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Manoel Vicente Fernandes Bertone

CEO da BENRI - Biomass Energy Reserch Institute

Op-AA-39

Quem pagará a conta?

Nossa agricultura é a mais importante do mundo. Se ainda não somos os maiores em algumas culturas, seremos nós a sermos chamados a suprir o mundo de alimentos, fibras e energia renovável. Nossa importância na economia brasileira já é amplamente reconhecida e não precisa mais ser explicada a todo momento como poucos anos atrás, quando pagamos a conta de inúmeros planos de estabilização econômica, enquanto nossos agricultores eram criticados por serem mal pagadores de dívidas geradas pelas imperícias governamentais. 

Quando o governo deixou de nos atrapalhar, explodimos em eficiência, produtividade, crescimento da produção e das exportações, tanto em volume quanto em faturamento em dólares. Mesmo em momentos em que “Deus não ajudou”, nos impondo problemas climáticos significativos, crescemos e contribuímos com uma receita indispensável à nação brasileira. É verdade, penso que o governo não tem atrapalhado a agricultura em geral. Pelo menos, não tanto quanto governos anteriores. 

Mas também não tem ajudado. Não à altura de nossa importância na segurança alimentar, na segurança energética e na soberania nacional, que seriam bem diferentes caso a agricultura não contribuísse como contribui. Já no caso específico do setor sucroenergético, o governo atual atrapalhou e muito. Não foram poucos os que avisaram que “não daria certo”. Eu, particularmente, avisei em artigo escrito dois anos atrás e publicado aqui mesmo na Revista Opiniões, após ter passado um ano tentando convencer o governo de que o caminho escolhido não era o melhor, nem sustentável. E quem está pagando a conta da política desastrada empreendida até hoje? 

O setor está pagando uma conta altíssima, com quebra de unidades produtoras e enorme desgaste financeiro, mesmo empresas indiscutivelmente fortes e que acreditaram em nosso país, aqui investindo vultosos recursos. Estão vendo seus investimentos evaporarem em meio a intervenções danosas no domínio econômico. Os prejuízos da Petrobras, com a política de contenção artificial de preços dos combustíveis, estão gerando efeitos em cadeia em investimentos e redução de receitas com impostos, que, a médio e longo prazos, serão pagos pelo povo brasileiro. Intervenções raramente são sustentáveis ao longo do tempo e trazem em si o risco de terem que se tornar constantes. 

É preciso pensar a longo prazo para verificar quem pagará a conta, que eventualmente pode acabar sendo paga inclusive com vidas, como acontece hoje em países em que o desabastecimento gerado por intervenções na economia atinge níveis dramáticos. Verificar “quem vai pagar a conta” é um bom caminho para a tomada de decisões de políticas públicas, mas, para isso, é bom que se evite analisar as coisas unicamente a curto prazo, vício de pessoas de visão estreita ou distorcida por preconceitos. 

No caso da infraestrutura e logística da agricultura brasileira, essa é uma pergunta muito importante e pode nos direcionar a caminhos um pouco diferentes dos seguidos no Brasil ultimamente. Uma agricultura forte e pujante como a nossa, numa situação em que o planeta se mostra insuficiente para abastecer uma população – que a cada dia atinge melhores níveis de renda – e em que somos os maiores exportadores de açúcar, etanol, café, suco de laranja, carne bovina e carne de frango e o segundo em soja e milho, além de sermos o terceiro em carne suína, atingindo 150 mercados, certamente é uma agricultura que tem peso extraordinário na formação dos preços. 

Somos, sim, formadores de preços dos principais produtos agrícolas. E isso tem bônus e ônus. Quero dizer que o mercado tende a se apropriar de nossas eficiências, dada a competitividade existente, mas também tende a pagar com preços maiores em moeda forte nossos custos, que, por vezes, incluem algumas de nossas ineficiências. Neste ano, não estamos sendo muito “ajudados por Deus” no que se refere ao clima para o setor sucroenergético. 

É possível que nosso sistema logístico dê conta de uma produção que já não crescerá como antes esperado. Podemos até ser surpreendidos com uma produção menor, apesar dos investimentos efetuados na lavoura canavieira. O que, por outro lado, poderia ser bom para a recuperação dos preços, não fosse a danosa interferência governamental nos preços da gasolina. 

