Professor de Adubos e Adubação, Fertilidade e Conservação do Solo e Pedologia das Agrárias da FZEA/USP de Piracicaba-SP
OpAA70
O setor sucroenergético tem grandes oportunidades na ciclagem de nutrientes e na sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar, através dos subprodutos gerados na indústria, uma vez que os principais produtos, açúcar e etanol, são constituídos por C, H e O, e os demais nutrientes (N, P, K, Ca, Mg, S, B, Cu, Fe, Mn e Zn) estão presentes nos subprodutos torta de filtro, cinzas e vinhaça.
Considerando-se a safra na ordem de 600 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, verifica-se que setor gera, anualmente, quantidades vultosas de subprodutos, ou seja, cerca de 17 milhões de toneladas de torta de filtro e 300 milhões de m3 de vinhaça.
Como destaque atual para a utilização da vinhaça, podemos considerar o manejo denominado “vinhaça localizada”, que vem a ser a aplicação em faixa sobre as linhas de cana-de-açúcar, através de carretas-tanque tratorizadas ou com caminhão tanque, como uma prática que está crescendo de forma acelerada no setor, uma vez que apresenta as seguintes vantagens:
a. ganho de produtividade agrícola;
b. aumenta a produção de açúcar por hectare: fator econômico;
c. eleva a produtividade com o passar dos cortes;
d. incrementa a longevidade das soqueiras;
e. a utilização da vinhaça localizada possibilita substituir total ou parcialmente a adubação mineral com K, sendo que, para os demais, permite a adição de fontes minerais para realizar a adubação completa de macro e micronutrientes;
f. promove efeitos favoráveis sobre os atributos químicos, físicos e biológicos do solo: pH, CTC e SB, salinização, lixiviação, agregação e microbiota;
g. grande agilidade para aplicação em diferentes áreas agrícolas da usina;
h. nesse manejo, a vinhaça é considerada fertilizante organomineral, o que implica aspectos muito favoráveis sob o ponto de vista ambiental;
i. permite aumentar a área de aplicação da vinhaça, uma vez que a dosagem de K2O é feita considerando-se o teor encontrado na vinhaça versus a dosagem pretendida na adubação, pois, na aplicação da vinhaça, através de carretel enrolador, utiliza-se um fator de correção na ordem de 70% devido à uniformidade de aplicação do canhão hidráulico, perdas pelo vento e evaporação;
j. estudos estão em fase de avaliação para verificar a possibilidade de se agregar o controle de pragas através da aplicação vinhaça, dessa forma, julgamos que essa modalidade de utilização da vinhaça mostra-se uma prática de manejo que racionaliza a utilização do K nas áreas agrícolas, principalmente pelo momento atual que estamos enfrentando, de elevados preços e escassez do fertilizante cloreto de potássio (KCl), bem como ser ambientalmente mais adequado que o manejo anterior.
A torta de filtro vem a ser outro subproduto de grande interesse nas usinas e, nesses últimos anos, vem tendo sua utilização melhorada, através de processo de compostagem e enriquecimento com fontes de nutrientes minerais e orgânicas.
Trata-se de um fertilizante orgânico excelente, pois tem características químicas muito interessante para a nutrição da cana-de-açúcar, com relações C/N, C/P e C/S, que são indicadores de mineralização dos nutrientes, favoráveis para a utilização agrícola.
Para avaliar o processo de enriquecimento da torta de filtro com fontes minerais, utilizamos a metodologia do Etopec, que tem por objetivo verificar a viabilidade da prática agrícola através de três pilares: “técnico”, ou seja, se a cana-de-açúcar responderá favoravelmente em produção e/ou qualidade; “operacional”, se a usina tem infraestrutura para produção e aplicação; e “econômico”, se apresenta taxa de retorno econômica adequada.
Nesse sentido, os estudos do Etopec que temos feito atualmente têm apresentado respostas altamente favoráveis ao enriquecimento da torta de filtro ou composto (torta de filtro mais cinzas), pois a resposta agronômica da cana-de-açúcar aumenta em decorrência da associação de uma fonte orgânica de liberação lenta com uma fonte mineral de liberação mais imediata, de forma tal a atender a marcha de absorção da cana-de-açúcar, que é uma cultura de ciclo de 365 dias.
Outro aspecto favorável é a redução da dosagem do fertilizante organomineral nas áreas agrícolas com o mesmo aporte de nutrientes, o que leva à redução do custo de transporte e de aplicação no campo, que são dois componentes de custo que têm grande impacto nesse manejo.
E, por fim, a questão econômica, que, atualmente, fica muito competitiva devido aos altíssimos preços dos fertilizantes minerais no período pós-pandemia, no contexto global, além de reduzir a dependência das commodities fertilizantes, pois podemos utilizar fontes nacionais de fósforo e potássio parcialmente solúveis.
Outra prática de manejo no que diz respeito à nutrição da cana-de-açúcar, que tem tido destaque no contexto atual, é a adubação foliar, que apresenta taxas de crescimento altamente significativas nos últimos anos − segundo dados da Yara Fertilizantes, cresceu, em média, 50% ao ano, entre 2012 e 2018.
A adubação foliar em cana-de-açúcar atualmente tem sido utilizada em contextos diferentes, a saber:
a. para desenvolvimento vegetativo;
b. como pré-maturador; e
c. para reduzir o estresse biótico a abiótico.
A utilização da adubação foliar visando ao desenvolvimento vegetativo para se ganhar produtividade é uma prática que já foi utilizada em décadas passadas, normalmente aplicada nos meses de novembro e dezembro, antecedendo o período de maior acúmulo de massa verde da cana-de-açúcar, que pode atingir, em janeiro, cerca de 1 t/ha/dia.
Essa prática foi retomada há cerca de 10 anos, e os resultados têm sido muito favoráveis, inicialmente com uma aplicação no verão e atualmente com duas, pois, geralmente, a cana-de-açúcar responde em produtividade. A prática é de ágil aplicação no campo por ser feita com avião e apresenta bom retorno econômico.
A adubação foliar denominada de “pré-maturador” é uma prática mais recente, cujos estudos iniciaram com a utilização do boro, que é um nutriente importante no processo de maturação da cana-de-açúcar; posteriormente, os estudos evidenciaram a participação de outros nutrientes no processo, tais como Mg, K, P, N e Mn.
O manejo da aplicação é feito cerca de 30-45 dias antes da colheita, podendo ou não ser associado com o maturador convencional. Essa modalidade de aplicação foliar aérea para maturação é muito interessante em locais nos quais se tem restrição para a aplicação dos maturadores convencionais, como quando se tem cultivos próximos que são sensíveis aos maturadores convencionais.
A utilização da adubação foliar como antiestresse é um manejo mais recente e em fase de pesquisa, inclusive com estudos visando ao melhor posicionamento dessa prática. Trata-se de um manejo que tem por objetivo manter o dossel foliar “verde”, ou seja, fotossinteticamente ativo, objetivando minimizar os efeitos danosos, principalmente dos estresses hídrico e térmico.
Quanto ao seu posicionamento, tem sido avaliada a aplicação antes do início da época seca na região Centro-Sul do Brasil, ou seja, nos meses de abril e maio, para manter o dossel foliar verde e, dessa forma, evitar a redução de produção que ocorre nos canaviais nessa época da safra, ou seja, é uma prática para se evitar a perda de produção e não ganho. Nesse sentido, têm-se realizado pesquisas utilizando-se fertilizantes foliares minerais, associados ou não com bioestimulantes.