O setor sucroenergético produz três produtos principais, dois derivados do açúcar contido na cana e um derivado da biomassa. Algumas poucas unidades já produzem o promissor etanol de segunda geração. O setor é um produtor de commodities, os parâmetros desse mercado é a produção em larga escala com margem estreita de lucro. Nesse contexto, a operação com eficiência e baixo custo é determinante para o resultado final dessas empresas. Embora o tratamento de caldo não seja um dos pontos de maior perda no processo industrial, essas perdas podem se tornar significativas se mal-entendidas ou administradas.
Perdas de sacarose: Ao se falar de perdas no tratamento de caldo, lembramo-nos da torta de filtro. No entanto, existem outras perdas que, somadas, podem representar 0,5% da sacarose da cana, o que significa, para uma unidade que opera 200 dias por safra, um dia inteiro de trabalho destinado a essa perda.
Torta de filtro: O ideal é que a pol da torta seja, no máximo, 1,0, porém são comuns médias anuais em torno de 2,0 e, em casos extremos, até próximas a 4,0. Embora a pol da torta não represente perda em relação à pol que entrou na usina, é fácil perceber que estamos falando de perdas duas ou até quatro vezes maiores que a ideal. Quando a performance dos filtros não é boa, apresentando perdas significativas, é preciso identificar se a causa é operacional (temperatura da água, velocidade alta, etc.), ou dimensional (falta de área em relação à moagem), e eliminá-las, para que as perdas voltem ao valor mínimo.
Já o uso de prensa desaguadora nas usinas aumentou. Ela tem algumas características positivas, como caldo filtrado mais claro, menor pol da torta, requer menos atenção operacional, dentre outras. No entanto, existem também pontos negativos, como maior consumo de polímero e utilização de mais água na operação (lavagem da tela).
Temperatura e pH no tratamento do caldo: O ajuste de pH é importante para a decantação, porém existe uma relação entre o pH, a temperatura e a decomposição, ou inversão da sacarose. A decomposição da sacarose é a sua transformação em produtos que não são açúcares, pois não se cristalizam e nem se transformam em etanol; uma perda irreversível. A inversão é a transformação da sacarose em açúcares redutores, não cristalizáveis, mas fermentescíveis.
Assim, a inversão não é uma perda direta, pois os açúcares invertidos podem se transformar em etanol. Porém, uma inversão muito intensa leva à dificuldade de cristalização, à perda de eficiência, à redução da qualidade do açúcar e à contaminação da fermentação. O pH mais baixo significa mais inversão (cuja velocidade depende também da temperatura e do tempo de exposição), porém favorece a proliferação de bactérias que consomem açúcar e causam sérios problemas à fermentação. Na decantação, a temperatura do caldo é alta e o tempo de retenção, longo.
Essa combinação favorece a inversão, portanto o pH deve ser bem controlado, pois ele é o fator que varia mais facilmente e pode determinar as inversões. Nas faixas normais de pH e temperatura do tratamento de caldo, não existe decomposição de sacarose, porém, caso o pH chegue próximo de 7,6, esse processo se inicia. Chegar a esse nível de pH, no entanto, é algo muito raro, quase um acidente de controle do processo.
Pontos de estagnação: Embora esse assunto seja muito discutido nas unidades, é comum instalações que apresentem pontos de estagnação de caldo, tanto em tubulações quanto em equipamentos. Nesses pontos, mesmo com o processo operando continuamente, haverá material açucarado parado que favorecerá a proliferação de bactérias.
Os danos ao processo não se restringem a esses pontos em particular, mas ao processo como um todo, principalmente quando o volume estagnado sai desse estado e segue o processo. Os pontos de estagnação são resultantes do projeto da unidade, e os mais frequentes são trechos de tubos sem circulação, instalações das bombas reservas e tanques com fundo plano. Muito se progrediu nesse campo, porém ainda existe potencial de melhoria.
Liquidações e derramamentos: Paradas longas são inevitáveis e ocorrem principalmente nas chuvas durante a safra. Nessas paradas, o processo precisa ser esvaziado, ou liquidado, para que o caldo não deteriore. São perceptíveis, nos boletins de produção, as perdas que uma liquidação causa. Se ela for feita sem critérios, essas perdas serão ainda maiores. O corpo técnico da indústria deve preparar a instalação e os operadores, visando conduzir a liquidação da forma mais econômica possível.
