Diretora da Key Associados
Op-AA-13
Parte da dificuldade para uma avaliação adequada da condição de responsabilidade social nas empresas está na grande confusão em torno do conceito de responsabilidade social. Talvez porque, culturalmente, tudo que diga respeito ao “social” remete-nos, automática e exclusivamente, a aspectos filantrópicos, a pensar em ações com a intenção de minimizar os males existentes na estrutura social.
De modo geral, quando uma empresa é cobrada a evidenciar uma conduta socialmente responsável, a emitir um relatório de responsabilidade social, a primeira coisa que faz é relacionar seus projetos sociais, voltados para a comunidade externa, como donativos e campanhas assistenciais. Muitas vezes, encontramos ações empresariais significativas, mas totalmente dissociadas do foco de interesse central do negócio, e de caráter estritamente assistencialista.
Com todo o respeito que essas ações merecem, propomos interpretar, a princípio, a responsabilidade social, através do conceito de sustentabilidade, como uma das três bases de suporte para a perenidade de uma organização. Considerando que a primeira responsabilidade de uma organização é uma atividade economicamente viável, que adiciona valor à cadeia produtiva e, conseqüentemente, à sociedade.
Por essa perspectiva, podemos conceituar Responsabilidade Social como: qualidade nas ações e relações da organização, com todas as “partes interessadas” ? acionistas, investidores, trabalhadores, fornecedores, clientes, comunidade, governo e qualquer entidade ou indivíduo com o qual mantenha relação de interdependência. Esta perspectiva é que estabelece a diferença entre uma postura de responsabilidade social, empresarial e filantropia empresarial.
Resumindo, responsabilidade social empresarial pode ser entendida como um conjunto de políticas e práticas empresariais, num movimento “de dentro para fora”. Que começa por cumprir primeiro a “lição de casa”. Visto de uma forma bastante simplista, mas que ilustra bem esta questão, encontramos muitas situações como a de uma grande multinacional para a qual trabalhamos e onde a diretoria estava inconformada com a baixa motivação do pessoal, que mesmo com um nível salarial, bem acima do mercado, perdia funcionários, e ainda, apesar das instalações muito confortáveis, freqüentemente, havia depredações nos banheiros e não se conseguia entender o porquê.
Depois de algumas horas de conversa e relatos, pudemos constatar, entre outras coisas, que a empresa considerava ter um alto nível de responsabilidade social, porque contribuía intensamente para uma favela da comunidade vizinha, com campanhas de agasalho, material escolar, cestas de alimentos, brinquedos para o Natal e Dia das Crianças e um Programa de Voluntariado Corporativo, por exemplo.
O interessante é que o Programa de Voluntariado Corporativo consistia de “voluntários” fora do expediente e em finais de semana, que não tinha nada a ver com a empresa. Assim como, ninguém se lembrou de avaliar o grau de necessidade dos funcionários, com salários de menor nível, e dos terceirizados nos serviços de limpeza e manutenção, quanto ao material escolar para os próprios filhos, enquanto empacotavam livros e cadernos para a campanha e também assistiam e ajudavam a montar a grande árvore de Natal cheia de brinquedos, que seriam doados para a favela.
Para avaliar o nível de responsabilidade social de uma empresa, inicialmente, é preciso averiguar suas práticas na relação e no ambiente de trabalho. Todos os preceitos legais aplicáveis à relação de trabalho são cumpridos, sem distinção de qualquer espécie? Um ambiente de trabalho seguro e saudável é garantido a todos os trabalhadores?
Existe igualdade de oportunidades, sem discriminação, para o crescimento e desenvolvimento profissional e pessoal dos funcionários? As políticas internas são estabelecidas com clareza e existe transparência para o seu cumprimento? Todos têm o direito de expressar e obter respostas às suas dúvidas e preocupações, sem retaliações?
Aqui, vale registrar que muitos empresários e executivos surpreendem-se quando se deparam com a realidade abaixo de sua linha de comando. É interessante observar que muitas empresas, mesmo com políticas adequadas, não conseguem assegurar que práticas corretas permeiem toda a organização, e não conseguem entender o porquê da deficiência em produtividade, excesso de faltas, acidentes de trabalho e o alto custo do processo produtivo.
