Presidente da Datagro
Op-AA-29
Desde que se decidiu promover no Brasil a produção e o consumo em larga escala de etanol de biomassa, com a introdução de medidas de governo para criar as condições iniciais para o seu desenvolvimento, a produção de etanol cresceu de 0,56 para 27,37 bilhões de litros, entre 1975 e 2010. A produção de etanol multiplicou 48 vezes, enquanto, no mesmo período, a produção de açúcar cresceu apenas 5,4 vezes, passando de 5,9 para 38 milhões de toneladas.
A moagem de cana para uso industrial – excetuada a cana usada como forragem e a direcionada para aguardente – cresceu 8 vezes, passando de 68 para 620 milhões de toneladas, e a produção de açúcares totais recuperáveis (ATR) cresceu 11 vezes, de 7,1 para 86,9 milhões de toneladas, graças aos ganhos de produtividade atingidos no período.
O último grande salto em escala aconteceu depois de totalmente liberalizado o mercado e reduzida a intervenção do governo a níveis mínimos, a partir de 1999, quando a moagem de cana ainda era de 307 milhões de toneladas. Mas foram nas sofridas décadas de 80 e 90, que foi construída, a duras penas, a condição para o usufruto dos benefícios da diversificação do então tradicional setor açucareiro na direção do etanol.
Duras penas, principalmente pelo efeito da intervenção do governo nos preços da cana, do açúcar e do etanol, que, por vários anos, obrigou produtores a venderem sua produção a preços 30% a 40% abaixo dos custos médios de produção, aliás levantados pelo próprio governo, fazendo com que o setor privado transferisse para a sociedade muito mais renda do que recebeu no período nascente do Proálcool.
Desde a liberalização dos mercados de cana, açúcar e etanol no Brasil, em 1999, a produção de etanol tem evoluído em linha com o que ocorre no mundo. A produção mundial de etanol deve atingir, em 2011, 108,42 bilhões de litros, o que representa 83,8% da produção total de biocombustíveis (etanol mais biodiesel). Em 2000, o volume produzido era de 29,56 bilhões de litros de etanol.
A maior parte desse etanol, 88,1%, equivalentes a 95,5 bilhões de litros, estará sendo utilizado para uso combustível. Em 2000, esse percentual era de apenas 64,1%. E é natural que tenha sido assim, pois o mercado de energia, e de combustíveis líquidos em particular, é muito maior do que os mercados que demandam etanol para usos industriais. O que impressiona é que o etanol de biomassa já não é mais aquele combustível exótico e irrelevante em termos estatísticos.
Levando-se em conta que o consumo mundial de gasolina é de 1,2 trilhão de litros por ano, o uso de etanol como combustível já representa respeitáveis 8% do consumo mundial de combustíveis do ciclo Otto.
No Brasil, em 2010, o etanol utilizado para fins combustíveis – o anidro misturado à gasolina na proporção de 25% em volume, e o hidratado utilizado no que ainda restou da frota movida exclusivamente a álcool e na frota flex – representou 44,5% do consumo de combustíveis do ciclo Otto, em gasolina equivalente.
Com a penetração crescente do etanol de biomassa no pool de gasolina dos EUA e União Europeia, é apenas uma questão de tempo para que o etanol passe a ser utilizado em quase todos os países do mundo, pelo menos inicialmente em mistura com a gasolina, desde que haja condições mínimas de regulação e de liberdade para sua produção e/ou comercialização.
Embora o etanol ainda não reúna as condições básicas para ser considerado uma commodity, a tendência é de que o comércio internacional ganhe impulso, principalmente com a perspectiva de liberação do mercado norte-americano e a abertura de oportunidades para potenciais fornecedores de etanol de biomassa produzido de forma descentralizada em varios países do globo.
No Brasil, o mercado de etanol teve um marco divisório importante com a introdução, em março de 2003, dos veículos flexíveis. O mercado passou a ser regulado definitivamente via preços.
Até o final da atual década, praticamente toda a frota de veículos leves será composta por veículos flex, que servirão como uma “esponja de sacarose”, ou um sugar sink, capaz de absorver volumes significativos de sacarose, ou de cana, caso os preços induzam os consumidores a essa direção.
Enquanto nas décadas de 80 e 90, via de regra, se verificaram sistemáticos excessos de oferta, pressionando os mercados interno e externo com a expansão de produção brasileira motivada pelo objetivo de ganhar cada vez maior escala de produção, e com isso reduzir custos, pelo menos no horizonte que se consegue antever, devemos conviver com uma demanda que estará latente, esperando a oportunidade de se materializar, dependendo dos preços de mercado de etanol, de gasolina e de açúcar.
Com premissas conservadoras a respeito da participação do Brasil nos mercados mundiais de açúcar e de etanol e a respeito da evolução do uso de etanol para usos alcoquímicos, a Datagro antevê que, até 2020, a demanda por cana no Brasil deva atingir 1,23 bilhão de toneladas, o que é praticamente o dobro do volume processado em 2010.
A demanda por etanol passaria a 71,6 bilhões de litros, e a proporção da cana processada para etanol passaria dos atuais 54,1% (Brasil, 2010) para 68,5%. O açúcar passaria, definitivamente, a ter um papel menor no mix de produção.
A moagem de cana, que dobrou na década de 2000-2010, precisaria dobrar novamente entre 2010 e 2020. Os grandes desafios desse processo serão o de obter o licenciamento para permitir a expansão industrial, convencer uma nova leva de agricultores a investir na expansão agrícola e financiar os investimentos necessários.
A expansão de mais 600 milhões de toneladas de cana irá requerer investimentos de 90 bilhões de dólares nos próximos 7 anos. Considerando uma relação entre capital próprio e de terceiros de 40-60, serão necessários financiamentos de 7,7 bilhões de dólares por ano. O desafio será alocar recursos financeiros suficientes e de forma responsável e eficiente durante esse processo. Caso isso não ocorra, permanecerá a demanda latente e a oportunidade a ser capturada no futuro.