A instalação deve ter tubos inclinados que possam ser liquidados, instalações próprias para liquidação, procedimentos formalizados e outros itens. Infelizmente, são poucas as instalações adequadas à liquidação, o que resulta em descarte significativo de material açucarado nas liquidações das unidades. Além das liquidações em paradas longas, existe a liquidação para limpeza dos aquecedores tubulares. É comum perder caldo nessa operação, pois as instalações nem sempre são adequadas, e os procedimentos nem sempre são seguidos.
Trocadores a placa admitem limpeza química e automatizada, mas são pouco utilizados pelas usinas. Contudo, qualquer que seja o tipo de aquecedor, a liquidação é um ponto de atenção e deve ser bem planejada e executada.Além das liquidações, existe a possibilidade de derramamento de caixas, uma perda considerada grosseira. A maior parte das unidades possuem tanques de caldo bem dimensionados e com bombeamento automatizado, eliminando o derramamento.
No entanto, a caixa de caldo filtrado é uma exceção, pois, mesmo em projetos novos, essa caixa costuma ter pouca altura e volume, além de não ter automação. Assim, pequenas variações de vazão podem causar cavitação nas bombas e derramamento do caldo. Ainda, o concreto do piso em torno da caixa de caldo filtrado não pode estar carcomido pelo derramamento de caldo.
Ganhos energéticos: O tratamento de caldo possui um bom potencial para aumentar a geração de eletricidade de uma unidade. Isso pode ser alcançado de duas formas: com a regeneração de energia térmica, que é a utilização de um fluxo a resfriar para aquecer outro fluxo, e a utilização de vapor vegetal de baixa pressão, que aumenta a eficiência da evaporação.
A regeneração mais comum é o trocador caldo/caldo, no qual o caldo clarificado destinado ao preparo do mosto troca calor com o caldo misto. Assim, o caldo misto é aquecido pela energia contida no caldo clarificado, que se resfria. Unidades que ainda não possuem esse trocador utilizam vapor, que deixa de produzir eletricidade, para aquecer o caldo misto, e água, para resfriar o caldo clarificado. Unidades que trabalham dessa maneira devem entender que realmente vale a pena a instalação do caldo/caldo, tanto pelo ganho térmico quanto pelo ganho em captação de água.
Outra regeneração de energia, menos utilizada, é o trocador caldo/vinhaça, que resfria a vinhaça aquecendo o caldo misto para fabricação de açúcar. Unidades que não possuem esse trocador aquecem o caldo misto com vapor e resfriam a vinhaça em torres de resfriamento. Ainda no campo das regenerações, existem unidades que possuem trocadores caldo/condensado. Eles aquecem o caldo misto com o condensado, que precisa ser resfriado para fazer a embebição, por exemplo.
Esse tipo de instalação não é muito comum e precisa ser analisada no balanço térmico específico da unidade. Já falando da utilização de vapores de pressão menor, existe um ponto da planta que, comumente, utiliza escape, que é o aquecimento do caldo antes do pré-evaporador e que pode passar a utilizar vegetal 1, pelo menos parcialmente.Com relação ao uso de outros vegetais, poucas unidades utilizam vapor vegetal 3, e raríssimas utilizam vegetal 4 ou 5 no seu processo.
Esse uso precisa atender a alguns requisitos, como emprego de trocadores adequados, automação, alguns recursos e treinamento dos operadores.Unidades que produzem açúcar e etanol e que vão fazer upgrade de pressão em suas caldeiras estão no melhor momento para pensar nesse tipo de aplicação.
Conclusão: Em sua maior parte, as perdas de sacarose no tratamento de caldo são sistemáticas e não podem ser eliminadas, apenas administradas. No entanto, por incrível que pareça, ainda existem perdas grosseiras, como derramamentos de caixas e descarte de materiais durante as liquidações. Atitudes administrativas, alguns recursos empregados nas instalações e cumprimento rigoroso de procedimentos técnicos podem reduzir essas perdas a um nível bastante adequado.
Quanto ao aproveitamento energético, não só no tratamento de caldo, mas também em outros pontos do processo, existem possibilidades de redução de consumo de vapor e consequente aumento de venda de eletricidade ou sobra de bagaço. Quase sempre, a introdução dessas melhorias energéticas requer investimentos em novos equipamentos. Assim, é necessário que a unidade interessada em aumentar sua performance energética faça um estudo específico, considere suas premissas técnicas, elabore balanços de energia, calcule seus investimentos e avalie o retorno financeiro antes de optar pela implantação. Decidir sem um estudo bem elaborado pode não trazer o retorno esperado.