No momento em que este artigo é escrito, existe uma enorme ansiedade para que o RenovaBio possa efetivamente existir. Desde dezembro de 2016, quando a ideia do programa foi lançada pelo Ministério de Minas e Energia, dezenas de pesquisadores, lideranças do setor e representantes do Governo Federal se debruçaram para elaborar um programa robusto que promete ser um novo recomeço para o setor de biocombustíveis.
O Brasil é o terceiro maior consumidor mundial de combustíveis líquidos e a participação dos biocombustíveis já é considerável, o que torna qualquer programa nessa área uma grande conquista com impactos altamente positivos sobre a economia local. O etanol anidro é misturado à gasolina no percentual de 27%, o biodiesel possui participação de 8% no diesel vendido no Brasil e o etanol hidratado participa com cerca de 20% do consumo do ciclo Otto no mercado brasileiro.
Além disso, ao longo das últimas décadas, o País construiu uma infraestrutura que possibilita que o biocombustível possa ser consumido por todos os brasileiros. São milhares de postos revendedores, dezenas de estruturas de distribuição, milhares de caminhões transportadores, quilômetros de dutos e milhões de veículos com tecnologia para utilizar os bicombustíveis produzidos no território brasileiro.
Os conceitos/ideias são importantes e não devem ser confundidos com divagações ou teses de consultores ou de burocratas. São a partir deles que construímos as agendas positivas do setor, que geram novas ideias, as quais se transformarão em oportunidades de negócios e boas políticas públicas.
De fato, não há atividade mais complexa do que produzir no território brasileiro, afinal, no dia a dia é preciso conviver com a burocracia excessiva, as ineficiências intrínsecas ao Brasil, fora o próprio risco do negócio. Quando a atividade é agroindustrial, a complexidade aumenta porque, além da atividade de transformação industrial e da dificuldade de comercialização, o produtor precisa conviver com o risco intrínseco da própria agricultura. É por isso que precisamos dos conceitos, das tendências, aquelas que manterão a chama do empreendedor brasileiro viva, mesmo em períodos de crise.
Portanto, é preciso afirmar à sociedade brasileira que os biocombustíveis são uma forma de energia solar, na qual a planta absorve a luz do sol para crescer e transformar em biomassa que servirá de matéria-prima para a produção de combustíveis.
Além disso, é uma energia limpa e renovável, a partir da realização da fotossíntese pelas plantas, que, literalmente, limpam o ar que respiramos. Por outro lado, os combustíveis de origem fóssil são a antítese desse processo, mas temos que considerar que foi a partir deles que alcançamos a atual dinâmica econômica que conhecemos, inclusive algumas dificuldades atuais da humanidade, dentre elas a poluição e o aquecimento global.
A busca pelo desenvolvimento sustentável é ecoada pelos quatro cantos nos diversos discursos de líderes de todas as classes. Esse objetivo norteia as políticas públicas, as relações de consumo e dos negócios de maneira geral. O conceito de desenvolvimento sustentável remete à necessidade de a geração presente manter pelos menos as mesmas condições de vida no planeta para as próximas gerações. Elas foram institucionalizadas nos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, chamados de ODS. Não é algo simplório, contudo, não buscá-los, é simplesmente negar um mundo melhor para os próprios descendentes.
Foi por isso que no ano de 2015, em Paris, os líderes políticos mundiais resolveram estabelecer metas visando um mundo mais sustentável. Eles assinaram um acordo histórico que possibilita reduzir o aumento da temperatura do planeta e, dessa forma, reduzir os efeitos das mudanças climáticas. Como desdobramento dessa meta, há uma grande transformação da economia mundial em curso.
Os países, cada qual de sua forma, têm procurado estabelecer diretrizes para implementar políticas públicas que possibilitem em geral a descarbonização do mundo em que vivemos. E o principal alvo sem dúvida é o setor de energia que representa boa parte das emissões de CO2. O Brasil não é diferente e, apesar da crise institucional, política e econômica em que vivemos, as discussões não pararam e o setor de transporte é talvez aquele com maior potencial de atuação. Enquanto no mundo as emissões do setor de transporte representam cerca de 23% das emissões totais de CO2 do setor de energia, no Brasil alcançamos 43%.
