Há quase duas décadas, os canaviais da região Centro-Sul vêm sendo cuidadosamente observados, ano após ano, por meio de imagens adquiridas por satélites que orbitam ao redor do nosso planeta. Desde o início do último ciclo de expansão das lavouras de cana-de-açúcar, essas imagens têm prestado um serviço relevante ao setor sucroenergético, no sentido de dar transparência a questões socioambientais e fornecer subsídios à estimativa da produção de matéria-prima em meio a um processo de intensa ampliação da área cultivada com cana-de-açúcar.
Com o início do novo ciclo de produção de etanol, sob a bandeira de redução da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), houve, inicialmente, uma reação contrária no meio científico, alegando que a mudança de uso da terra provocada pelo cultivo da cana-de-açúcar poderia trazer mais prejuízo do que benefício, em termos de mitigação de GEE, caso estivesse relacionada direta ou indiretamente com a supressão de vegetação nativa.
Porém esse argumento caiu por terra mediante uma criteriosa quantificação realizada por meio de imagens de satélites provando que a conversão direta de cana-de-açúcar para outros usos ocorria majoritariamente sobre pastagens, em menor proporção sobre lavouras temporárias e praticamente nula sobre vegetação nativa.
Quanto ao argumento da conversão indireta, alegando que a perda de pastagens em regiões tradicionais de pecuária provocaria a derrubada de florestas na fronteira agrícola, ele foi refutado pela constatação do decréscimo das taxas anuais de desmatamento na Amazônia que despencaram a partir de 2004. Além disso, a pecuária vem passando, desde então, por um processo de intensificação de uso da terra, aumentando o número de cabeças por hectare e diminuindo o tempo de abate.
As imagens de satélite também desempenharam um importante papel na avaliação da eficácia do compromisso do setor sucroenergético em eliminar a prática da queima da palha na pré-colheita. Entre 2007 e 2014, o setor conseguiu implantar a colheita mecanizada, em praticamente toda área canavieira, cumprindo de forma voluntária com o acordo estabelecido dentro do prazo estipulado para o estado de São Paulo.
Mais recentemente, as imagens de satélite foram utilizadas para estimar a extensão do uso da irrigação e fertirrigação no cultivo da cana-de-açúcar no Brasil, mostrando que a adoção da irrigação ocorre em regiões de maior deficiência hídrica e, no Centro-Sul, apenas 2,7% dos canaviais recebem irrigação, enquanto a fertirrigação chega a 30% da área cultivada.
O plano traçado pelo setor sucroenergético de se tornar um grande produtor de etanol, sem deixar de continuar na liderança mundial de produção de açúcar, exigiu do setor agrícola um grande esforço para atender à crescente demanda de cana-de-açúcar por parte do setor industrial. No entanto, dada a magnitude da demanda, esse esforço esbarrou em diversas limitações que tiveram como consequência a gradativa redução da produtividade agrícola, compensada mediante a continuada ampliação da área canavieira.
A área cultivada com cana-de-açúcar e disponível para colheita no início de cada safra vem sendo mapeada com elevado grau de assertividade por meio de imagens de satélite ao longo das últimas 17 safras. Com base nessa estimativa de área cultivada e da produção anual de cana-de-açúcar moída pelas unidades industriais, pode-se chegar a uma estimativa precisa da produtividade média anual em toneladas de cana por hectare (TCH).
Ao analisarmos o histórico da produção de cana-de-açúcar desde a safra 2003/2004 até a safra a 2019/2020, com base nos dados divulgados pela Unica, notamos que a produção quase dobrou nesse período, passando de 299 para 590 milhões de toneladas de cana.
No entanto a área cultivada e disponível para colheita ao longo desses 17 anos aumentou em 140% para compensar a perda de produtividade agrícola, que decresceu no período a uma taxa média de 1,23 tonelada por hectare ao ano – com destaque para o período de sete anos, de 2005/2006 a 2011/2012, quando a perda foi de 3,2 toneladas por hectare ao ano. Ao longo dos últimos 9 anos, a produtividade agrícola tem-se mantido estável, com algumas oscilações, para cima em 2013/2014 e para baixo em 2018/2019.
Já na safra 2019/2020, houve uma boa recuperação da produtividade, resultando numa produção que deve chegar a 17 milhões de toneladas de cana-de-açúcar acima daquela observada na safra anterior, apesar da redução da área disponível para colheita da ordem de meio milhão de hectares. Essa redução em área se deve principalmente à maior incidência de renovação com cana-de-ano-e-meio e, em menor proporção, à conversão de canaviais para grãos e outros usos da terra.
Apenas como curiosidade, foi interessante observar que, antes do início da safra 2019/2020, 23 empresas apresentaram suas estimativas de moagem de cana e somente uma delas estimou a produção acima dos 590 milhões de tonelada observadas à véspera do encerramento da safra.
Como o desempenho da produtividade da safra anterior (2018/2019) esteve entre os valores mais baixos da série histórica, as estimativas para a safra seguinte foram bastante cautelosas, mas os canaviais apresentaram um rendimento bem acima do esperado, resultando na maior produtividade observada nos últimos 6 anos.
Isso é, sem dúvida, consequência de uma condição climática favorável associada à melhoria de uma porção significativa dos canaviais que vem recebendo investimentos em renovação e adoção de novas tecnologias. As imagens de satélite retratam bem a diversidade da qualidade dos canaviais. Observamos canaviais de excelente aspecto, cuja produtividade certamente está próxima dos três dígitos, mas também observamos canaviais com alta incidência de falhamento e de ervas daninhas, cuja produtividade tende a níveis muito baixos.
A extensão da área cultivada com cana-de-açúcar na região Centro-Sul, no início da safra 2019/2020, foi de 9,93 milhões de hectares, e inclui áreas de reforma, muda e carreadores. Os estados de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e Mato Grosso representam mais de 99% dessa área, que está distribuída em 863 municípios, sendo que apenas 12 deles representam 10% da área canavieira.
O município com maior área de cana-de-açúcar é Uberaba, com 107,4 mil hectares que ocupam 23,7% da área do município; em segundo lugar, está Morro Agudo, com 106,5 mil hectares que ocupam 76,7% da área do município.