Há uma forte indicação de que o ponto de inflexão da crise do setor sucroenergético foi superado. Os preços do etanol e do açúcar nos mercados interno e externo nos mostram isso. Entre os meses de agosto e outubro, o preço do hidratado ao produtor em São Paulo passou de R$ 1,18 para mais de R$ 1,53 por litro, e o preço do açúcar, de R$ 48,00 para mais de R$ 75,00 por saca de 50 kg.
A recuperação dos preços, assim como a temperatura, está para o corpo de um paciente, é o sintoma. As causas podem ser atribuídas, em primeiro plano, ao vigor do consumo de etanol, que, nos primeiros oito meses de 2015, indicaram incremento de 41,4% no caso do hidratado e estabilidade no consumo de anidro, em relação a igual período do ano passado. Em segundo plano, a recuperação do preço do etanol é explicada pela valorização do etanol no mercado externo.
O preço do açúcar tem respondido, neste momento, à regra geral de acompanhar o preço de oportunidade do fornecedor marginal. Esse fornecedor é, via de regra, o Brasil, pela capacidade de alterar o mix de produção e, dessa maneira, o volume marginal de açúcar colocado no mercado. E o preço de oportunidade é o preço do etanol, que define a remuneração alternativa que o produtor recebe ao invés de produzir açúcar. Soma-se a esse efeito a percepção do mercado de que, definitivamente, entramos na safra mundial 2015/2016 em um ciclo de déficit, num ano em que o El Niño afeta a oferta de cana na Índia e na Tailândia e em que os estoques mundiais começam a cair também pela redução da produção na União Europeia e na China.
O aumento do consumo interno de etanol hidratado mostra a rápida resposta do consumidor a estímulos de preço. A relação de preço entre o hidratado e a gasolina caiu para a faixa de 62% a 64% em São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, e isso foi suficiente para que o consumo mensal atingisse a média de 1,5 bilhão de litros, chegando a 1,57 bilhão de litros em agosto.
A relação de preço voltou a ser favorável pela recuperação parcial da Cide, em 15 de fevereiro, para R$ 0,22 por litro e pelo baixo preço do etanol ao produtor, pressionado pela necessidade de geração de caixa na safra. Em alguns estados importantes, como Minas Gerais, essa relação ficou favorável também pela alteração do regime de ICMS, beneficiando o etanol em relação à gasolina. Movimentos na mesma direção já ocorreram, ou estão em fase de implementação, nos estados da Bahia, Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Alagoas.
É uma possível reação dos governos estaduais ao espaço que o Governo Federal deixou aberto ao reduzir a carga fiscal sobre a gasolina, num cenário em que todos precisam encontrar fontes adicionais de arrecadação. Mas é também um reconhecimento da contribuição que a cana e o etanol oferecem para as economias locais, e o seu enorme efeito multiplicador no comércio e na indústria.
É interessante observar que essa recuperação ocorre no momento em que o petróleo e a gasolina continuam com preços relativamente baixos em dólares. O petróleo WTI continua com preço abaixo de US$ 50 por barril, e a gasolina RBOB, nos EUA, na faixa de US$ 1,40 a US$ 1,50 por galão. Esses preços são bem menores do que os observados até pouco tempo, quando superavam US$ 100 por barril e US$ 2,60 por galão, respectivamente.
O que mudou foi a taxa de câmbio, o preço mais importante para o setor sucroenergético. A taxa de câmbio de R$ 1,56 por dólar foi mortal para a competitividade do etanol com a gasolina nos mercados interno e externo, e para o açúcar brasileiro no mercado externo. A nova realidade cambial entre R$ 3,80 e R$ 4,00 por dólar compensou, de certa forma, a queda nos preços do petróleo e da gasolina. As unidades produtoras que conseguiram segurar produto para venda a partir de setembro terão a oportunidade de capturar uma boa parte dessa recuperação de preços. No entanto atenção total ainda é necessária para a amortização das dívidas, inclusive a parcela referenciada a dólar, que foi afetada pela desvalorização do real.
A recuperação de preços pode não ter se encerrado ainda. Existe a possibilidade de a Cide ser novamente elevada até o final do ano. A Datagro mostrou com gráficos muito interessantes, na sua conferência anual em setembro deste ano, que, para recuperar o nível real da Cide praticada até 2008, seria necessário um aumento adicional de cerca de R$ 0,50 por litro. Esse valor coincide com avaliações realizadas pelos produtores com base na externalidade ambiental do etanol produzido no Brasil.
O Governo Federal resiste a um novo aumento da Cide, dando preferência ao caminho da CPMF para compensar o déficit fiscal previsto para 2016. No entanto a resistência do Congresso e da comunidade empresarial à CPMF pode fazer com que o governo não tenha alternativa senão a Cide para evitar um novo rebaixamento da nota soberana e a consequente perda do grau de investimento, o que obrigaria a saída de um volume considerável de capital aplicado em moeda forte.
A superação do ponto de inflexão da crise não significa que foram retomadas condições plenas para o início de um novo ciclo de expansão da capacidade de moagem. Ainda permanece sem definição uma política fiscal estável, previsível e transparente para o mercado de combustíveis. Mas existem grandes oportunidades de captura de valor com tecnologias agrícolas e industriais que já têm sido aproveitadas por vários produtores, e outros novos externos que se sintam estimulados a capturá-los serão os agentes da consolidação que deve continuar avançando no setor.