A linha do tempo da vida na Terra é impressionante: bactérias surgiram há 4 bilhões de anos, leveduras há 1,5 bilhão, e o Homo sapiens há apenas 300.000 anos. Imagine toda a história da vida na Terra condensada em um único ano. As bactérias apareceriam em Fevereiro, as leveduras em Outubro, e o Homo sapiens só faria sua estreia nos últimos minutos do dia 31 de Dezembro. Essa diferença é colossal — as bactérias nos precedem por mais de 12.600 vezes, e as leveduras por mais de 3.300.
Mas por que essa linha do tempo é tão importante para nós hoje? Ela demonstra que bactérias e leveduras são mestres em adaptação e sobrevivência, tendo bilhões de anos de "experiência" evolutiva sob suas estruturas
celulares. Essa vasta história lhes conferiu uma resiliência e capacidades metabólicas inigualáveis. Portanto, quando empregamos a biotecnologia para otimizar processos industriais na produção de biocombustíveis, a abordagem mais inteligente e eficaz não é tentar "redesenhar" esses microrganismos, mas sim observá-los, compreendê-los e alavancar sua inteligência natural dentro de cada processo.
Seleção de leveduras
É justamente essa sabedoria evolutiva que buscamos aproveitar na prática, onde a fermentação com Rendimento Geral da Destilaria (RGD) elevado é muito importante.
A seleção das leveduras torna-se um dos fatores mais determinantes para garantir estabilidade e alto rendimento. Estudos recentes, como os de 121 usinas monitoradas na safra 2024/25, comprovaram que o uso de leveduras selecionadas e personalizadas é uma estratégia técnica altamente eficaz.
A biotecnologia avançada nos permite ir além da simples escolha; ela nos capacita a entender o porquê de certas cepas se destacarem dentre outras. Leveduras como PE-2, CAT-1, FT858L e Fermel destacam-se por características essenciais construídas pela evolução: resistência a tratamentos ácidos, alto rendimento, baixa formação de espuma e a capacidade de inibir bactérias contaminantes.
Mais impressionante ainda é o desempenho das leveduras personalizadas, isoladas diretamente do ambiente de cada usina e reintroduzidas. Elas atingiram uma taxa de permanência de 82% ao final da safra 2024/25, contra 22% das leveduras selecionadas.
Essa capacidade de identificar e monitorar as linhagens mais adequadas e adaptadas localmente — evidenciando como a escolha e a adaptação dessas leveduras, com sua história bilionária de resiliência – são fundamentais para o sucesso e a sustentabilidade da produção.
É importante destacar que as ferramentas biotecnológicas citadas são maiores em sistemas de fermentação com reciclo de levedura, como no Brasil, onde a mesma população de leveduras é reutilizada por toda a safra. Nesses casos, manter o monitoramento das linhagens e a viabilidade e vitalidade das leveduras é importante para garantir fermentações rápidas e altos rendimentos.
Além das abordagens de seleção de leveduras já mencionadas, a biotecnologia nos oferece outra ferramenta importante: a evolução adaptativa em laboratório para o desenvolvimento de novas cepas melhoradas. Um exemplo prático demonstra isso: partiu-se de uma levedura robusta (FT2305L), excelente para a produção de álcool com alto teor alcoólico, mas que apresentava um problema: floculava, reduzindo a concentração na centrífuga.
Através de um processo contínuo de resseleção e evolução adaptativa, que simula e acelera a seleção natural em condições controladas, foi possível desenvolver variantes (FT3027L e FT3028L) que mantiveram as qualidades da cepa original, mas perderam completamente a característica indesejável de floculação, tanto durante a fermentação (anaerobiose) quanto durante a multiplicação celular (aerobiose).
Identificação, controle e novos bioprocessos com bactérias
Tradicionalmente, para identificar bactérias, era preciso cultivá-las em laboratório, um processo demorado e que falhava, já que muitas espécies que não crescem em condições artificiais. A metagenômica muda tudo isso. Ela se concentra em estudar o material genético (DNA) coletado diretamente de amostras coletadas no processo – sem a necessidade de isolar ou cultivar cada microrganismo individualmente.
Imagine um balde de areia da praia: em vez de pegar cada grão e tentar cultivá-lo para ver o que é, a metagenômica pega todo o DNA da areia e o analisa. Isso nos permite entender a diversidade completa e as funções genéticas de comunidades microbianas complexas, incluindo aquelas bactérias que não são cultiváveis em laboratórios pelos métodos tradicionais.
Por que isso é revolucionário para o setor sucroenergético?
Na produção de etanol, a presença de bactérias contaminantes pode ser um grande problema, comprometendo a eficiência da fermentação e reduzindo o rendimento. A metagenômica oferece uma capacidade para rastrear, monitorar e identificar esses microrganismos indesejados.
Um exemplo prático veio em pesquisas realizadas em diversas usinas: embora o caldo da moagem da cana tenha uma vasta gama de microrganismos, o processo de produção de etanol atua como seleção natural, alterando a população microbiana que chega às dornas. Além disso, a água de diluição do fermento ou o melaço adicionado ao mosto podem introduzir microrganismos que prejudicam a fermentação. É precisamente neste cenário que a metagenômica se mostra indispensável, pois permite identificar com exatidão qual bactéria está impactando negativamente a fermentação e rastrear sua origem. Desta forma, é possível saber qual a bactéria é que está prejudicando a fermentação e de onde ela está vindo.
Para concluir, a biotecnologia nos permite olhar para o universo das bactérias e leveduras com uma clareza sem precedentes, permitindo que as usinas tomem decisões rápidas para otimizar as fermentações. Mas essa clareza nos abre ainda outras oportunidades: além de identificar as bactérias e saber a melhor forma de combatê-las, a metagenômica revela os produtos, enzimas e vias metabólicas que esses microrganismos possuem e produzem.
Isso abre caminho para o desenvolvimento de diferentes processos, a descoberta de novos bioprodutos e, fundamentalmente, para a diversificação da matriz produtiva. Esse horizonte de inovação converge perfeitamente com o momento atual do setor sucroenergético, que busca cada vez mais a sustentabilidade e a produção de produtos e coprodutos de maior valor agregado a partir dos resíduos da produção de etanol, transformando o que antes era descarte em novas fontes de receita e inovação.