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Suleiman José Hassuani

Gestor do Programa de P&D do Centro de Tecnologia Canavieira

Op-AA-15

Somos um time que tem medo de vencer?

Na juventude, o esporte ao qual me dediquei foi o voleibol. Uma equipe da qual participei sofria do medo de vencer. Apesar de treinar duro para sair da condição de equipe fraca e haver evoluído significativamente, a responsabilidade de estar à frente no marcador durante as partidas gerava insegurança, que impedia a equipe de administrar o placar e, muitas vezes, conduzia à derrota.

Mesmo com tudo para vencer, às vezes fracassávamos na reta final. Trata-se de um boicote mental diante de um desafio, que acarreta erros em momentos decisivos. No momento chave, deixa-se escapar sua grande conquista. Hoje, 30 anos depois, o tema medo de vencer é abordado por diversos psicólogos e livros, no esporte ou nas empresas, e volto a me deparar com a mesma síndrome do medo, não do meu time de voleibol, mas do meu país.

As questões do aquecimento global e da mudança do clima no nosso planeta são preocupações mundiais. Diversos são os sinais, incluindo elevação da temperatura da atmosfera, terra e oceanos, redução na extensão das geleiras e alteração na distribuição das chuvas. A rapidez com que isto vem ocorrendo indica um processo não natural e que vem sendo explicado pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, gerados pela atividade do homem, mais expressivamente a partir do século 20.

Sabe-se que as causas principais deste processo devem-se à geração e uso da energia e estão diretamente ligadas ao estilo de vida da sociedade moderna. Impactos mais rigorosos no clima poderão ser observados no futuro, se o processo continuar. A necessidade de deter este processo exige redução drástica nas emissões de gases de efeito estufa, principalmente CO2.

Algumas projeções indicam a necessidade de reduções nas emissões globais, acima de 50%, ainda neste século, para se evitar conseqüências graves no clima. Este desafio exige a ampliação da utilização de energias sustentáveis, especialmente no quesito emissão de gases de efeito estufa, como a energia nuclear, biomassa, eólica e solar. A utilização de sistemas com menor consumo energético também é uma prioridade.

No Brasil, o crescimento na geração da energia elétrica não vem acompanhando o aumento da demanda e os prognósticos de falta de energia têm sido um fato recorrente, desde o racionamento de 2001. Apesar de uma matriz energética favoravelmente renovável, 80% baseada nas hidrelétricas, acarretando dependência e incertezas na disponibilidade de energia, em função da sazonalidade das chuvas.

Em contrapartida, o setor sucroalcooleiro vem crescendo a taxas surpreendentes, impulsionado, inicialmente, pelo preço favorável do açúcar no mercado mundial e, mais recentemente, pelo crescimento da demanda interna de etanol, motivada pelo carro bicombustível. Novas usinas são planejadas e implantadas, em um ritmo nunca antes visto. São modernas instalações industriais, onde além do açúcar e etanol, já é realidade a produção de significativos excedentes de energia elétrica, utilizando como combustível renovável o bagaço, que é a biomassa da cana.

As tecnologias atuais permitem às usinas produzirem 60 kWh de energia elétrica, a partir de uma tonelada de cana. Isto significa que uma família - com consumo médio de eletricidade de 120 kWh mês - pode ser atendida em energia elétrica durante um mês, com apenas 2 toneladas de cana. Com as tecnologias que vêm sendo implantadas para utilização de parte da palha da cana como combustível nas caldeiras, e melhorias na eficiência energética no processo de produção de açúcar e álcool, o potencial é ainda maior, podendo-se atingir 150 kWh de energia elétrica exportada, por tonelada de cana processada.

Assim, uma família necessitaria da energia gerada no processamento de 10 toneladas de cana, para ter toda a eletricidade do consumo doméstico no ano. Um potencial tremendo, quando se pensa em 420 milhões de toneladas de cana, sendo produzidas atualmente no Brasil, ou seja, a cana poderia gerar energia elétrica doméstica pa-ra 42 milhões de residências anualmente, ou mais de 100 milhões de habitantes.

Esta energia, com reduzida emissão de gases de efeito estufa, além de renovável e distribuída, pode ser implantada em curto intervalo de tempo, em geral, em menos de 18 meses, é 100% nacional e gera empregos e desenvolvimento regional. Enquanto o mundo busca soluções para o problema da energia, o Brasil já tem boa parte da sua solução. A geração de energia elétrica pelo setor sucroalcooleiro pode amenizar sensivelmente o problema da escassez de energia, se os investimentos necessários forem feitos a tempo.

Apesar de todo este potencial e das vantagens mencionadas, as novas usinas têm dificuldades para se conectar ao sistema elétrico e fornecer a energia gerada, por questões regulatórias ultrapassadas e falta de planejamento nacional. Atualmente, a energia excedente das usinas existentes não atinge sequer 10 kWh, por tonelada de cana, pois a maioria não foi projetada com este propósito, mas poderia fazê-lo rapidamente.

Para tanto, precisam de políticas diferenciadas das usinas novas, para viabilizar os maiores investimentos. O que vem, atualmente, estimulando os investimentos em energia no setor sucroalcooleiro não são as ações do Estado, e sim as leis da oferta e demanda. Com as perspectivas da falta de energia elétrica, seu preço no mercado vem subindo e motivando investimentos.

Os institutos de pesquisa existentes, que trouxeram o setor até o presente patamar tecnológico, têm dificuldades para obter os recursos necessários para alavancar novos desafios e manter o setor na liderança mundial. Apesar de termos atingido um patamar tecnológico, reconhecido internacionalmente, e que tem propiciado ao Brasil o menor custo mundial de produção de etanol e açúcar, além da energia elétrica renovável a custos competitivos, o país parece não acreditar neste potencial elétrico.

Estamos na liderança mundial do combustível e da energia elétrica renováveis, mas ficamos tímidos em tomar as medidas necessárias para alavancar, organizar e direcionar as ações neste setor. Seria este o caso de um país, há pouco considerado subdesenvolvido, com medo de liderar? Volto a me questionar sobre a realidade desta síndrome.

Condições de dificuldade impõem pressões que abatem quem não está preparado e conduzem a decisões erradas, por medo de arcar com as responsabilidades e com as exigências que a liderança traz consigo. Preparação, essa é a melhor maneira de evitar o medo de vencer, e o setor sucroalcooleiro tem se preparado, nos últimos anos, para atingir a superação de seus desafios. Mas e quanto ao setor de energia no âmbito do governo?

A preparação demanda a consciência dos problemas e busca de soluções, envolvendo todos os aspectos da sociedade, incluindo representantes da população, dos setores científicos, indústria e governo. Se as decisões e ações adequadas não forem tomadas rapidamente, restará perguntar: quem vai pagar a conta pela síndrome do medo do Estado de vencer, no âmbito do setor elétrico? Acho que a resposta já é nossa conhecida.