Bem, mas, se o mercado se apropria de nossas eficiências e acaba pagando nossos custos, dado que somos fornecedor importante, sem o qual a insufiência de oferta acabará elevando os preços, qual deveria ser nossa política para a melhoria da eficiência em infraestrutura e logística? O Estado deveria “orientar” ou “induzir” de forma clara o setor privado a realizar esses investimentos, que se transformariam em custos a valor de mercado, a serem repassados à produção e pagos por aqueles que a consomem. 

Privatização ou concessões, o nome pouco importa, embora, por si só, o nome dado já demonstre uma perspectiva futura de maior ou menor controle do Estado; o que realmente importa ao setor privado é sentir-se seguro de que não pesará a mão maligna, em termos econômicos, de intervenções imprevisíveis e desmedidas sobre seus investimentos. 

Confiança nas instituições e segurança jurídica são condições imprescindíveis, difíceis de serem conseguidas e muito fáceis de serem perdidas. Para serem conseguidas, exige-se histórico de não intervenção, o que o mercado somente verifica no longo prazo. Para serem perdidas, bastam alguns poucos sinais ou algumas intervenções danosas. Perdem-se assim muitos anos em que alguma confiança foi “plantada”. Realmente, o “capital” é o animal mais arisco que existe. E, infelizmente, ele não acata ordens. É induzido unicamente pelo retorno dos investimentos, ou, em outras palavras, pela lucratividade dos projetos. 

A função econômica do lucro é importantíssima numa economia sadia, e ele será sempre menor quanto mais confiança se tenha no ambiente econômico, pois atrairá concorrência benéfica para o crescimento e para o abastecimento. Ao contrário, quando se quer administrá-lo artificialmente, limitando-o, inibe-se o investimento, prejudicando o crescimento e o abastecimento adequado. 

E como estamos neste momento? Pouco confiantes, claro, pois as previsões não estão sendo cumpridas nos projetos que foram iniciados, e muito há a se fazer aqui, enquanto nossos recursos são dirigidos a países amigos. No final do Governo Lula, todos participamos orgulhosos da inauguração das obras do duto de etanol em Ribeirão Preto. 

O consórcio conta com empresas privadas e a Petrobrás, logicamente a empresa mais forte do consórcio; posto que era uma das mais fortes do mundo, foi justamente a que teve que rever seus investimentos nessa importante obra. Investimento importantíssimo, que nos daria maior sustentabilidade ambiental, pois retiraria caminhões da estrada e exigiria menos combustível para o transporte, além, é claro, de menores custos operacionais. Nossa infraestrutura portuária, que, no ano passado, mais parecia o caos completo, com filas de quilômetros nas estradas e uma enorme fila de navios nos portos, infelizmente não recebeu investimentos. 

Os custos elevados acabam sendo repassados ao mercado como um todo, prejudicando nossa imagem e nossa competitividade. Poderíamos estar mostrando que todos podem confiar em nossa capacidade de abastecimento. Ao contrário, alguns clientes importantes acabam nos substituindo em determinados momentos, dada nossa incapacidade operacional, e seus investimentos acabam sendo dirigidos a outras economias. Portos insuficientes e mal operados, algumas vezes por questões de licenciamento ambiental, enquanto financiamos investimentos em portos de países que só não são nossos concorrentes no fornecimento de açúcar para o mercado internacional dada a estatização do setor produtivo naquele país. 

Penso, como muitos, que temos que reverter algumas de nossas orientações governamentais. E acredito que isso possa ser possível, mesmo diante de um quadro político que indicaria a manutenção dos atuais formuladores de políticas públicas. Não é possível que continuem a dispensar a energia “barata” do bagaço da cana-de-açúcar e a criar condições para pagarmos a caríssima energia das termoelétricas, porque são as únicas disponíveis! Sim, é melhor essa energia cara que um apagão, mas seria muito melhor um planejamento adequado e o povo pagando o preço justo de uma energia mais barata. 

O País está se esvaindo em prejuízos causados pela falta de planejamento e por decisões arbitrárias e intervencionistas, tomadas na crença de que os prejuízos gerados não são direcionados ao povo. Mas creio já estar mais do que claro que, a médio prazo, será o povo a pagar pela insuficiência de oferta e pela ineficiência do sistema produtivo. Sinais já são visíveis, e qualquer político que pretenda se manter no poder teria que considerar as indicações existentes para que essa sua permanência não acabe levando ao desabastecimento e às consequências que isso gera. Temos bons exemplos bem ao lado. Não é necessária muita perspicácia para percebermos que, se nos mantivermos no caminho atual, não alcançaremos resultados diferentes dos conseguidos por esses países, cuja elevada conta está sendo paga justamente pelo povo que seus governos pretendiam favorecer.