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Alexandre Enrico Silva Figliolino

Diretor Comercial do Itaú BBA

Op-AA-31

Não é possível que sejamos tão incompetentes

Faço aqui uma breve retrospectiva dos últimos anos, narrando o que se seguiu à aguda crise financeira por que passou o mundo em 2008/09, que  atingiu  o setor sucroalcooleiro num momento de pico de alavancagem, em função de estar em meio a um pesado ciclo de investimento e com níveis de preços praticados nos anos 2007 e 2008, tanto no açúcar quanto no álcool, bastante inferiores às médias históricas.

O período seguinte, a fase mais aguda da crise, foi marcado pelo esforço de conclusão de investimentos que estavam em andamento. Além disso, ocorreram:

1. um forte ciclo de recuperação de preços a partir da metade de 2009, notadamente no açúcar;
2. reestruturação de passivos das usinas feita pelo mercado financeiro sob a coordenação do BNDES;  
3. um ciclo, nunca visto, de operações de M&A  que provocaram a mudança de mãos de mais de 150MM de ton de capacidade de produção.

Essa onda de M&A aconteceu graças ao interesse de grandes corporações, principalmente tradings, petroleiras e players nacionais bem posicionados, em entrar ou ampliar seus ativos no setor, e,  certamente, isso aliado à recuperação de preços evitou uma quebradeira sem precedentes.

O ciclo elevado de preços contou com uma ajuda não desejável, que foram as intempéries climáticas com um 2009 excessivamente úmido, 2010 e 2011 excessivamente secos, este último ainda com incidência de geada e florescimento de parte do canavial. Além disso, o acelerado ritmo de crescimento na mecanização de colheita e plantio trouxe desafios agronômicos que estão, aos poucos, sendo superados.

Se, por um lado, a redução de oferta favoreceu os preços, por outro, provocou um extraordinário aumento de custos, chegando o custo médio do açúcar no Centro-Sul FOB Santos a inacreditáveis 21cents/lb em 2011.

Após essa série de acontecimentos nos últimos três  anos, temos uma fotografia do setor sucroalcoleiro que nos permite dividi-lo em blocos.

No primeiro bloco,  que chamaria de "Os Líderes", coloco aqueles grupos que  têm um tamanho considerável,  estão fortemente capitalizados e estão inseridos em poderosos grupos econômicos com grande capacidade de atração de capital e visibilidade. Nesse time, estão aqueles que, com certeza, estarão na liderança de qualquer ciclo de crescimento ou processo de consolidação, além  de serem os líderes no campo da inovação.

No segundo bloco, que chamaria de “Os Campeões Nacionais”, coloco aqueles grupos já tradicionais do setor que, por estarem bem estruturados do ponto de vista de recursos humanos, operacionais (principalmente agrícola) e financeiros (alavancagem dentro do razoável), souberam aproveitar esse ciclo de preços altos para reduzirem seus endividamentos.

Esse grupo de empresas  continuou a realizar, nos últimos três anos,  investimentos de menor monta, mas bastante necessários, e, com isso, adquiriram musculatura que os tornam  aptos a participar, de forma sustentável, de um novo ciclo de investimento.

Num terceiro bloco,  que chamaria de "Os Remediáveis", coloco  as empresas também tradicionais do setor, que, por terem saído da crise com um nível de alavancagem acima do desejável  e por estarem com sua operação produtiva ainda em fase de reorganização, se fizerem a lição de casa  de forma disciplinada, terão  todas as condições de passar para o bloco dos Campeões em curto intervalo de tempo e também de participar do novo ciclo de crescimento.

Num quarto bloco, coloco aquelas empresas, a maioria internacionais, que têm sondado frequentemente o mercado e participado de alguns processos de M&A e que, em decidindo investir no setor sucroalcooleiro, por se tratarem de grandes tradings/petroleiras, teriam uma grande contribuição a dar num novo ciclo de crescimento.

