução, é fundamental que os desenvolvedores dessas ferramentas entendam profundamente a realidade do produtor, suas dores e desafios para, então, criarem uma solução que lhes atenda.
Parece óbvio, mas tem gente por aí vendendo solução sem conhecer sequer o problema. Feito isso, é preciso demonstrar, na ponta do lápis, qual o custo/benefício dessa ferramenta, de maneira clara e objetiva. Não tenho particularmente nenhuma dúvida de que a evolução do agro passará pelas ferramentas de inteligência, mas sempre sendo meios para obter os resultados, e não como atividade fim da operação dos produtores.
Recentemente, passamos por uma inversão desse sentido no setor canavieiro durante o processo de mecanização da colheita de cana-de-açúcar. Começamos a pensar mais nas máquinas (ferramentas) do que na cana produzida (objetivo final do produtor). Chegamos ao ponto de buscar variedades que fossem mais resistentes ao pisoteio que as máquinas causavam, mesmo que fossem menos produtivas em açúcar, ou seja, queríamos adaptar a cana às ferramentas (as máquinas), e não o oposto.
Felizmente, isso vem mudando. Mas esse histórico e alerta deve ser aplicado a todas as ferramentas tecnológicas, incluindo as de inteligência. A finalidade do produtor agrícola é obter máxima produtividade por área, ao menor custo possível. O produtor deve sempre se perguntar: o que realmente ganho com isso? Qual o real resultado desse investimento?
Nessa estrada dos produtores agrícolas, existem duas muretas laterais com as quais devemos evitar colidir. De um lado, está a dos modismos (mudar por mudar), e a outra, a do “aqui sempre fizemos assim” (nunca mudar). Como tudo na vida, é no equilíbrio que estão as grandes histórias de sucesso.