Diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia
Op-AA-21
A matriz energética brasileira é, inegavelmente, exemplo para as grandes economias do mundo. Nela, destaca-se principalmente a participação dos recursos energéticos renováveis, atualmente de mais de 45%, entre todas as fontes primárias de energia no país. Falar de matriz energética é falar de segurança energética e, em última análise, de soberania nacional. Não é um tema estático.
Com isso, quero dizer que não se trata de um tema que seja um dado da realidade imutável para o nosso país, mas sim que se trata de uma construção, dinâmica, de condições para que se possa assegurar a oferta de energia, de preferência cada vez mais limpa, para que se tenha, a partir daí, a base do crescimento econômico sustentado.
Foi com base nessa visão que, acertadamente, a Unica, ao formatar o Ethanol Summit 2009, decidiu abordar esse tema, trazendo para a mesa de debate representantes do Poder Executivo, do Poder Legislativo e da iniciativa privada. O Estado não participa do processo produtivo, mas atua de modo decisivo na ação reguladora, dentro de um contexto de economia de mercado, articulando um modelo de desenvolvimento que possa trazer para a sociedade amplos benefícios econômicos, sociais e ambientais.
Da mesa da qual participei foi moderadora a Subchefe Adjunta de Articulação e Monitoramento da Casa Civil do Governo Federal, Tereza Campello; e foram palestrantes o Deputado Federal e ex-Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, o Diretor do Departamento de Agroenergia do Ministério da Agricultura, Alexandre Strapasson, e o Vice-presidente do Sindicom, Alísio Vaz.
Atualmente, os produtos da cana-de-açúcar são o segundo maior energético do país, sendo responsável por 16,7% da oferta interna de energia no Brasil, em 2008. Perdem apenas para o petróleo e seus derivados (37,6%), tendo ultrapassado a hidreletricidade (14%), e constituem-se, assim, como a principal fonte energética renovável para o país.
Em que pese a participação cada vez maior do bagaço de cana-de-açúcar na cogeração de energia elétrica nas usinas produtoras de etanol e açúcar, é a participação do etanol na matriz de combustível a grande responsável pela posição de destaque dos produtos da cana-de-açúcar na matriz energética. Dessa forma, o primeiro ponto abordado no debate foi precisamente a necessidade de se dotar o país de um marco regulatório que trate o etanol no contexto da legislação de combustíveis.
Como primeiro palestrante, o Deputado Antônio Palocci enfatizou a importância estratégica de dotar o país de instrumentos legais capazes de elevar o etanol à categoria de combustível, o que facilitaria sobremaneira a "comoditização" do biocombustível. Esse, aliás, é um ponto de fundamental importância na estratégia brasileira de promoção dos biocombustíveis no mercado internacional.
O etanol brasileiro tem todas as condições para competir com seu concorrente fóssil, a gasolina, e para estabelecer um modelo de comercialização compatível com a escala de abastecimento no mercado de combustíveis. A política energética brasileira, estabelecida na Lei 9.478/97, é clara em seus princípios, quais sejam: assegurar o suprimento energético de longo prazo, buscar a modicidade dos preços dos energéticos, promover a manutenção da competitividade da indústria local e levar em consideração as mudanças climáticas e o meio ambiente.
Nesse contexto, a participação dos biocombustíveis é fundamental. A mesma lei também evidencia isso ao, textualmente, orientar a política energética no sentido de incrementar a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional para:
1. promover a segurança energética com menor dependência externa;
2. proteger o meio ambiente;
3. proteger os interesses do consumidor através da regulação e fiscalização do órgão regulador, e
4. promover a livre concorrência.
E quais são os instrumentos capazes de promover essa política energética? Ou, usando a pergunta colocada no painel para esse debate, como o poder público pode contribuir? A resposta está, em parte, no planejamento indicativo, capaz de nortear as ações de governo e da iniciativa privada. Outra dimensão importante, que está situada na governança do poder público, é a oferta de um marco regulatório estável e compatível com o mercado em que se insere.
Outras opções incluem a criação de mercados específicos mandatórios - mais importante hoje, no Brasil, no caso do biodiesel, a política tributária, capaz de corrigir distorções de mercado, e, finalmente, linhas de financiamento e incentivos econômicos. Por fim, mas não menos importante, é a que diz respeito às questões de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação para a produção sustentável de biocombustíveis.
Este, que foi um vetor determinante para que o Brasil alcançasse a liderança que hoje representamos nesse setor, certamente é estratégico e deve estar presente em qualquer modelo que se estabeleça, para promover e induzir uma maior representação dos biocombustíveis, na matriz energética nacional. Para que o Brasil possa continuar sua trajetória de sucesso na produção e utilização de biocombustíveis, há, portanto, um grande desafio à frente. Pretendemos ampliar a utilização do etanol na matriz energética.
Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia - PDE, publicado pelo Ministério de Minas e Energia, espera-se um aumento da demanda total por etanol em torno de 11,3% ao ano, até 2017. Se essa expectativa for confirmada, a produção brasileira de etanol dará um salto de 27 bilhões de litros ao ano, em 2008, para 64 bilhões de litros, em 2017. Assim, o etanol poderá representar 80% dos combustíveis líquidos utilizados em veículos leves no Brasil na próxima década.
Outra ferramenta para o planejamento das ações de governo dá a noção precisa do desafio que se impõe para o Brasil. O Plano Nacional de Energia 2030 aponta um aumento da oferta interna de energia de 218 milhões de TEP (em 2005) para mais de 557 milhões de TEP em 2030. De acordo com o mesmo documento, o país deverá contar com uma parcela renovável de 46,5% em 2030. A participação dos produtos da cana-de-açúcar aumenta de 13,8% (em 2005) para 18,5% em 2030.
Ou seja, o Brasil deverá mais que triplicar a produção de energia a partir da biomassa, para atingir a participação prevista no planejamento setorial, saltando de uma participação de 30 milhões de TEP (em 2005) para mais de 103 milhões de TEP em 2030. Esses números comprovam que a cana-de-açúcar terá um papel ainda maior como energético no Brasil. Seu potencial é conhecido por todos nós que defendemos continuamente sua expansão em base sustentada, precisamente porque o conteúdo energético da cana, por tonelada cultivada, é bastante expressivo.
Na safra passada, mais de 570 milhões de toneladas de cana-de-açúcar foram colhidas. Em tese, isso representa quase 700 milhões de barris equivalentes de petróleo, considerando que o conteúdo energético potencial da cana seja de 1,2 barril de petróleo equivalente por tonelada. Para que possamos fazer uma comparação, em 2008, o Brasil produziu 687 milhões de barris de petróleo.
Fica evidente que a cana-de-açúcar tem e terá uma importância no setor energético cada vez maior. Por isso, será necessário que o setor privado e o governo possam tratar a cana-de-açúcar como energético que é dotar o país de um marco regulatório capaz de corresponder a essa realidade. Não se pode pensar a realidade dos produtos da cana-de-açúcar no horizonte de uma safra, mas sim no médio e longo prazo, porque a sociedade demanda segurança energética capaz de conferir ao país as condições de um crescimento sustentado.
Da parte do poder público, as portas para o diálogo construtivo estarão sempre abertas, e restou evidente desse painel no Ethanol Summit que todos concordam com a necessidade de se aperfeiçoar o marco regulatório do setor. Mais do que nunca, este é o momento e esta é a oportunidade para que o Brasil ocupe seu devido espaço na arena internacional.