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Alessandra Fabíola Bernuzzi Andrade

Diretora de Responsabilidade Ambiental da Abimaq

Op-AA-33

Diálogos para o etanol

Tive a grata satisfação de participar como debatedora da Rio+20 e pude observar de perto o interesse dos estrangeiros pela cana-de-açúcar. Eles se mostraram extremamente atentos ao etanol e interessados por ele, e não só no tocante ao seu potencial como combustível veicular, que hoje é a face mais visível de suas potencialidades.

Esses participantes estavam atentos à nossa capacidade de produção, às tecnologias de segunda e terceira geração, que despontam aqui mesmo,  também no Brasil, ao desenvolvimento promissor da etanolquímica, à bioeletricidade a partir da biomassa de cana, enfim, aos aspectos econômicos, sociais e, obviamente, aos enormes benefícios ambientais desse produto 100% renovável.

Eles pareciam enxergar até mais que nós, brasileiros, a importância estratégica do etanol de cana para o desenvolvimento do País. Fica a questão: estamos aproveitando as oportunidades?

No final, ao se aprofundarem nos entraves pelos quais passa o setor sucroenergético, talvez tenham nos considerado incompetentes. Mas, em contraponto, temos soluções tecnológicas viáveis e com diferentes disponibilidades temporais; temos pesquisa; temos mão de obra potencial; temos área e clima propícios para a cultura da cana; temos capacidade industrial. Nenhum país conhece tão bem o cultivo da cana como o Brasil. Nenhum reúne tantas variáveis positivas como nós. Isso é competitividade.

O problema é que não temos visão estratégica para o setor. É isso. Pura e simplesmente. Não temos planejamento, com competências claras e estabelecimento de metas de curto, médio e longo prazo.

O etanol deve ser considerado um projeto de país. Só assim, estampado, compreendido pelos setores que compõem a cadeia e pela sociedade, que deve entender o papel estratégico dessa economia para o futuro do País, obrigaria os diversos atores que compõem essa cadeia produtiva, em parceria com nossos governantes, a integrá-lo no planejamento dos governos, sem passar pelas mudanças circunstanciais da esfera político-partidária. Sabemos do papel que o etanol pode vir a desempenhar e o que já desempenha.

Mas o que acontece? Falta planejamento. Não só para esse setor, evidentemente, mas neste ganha dramaticidade ao pensar que o etanol, cuja demanda interna em situações favoráveis de compra, tem o poder de escolha nas mãos, precisa de investimentos para alcançar o patamar que, acreditamos, deva ter: de commodity mundial. Em algumas situações, fica evidente que nem mesmo a cadeia do etanol acredita no etanol como projeto de país.

A cadeia tem duas pontas muito fortes, e a indústria de máquinas e equipamentos para o setor está no centro, espremida. Sofre, fortemente, as influências do chamado Custo Brasil, culminando na triste realidade de que o País é um dos poucos no mundo que tributa quem investe.

Mas essa industria é resistente, resiliente, muito forte em termos de tecnologia, uma vez que investe fortemente em capacitação e educação. A força dessa parcela da indústria brasileira pode ser demonstrada pela exportação de máquinas e equipamentos para a Alemanha e para os Estados Unidos, países com um setor industrial forte e com alta tecnologia.

Em 2011, por exemplo, quase 22% das exportações brasileiras tiveram esses dois países como destino. Mas, infelizmente,  não tem a demanda que deveria e, quando tem, é de forma oscilante, aquém da demanda potencial e dependente de outras variáveis.

Além disso, é constantemente cobrada pelo governo, questionada sua competitividade e seu poder de atender à demanda para o setor sucroenergético. Esse segmento industrial investiu anos a fio, praticamente apenas com recursos próprios, em tecnologia, capabilidade industrial, desenvolvimento de pessoas, terras para incorporar seus parques fabris. Mas ficou refém  de uma demanda que não veio.

Sim, há muito espaço para o crescimento industrial de máquinas e equipamentos para a realização de novos negócios para o setor sucroenergetico. Daí a importância de se investir na indústria, especialmente na indústria ecoeficiente. Repensar juros e câmbio, como estratégias de fortalecimento industrial. Como citado em documento da Abimaq apresentado na Rio+20, há espaço para uma economia ambientalmente orientada, tecnologicamente avançada e socialmente justa.

O que me faz lembrar novamente da conferência mundial. Lá se falava e se fazia a "democracia do diálogo". Foram três dias de debates, em vários fóruns temáticos. Nesses espaços, o modelo adotado colocou os participantes "desarmados" para discutir assuntos comuns, o que possibilitou o exercício de expor e concatenar ideias, em um clima de profundo respeito ao outro.

Com isso, guardadas as dificuldades de consenso mundial acerca de temas pouco consensuais, foi possível propor alternativas e pensar em soluções para o presente e para além de nosso universo temporal – para nós que estávamos lá, construindo o futuro das próximas gerações.

Acredito que o modelo da Rio+20, que não é original, porém inusitado no que tange ao tema e à postura adotada para um evento com 193 países e mais de 300 delegações presentes, possa ser adotado pela cadeia produtiva da cana. A agroindústria canavieira, os setores de logística, de máquinas e equipamentos, institutos de pesquisa, indústria automotiva, enfim, todos aqueles que gravitam em torno dos nossos canaviais devem buscar o entendimento.

Colocar as cartas na mesa e dialogar, sem armaduras, sem vieses, apenas com o propósito de compartilhamento e encontro de objetivos comuns. Pensar nos consensos possíveis para que o etanol seja um projeto de nação.

Nas reuniões do Brasil Maior, insisti no estabelecimento de um cronograma de curto, médio e longo prazo para o setor, contemplando tecnologia, infraestrutura, logística, etc. Traçar metas claras, viáveis de serem executadas na lógica do "pensar globalmente, agir localmente".

Da mesma forma que não existe país que seja desenvolvido que não tenha uma indústria de máquinas e equipamentos desenvolvida,  não existe indústria desenvolvida que não coloque a sustentabilidade como parte de sua estratégia de crescimento. Isso faz muito sentido quando pensamos na cadeia da cana.

Atualmente, existe uma discussão calorosa sobre a eficiência dos carros a etanol em relação aos a gasolina. Mais uma vez, volta o mito de que a gasolina é mais eficiente. Independentemente das discussões "tecnológicas", vale lembrar que o etanol é completamente renovável. Isso é relevante e derruba qualquer argumento que desqualifique nossa tão brasileira e importante fonte energética renovável.

O etanol é um exemplo de sustentabilidade, se bem dirigido. Temos uma cadeia produtiva limpa, com admiradores do mundo todo, que cumpre exemplarmente o seu papel de transição para uma economia azul. A cadeia produtiva do etanol já vive na economia verde. Há muito. Invocou um modelo de produção alternativo, limpo e sustentável do ponto de vista ambiental e econômico.

A cadeia inova todos os dias, agrega tecnologia e desenvolvimento educacional, é extremamente rentável e sobrevivente de muitas gerações e de diversas crises, internas e externas. Mas sempre renasce, apresentando-se como solução para muitos males: ora para a segurança energética do País, ora solução econômica, de demanda, mas, em todos os casos, como solução ambiental. Renasce, cada vez mais verde, mais forte, como um pé de cana, que se poda e renasce, com mais açúcar no caule, com mais esperança de sustentar uma cadeia produtiva ativa, capaz de valorar o País.