É dentro dessa lógica, de um maior desenvolvimento sustentável, aliada às metas comprometidas pelo País no acordo de Paris, que a ideia do RenovaBio foi concebida. Cumprir as metas climáticas a partir de um setor de grande potencial e diferenciação competitiva da economia brasileira, que alia produção sustentável, desenvolvimento regional, geração de emprego e renda à descarbonização da matriz de transporte brasileira, a partir do uso de mais biocombustíveis, sem dúvida é uma excelente opção para o futuro da sociedade brasileira.
O RenovaBio não nasceu do nada, não é coisa de consultor ou da cabeça dos profissionais que lideram o setor, muito menos é alguma política pública que somente vise beneficiar diretamente a cadeia produtiva dos biocombustíveis. A ideia nasce da incapacidade do mercado de precificar as externalidades negativas trazidas à sociedade pelos combustíveis fósseis. Vale lembrar que essa é uma discussão antiga retratada pela teoria econômica, as chamadas falhas de mercado. Ao longo dos últimos anos o setor produtivo fez o possível para inserir esse conceito nas relações de consumo do mercado brasileiro; de certa forma, a diferenciação tributária conseguida em certos estados possibilitou, em parte, realizar essa tarefa.
Além disso, o RenovaBio foi concebido para ser um programa de todo o setor de biocombustíveis. Assim, além do etanol de cana, outras formas de combustíveis renováveis também estão integradas ao programa, como o etanol de milho, o biodiesel, o biogás e o bioquerosene de aviação.
Ou seja, é um programa que integrará boa parte da cadeia do agro, da cana-de-açúcar ao milho, passando pela soja e até à pecuária, dado que uma boa parte do biodiesel produzido no Brasil vem do sebo bovino. O programa auxilia a otimização de grande parte da cadeia do agro com a parceria entre a agricultura alimentar e a agricultura energética processada em plantas industriais modernas e eficientes.
Uma longa etapa ainda está por vir até que o primeiro CBio (certificado de descarbonização) possa ser emitido. Toda a regulamentação será criada e a manutenção das atuais regras claras do mercado interno de combustíveis fósseis são essenciais ao futuro do programa. O mercado sofrerá uma mudança significativa na sua estrutura atual, muitas vezes perversa contra quem produz. As metas serão destinadas às companhias distribuidoras, que serão a contraparte dos produtores no mercado de CBio.
A definição da participação dos biocombustíveis na matriz de transporte brasileira será peça-chave nesse processo, ela que definirá o ritmo e o potencial de crescimento da produção e do consumo em território brasileiro. O CBio promete ser um mecanismo de mercado que precifique as externalidades negativas geradas pelos combustíveis fósseis colocando, pelo menos na área de transporte, o Brasil rumo a um desenvolvimento mais sustentável.
Para o setor sucroenergético, o programa promete trazer um grande impacto, uma mudança na cultura do setor. Em primeiro lugar, o RenovaBio provocará uma corrida por eficiência na produção, dado que as usinas serão diferenciadas entre si pelo potencial de descarbonização do etanol produzido por cada uma delas, utilizando o conceito de ciclo de vida. Ou seja, para um mesmo volume de etanol produzido e comercializado, teremos diferentes quantidades de CBio, que dependerá de diversos fatores do sistema de produção, como produtividade do canavial e quantidade de insumos utilizados. Essa corrida pode levar no médio prazo a uma maior competitividade do setor e preços mais baixos para o consumidor.
Além disso, a criação do CBio poderá trazer uma série de oportunidades financeiras ao produtor. Essa é uma mudança primordial do programa, dado que as usinas possuem diferenças substanciais nos modelos de financiamento da produção de açúcar e de etanol, o que normalmente beneficia a produção do primeiro. Os instrumentos financeiros que poderão derivar do CBio deverão pelo menos igualar a estrutura hoje existente no açúcar, tornando a produção de etanol mais estável e compromissada com o mercado. Novas parcerias mais sólidas e em linha com o modelo do desenvolvimento sustentável poderão ser lançadas com os demais elos da cadeias, distribuidoras e postos revendedores.
Não há dúvida de que o RenovaBio, se bem implementado, poderá dar um novo impulso ao setor. Modelos de negócios poderão ser revisados, novas oportunidades de criação de valor estarão sobre a mesa, os produtores poderão recuperar o protagonismo perdido durante anos frente a um modelo de mercado cartorial, marcado por intervenções e desestímulos à produção. O RenovaBio é, sim, uma boa ideia para o futuro do setor sucroenergético, e claro, para o Brasil.