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Benno Kialka

Diretor da Linkwork Tradutores & Intérpretes

Op-AA-08

O consumidor e o álcool carburante

A relação dos consumidores brasileiros com o álcool carburante já é uma história de 30 anos. Ela teve início com as crises do petróleo nos anos 70, e evoluiu através de distintas fases, até os dias atuais. Na ótica do consumidor, a relação passou da fase de juras de amor eterno, ao divórcio, à reconciliação e, atualmente, à convivência madura, predominantemente harmoniosa. De fato, a relação inicial configurou-se no âmbito do Pro-álcool, criado pelo Governo Federal em 1975, como a resposta brasileira à crise do petróleo.

A relação ia muito bem naquele período inicial: o Pro-álcool era um programa bem sucedido, que resolveu uma situação pontual adversa - o alto preço do petróleo. Representou um ponto alto da capacidade do País, o de implementar uma ação de política pública de tamanha complexidade. Estimulou a economia nacional sob vários aspectos, desde a expressiva economia em divisas, passando pela criação de mais de um milhão de empregos diretos, culminando, por fim, no desenvolvimento de uma nova tecnologia genuinamente nacional.

A nova tecnologia impulsionou a indústria local de bens de capital e serviu de estímulo à criatividade dos departamentos de engenharia da indústria automobilística. O Pro-álcool atingiu seu ponto alto em 1986, quando 95%, ou 5 milhões de veículos nacionais, eram movidos a álcool. Embora não fosse seu objetivo estratégico inicial, o programa trouxe um enorme benefício ambiental, através da eliminação do uso de chumbo tetraetila, e sua substituição pelo álcool, como aditivo à gasolina.

Cessada a causa externa que lhe deu origem, o álcool carburante voltou à mera condição de commodity, ora na forma predominante de álcool anidro, ora na de açúcar. A triplicação dos preços do açúcar no mercado internacional, no início dos anos 80, tornou a produção do álcool economicamente desinteressante. Vivemos, então, a primeira de várias crises do álcool, que se configuravam com o desabastecimento do produto no mercado nacional, com o conseqüente aumento do preço do álcool, em relação ao da gasolina.

Neste aspecto, é preciso lembrar que o limite da viabilidade econômica do álcool em relação à gasolina é a proporção de preço de 70% para o álcool em relação à gasolina, em virtude da diferença de rendimento dos motores. Em seguida, veio a fase do divórcio. Os consumidores perderam a confiança comercial no produto álcool, a ponto de as vendas de veículos novos a álcool terem diminuído sistematicamente, tornando-se inexpressivas, a partir do início dos anos 90.

Enquanto o consumidor brasileiro gradualmente se divorciava do álcool carburante, o mundo buscava soluções alternativas para o fim da era do petróleo. Nascia, desta busca por alternativas energéticas, a criação, pela indústria automobilística, da tecnologia do veículo bicombustível, que, na verdade, já é multicombustível, e o consumidor entrava na fase de reconciliação na sua relação afetiva com o álcool carburante.

Lançada timidamente no Brasil em 2003, não se podia prever o extraordinário sucesso dessa tecnologia. Receava-se que o trauma do consumidor, decorrente do desabastecimento do mercado 20 anos antes, pudesse ter sobrevivido em sua lembrança. Mas, não foi isso o que aconteceu. Atualmente, a nova tecnologia bi, tri, ou multicombustível, quando se leva em consideração também a opção do GNV ou de biocombustíveis, é incorporada em quase 80% dos veículos novos produzidos no País, somando 1,5 milhões de unidades comercializadas em três anos.

A vantagem tornou-se evidente: o consumidor tem a opção de escolher o combustível, principalmente em função do critério preço. Sente-se amparado: se faltar um dos combustíveis, ou se for demasiadamente caro, terá o outro -ou outros, à disposição. Um fator adicional de seu conforto está no fato de que a tecnologia multicombustível não apresenta - até onde se sabe, problemas técnicos, contrariamente ao que acontecia nos anos iniciais do Pro-álcool.

A relação do consumidor com o álcool está atualmente na fase de convivência madura, abalada, às vezes, pelas oscilações de preço, especialmente na fase de entressafra da cana-de-açúcar, quando a vantagem econômica do álcool é diminuída ou mesmo eliminada. O futuro da relação consumidor/álcool é uma incógnita. O Brasil é o maior fornecedor mundial de álcool e açúcar e almeja aumentar esses volumes.

Maciços investimentos estão sendo realizados, novas usinas estão sendo implantadas, a tecnologia está sendo aperfeiçoada, e na medida em que o álcool efetivamente se consolidar como o principal combustível alternativo à gasolina, não há dúvida de que a fase da internacionalização do setor sucroalcooleiro estará somente começando. Essa perspectiva embute, no entanto, uma possível ameaça à harmonia futura da relação do consumidor com o álcool.

É de se supor que a tendência de alta do petróleo seja permanente, até que se esgotem as reservas. Ocorre que a tendência será do álcool acompanhar o aumento do petróleo até o limite de sua demanda no mercado internacional, especialmente se outras alternativas ao petróleo, já conhecidas, ou novas alternativas, já em pesquisa, revelarem-se economicamente competitivas. O Brasil poderá ser novamente atingido por crises de abastecimento. Caberá ao Governo Federal negociar salvaguardas com o setor sucroalcooleiro para garantir o abastecimento do mercado nacional, sob pena de novamente implodir a confiança do consumidor, quem sabe abalando a relação de forma irremediável.