Num quinto e último bloco, coloco aqueles grupos que, por uma série de motivos, sejam de ordem financeira, sucessória ou má gestão e por estarem numa situação de elevada desestruturação, tendem, no curso normal das coisas, deixar o setor, seja via venda  dos seus ativos para outros grupos mais aptos ou seja simplesmente via encerramento das atividades. Nos meus cálculos, esse bloco representa aproximadamente 15% do CS ou quase 100MM de ton de capacidade de moagem.

Os três primeiros blocos, que é com quem podemos contar no momento para retomar o crescimento, em minhas estimativas, são responsáveis hoje por aproximadamente 85% da capacidade de moagem do Centro-Sul e, sem dúvida, são uma base extraordinária e suficientemente forte para praticamente dobrar o setor de tamanho até 2020, atingindo a almejada 1 a1,2 bi de ton de capacidade de moagem no CS.

Posto isso, onde nos encontramos neste exato momento, em termos de disposição, para retomar um novo ciclo de crescimento?

Infelizmente, ainda não estamos no ponto de pensar em crescer de forma mais robusta. Isso porque:    

1. Em primeiro lugar, o setor está atravessando uma grave crise agrícola, área para onde todas as atenções das empresas estão voltadas neste momento. Aquele velho ditado setorial que diz “moenda que não moi cana, moi o dinheiro do dono” é em função do que essa subocupação representa em termos de aumento dos custos.

Recuperação e expansão do canavial são hoje o investimento mais óbvio e de retorno mais rápido, que permitirá ao setor ocupar  a sua capacidade industrial instalada, já investida de 630MM de ton, representando, só isso, uma capacidade adicional de quase 140MM de moagem em relação à ocorrida na última safra. Para isso, contribui de forma decisiva a oportuna linha Prorenova recém-lançada pelo BNDES.

2. Em segundo lugar, as empresas, antes de se lançarem num vigoroso ciclo de crescimento, têm ainda como opção investir na melhoria, desgargalamento, flexibilização de mix e expansão de suas atuais plantas. São investimentos com valores unitários bem inferiores aos greenfields e que levam normalmente a uma saudável redução de custos e acabam fazendo sentido, mesmo num horizonte totalmente turvo como o que vivemos hoje.

3. Em terceiro lugar, o ciclo de crescimento anterior deixou profundas marcas, pois vários grupos acabaram, no meio do caminho, sendo abatidos pela crise de 2008. Além disso, o cenário econômico mundial, por mais que ainda não tenha tido grandes consequências sobre o Brasil, assusta qualquer gestor minimamente responsável e torna  todos mais conservadores e avessos a risco. Afinal de contas, "em rio cheio de jacaré, macaco toma água de canudinho".

4. Por último, os dois grandes vetores de crescimento de demanda que seriam o etanol, de longe o mais importante, e a bioeletricidade, não contam com políticas públicas e planejamento de longo prazo que encoragem ninguém responsável a se embrenhar numa região de fronteira com todas as dificuldades, hoje bastante conhecidas, e investir US$ 130/150 milhões num greenfield com retorno próximo de zero ou negativo.

Porém temos muita confiança em que as boas cabeças do governo, aliadas às boas lideranças do setor, saberão construir, num prazo não muito longo, ainda neste semestre, uma política que, no caso da bioleletricidade, contemple leilões separados por fonte e, se possível, por região, estímulos fiscais para aquisição de equipamentos e soluções para problemas de conexão, de forma a retribuir à biomassa as fantásticas externalidades que possui e que são já bem conhecidas.

Ao renovável etanol também é necessário que o governo devolva os estímulos de ordem tributária que o diferenciem do combustível fóssil gasolina. Uma política clara de definição de preços, mesmo que administrados, que deem aos agentes econômicos segurança em relação às regras que estarão em vigor, absolutamente vital num setor de alta volatilidade, intensivo em capital e com prazo longo de maturação dos seus investimentos.

Se tivermos sucesso, estaremos sabendo aproveitar esse momento mágico criado pelas oportunidades que se abriram nos últimos tempos .  

Não é possível que sejamos tão incompetentes.