Por outro lado, existem empresas que, deliberadamente, adotam políticas e práticas incompatíveis com os princípios de responsabilidade social. E conseguem obter competitividade às custas de transgressões legais na relação de trabalho e/ou degradações ambientais. A pergunta a ser feita nesse caso é: por quanto tempo continuarão operando?
Talvez a resposta possa ser encontrada nas regras atuais de mercado, cada vez mais duras. Cada vez mais se impõe às empresas que evidenciem a origem de sua competitividade, que comprovem que o baixo custo de seus produtos e, portanto, baixo preço, não tenham sido obtidos às expensas de transgressões e condições degradantes na relação de trabalho e ou agressões ambientais.
A velha máxima, “à mulher de César não basta ser honesta, há que parecer honesta”, ajustada para o mercado, “já não basta ser competitivo, é preciso parecer e provar que é”, talvez seja uma forma de explicar, ainda que de maneira reducionista, o que vem acontecendo na economia globalizada. O setor sucroalcooleiro, por exemplo, é extremamente competitivo, mas altamente estigmatizado, até por uma questão histórica e cultural.
E esse estigma é bastante usado contra o setor. No mercado externo é uma desculpa muito boa para bloqueios, que sabemos terem outra origem, mas até que se prove o contrário, tem sido um forte argumento. Como provar que os derivados da cana-de-açúcar não foram produzidos com trabalho escravo e/ou infantil, que no conjunto o setor é sério, competente, que não transgride a legislação trabalhista e não danifica o meio ambiente?
É preciso convencer a sociedade, os formadores de opinião e o mercado internacional, que apesar do estigma do setor e da conduta irregular de algumas empresas, o que acontece em qualquer segmento, existem empresas sérias, sustentáveis, economicamente viáveis e socialmente responsáveis. Evidenciar responsabilidade social, frente às exigências do mercado financeiro e das relações comerciais, é muito importante para todas as empresas e especialmente para aquelas que operam no mercado externo.
A reputação de uma empresa, que é muito mais que a imagem, deve ser considerada como uma das condições para a perenidade do negócio. Se por um lado, perde-se muito por não ter uma boa reputação, o que já é uma boa razão para se empenhar em conquistar e manter esta condição, por outro, existem indicadores que mostram o quanto se pode ganhar.
Um deles é o índice de sustentabilidade da Dow Jones – Dow Jones Sustainability Index, DJSI, que comparado com o tradicional Dow Jones Global Index, DJGI, numa evolução histórica, aponta maior rentabilidade para as ações das empresas que evidenciam sustentabilidade, portanto são também socialmente responsáveis, e foram aprovadas para serem listadas neste índice (DJSI).
Existem algumas formas para se evidenciar a responsabilidade social de uma empresa. Uma delas é a elaboração do Balanço Social, acompanhado do Relatório de Responsabilidade Social, que deve ser realizado e divulgado anualmente, estabelecendo parâmetros de comparabilidade e avaliação, quanto à evolução da empresa. Para assegurar maior credibilidade quanto aos valores apresentados, a empresa pode incluir na publicação o relatório de uma auditoria independente.
O Balanço Social tem sido uma das formas mais utilizadas pelas empresas para mensurar e mostrar suas práticas socialmente responsáveis. Uma outra forma, mais estruturada e consistente, que começa a se ampliar no Brasil, é a certificação em Responsabilidade Social, padrão SA-8000. O processo necessário para se chegar à certificação faz com que a empresa estabeleça uma abordagem sistêmica ao seu modelo de gestão de pessoas e relações, com as “partes interessadas”, sustentada por critérios e procedimentos reconhecidos, sob padrões internacionais.
A certificação, com auditorias periódicas, confere segurança e garante que os princípios adotados no modelo de gestão sejam cumpridos por toda organização. O primeiro benefício em se adotar uma gestão de responsabilidade social, fundamentado na Norma SA-8000, está no processo de implementação, pela redução de riscos e, conseqüentemente, redução de custos nas relações de trabalho.
Em se tratando de um sistema de qualidade para o gerenciamento de pessoas, promove a melhoria contínua. E o reconhecimento internacional de idoneidade traz ganhos à imagem institucional e à reputação da empresa. Acredito na responsabilidade social empresarial, como tendência de mercado, quando entendida como uma das premissas de sustentabilidade, contribuindo para perenidade do negócio.