Consultora da Key Associados
Op-AA-40
Com uma trajetória que se confunde com a história do próprio País, o setor sucroalcooleiro transita da condição de promessa de salvação para um pesadelo de falências e desemprego. Assolado por uma política de preços de combustíveis equivocada, falta de coesão interna para consolidar uma liderança capaz de conduzir propostas consistentes e de representação política em busca de alteração de cenários, o setor, mais uma vez, é convidado a se reinventar.
As dificuldades começaram a se agravar a partir da crise mundial de 2008, entre outros fatores, pela forte intervenção do Governo Federal no preço dos combustíveis fósseis. Desde 2009, 44 usinas deixaram de operar, e, com isso, mais de 30 mil postos de trabalho foram perdidos. Há previsão de que outras 12 empresas, sem condições financeiras de operação, possam encerrar as suas atividades ainda na safra de 2014.
O cenário se torna ainda mais sombrio, difícil de compreender – e aceitar – por se tratar de um setor que se apresenta como solução em plena crise mundial por energia limpa e em busca de alternativas para combustíveis fósseis. Por que um setor que dispõe de tecnologia suficiente para chegar a uma matriz de fonte renovável, flexível, capaz de produzir açúcar, etanol e eletricidade, com potencial para se tornar ainda mais competitivo com produção de etanol de segunda geração, por exemplo, se encontra em situação tão precária?
Competência técnica, disposição e capacidade produtiva não é o problema, pois, apesar da severa seca no Sudeste brasileiro, no início do ano, que responde por cerca de 90% da produção total do País, o Brasil ainda conseguirá produzir volumes recordes de cana-de-açúcar e etanol na safra 2014/2015, na avaliação da estatal Conab - Companhia Nacional de Abastecimento.
A produtividade agrícola, em razão da falta de chuva em importantes áreas produtoras em janeiro e fevereiro, meses em que são esperadas chuvas determinantes no rendimento, cairá para 75,8 toneladas por hectare, ante as 77,8 toneladas na safra passada. Porém essa quebra será compensada pela expansão da área cultivada, estimada para o Centro-Sul em 4,5%.
A área a ser colhida nessa região deve ficar em 8,08 milhões de hectares na safra 2014/2015, disse a Conab, que estimou e divulgou, no início de abril, uma produção histórica de cana, tanto para o País, de 671,7 milhões de toneladas, quanto para o Centro-Sul, de 613 milhões de toneladas.
A indústria e especialistas de mercado discordam da Conab com relação à produtividade, pois consideram que o impacto da seca produzirá perdas mais significativas, e estimam, aproximadamente, 570 milhões de toneladas de cana para essa safra. Mas todos estão de acordo quanto à expansão da área cultivada.
A estatal apontou um crescimento de área plantada de 3,6% para o País com relação a 2013/2014 – um recorde de 9,13 milhões de hectares, em decorrência do crescimento de áreas nos estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais, onde se concentra o maior número de novas unidades, que sustentaram esse aumento de 12,87 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para processamento.
Para o Centro-Sul, onde a moagem de cana começou oficialmente neste mês, o primeiro levantamento da Conab estimou a produção de açúcar em 35,9 milhões de toneladas, ante 34,4 milhões em 2013/2014.
O levantamento realizado entre 9 e 22 de março deste ano apontou, ainda, a produção total de etanol do Centro-Sul, para 2014/2015, em 26,3 bilhões de litros, contra 26 bilhões em 2013/2014. A produção de açúcar do Brasil, incluindo o Nordeste, foi apontada também em históricos 39,45 milhões de toneladas, e a de etanol do País em 28,37 bilhões de litros.
As estimativas são consideradas muito otimistas, mas, à medida que a safra se desenvolver, com o progresso da colheita, os números serão ajustados à realidade, naturalmente. Mas, acima de tudo, ainda que se tenha de passar por ajustes, esses números nos mostram a capacidade de superação da indústria sucroenergética, que, no ápice de uma das mais severas crises que a acomete, continua com potencial para ser a resposta a um dos grandes problemas da atualidade: energia. Energia limpa e renovável para combustível e eletricidade.
Porém a realização desse potencial está seriamente ameaçada e depende do enfretamento, no curto prazo, do que se tem apresentado, há muito tempo, como desafio de grande impacto para o setor: política de preços de combustíveis instituída pelo governo, que, ao desonerar o combustível derivado do petróleo de maneira irreal, penaliza o preço do álcool estabelecido em proporção direta ao preço da gasolina.
O etanol compõe uma matriz energética estratégica para um mundo cada vez mais ameaçado e consciente dos problemas advindos dos combustíveis fósseis, e a queima da biomassa (bagaço e palha da cana) pode ser uma fonte significativa de energia, como complemento e alternativa às termelétricas acionadas por carvão (óleo e gás).
Ainda que houvesse polêmica sobre as mudanças climáticas serem causadas pela atuação humana e, principalmente, por emissão de gases de efeito estufa gerada pela queima de combustíveis fósseis, a terceira e última parte do quinto Relatório de Avaliação feita por cientistas do IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, além de jogar uma pá de cal sobre a questão, afirma que são necessárias ações urgentes para cortar as emissões de gases de efeito estufa e conseguir limitar o aquecimento do planeta a 2ºC até o ano de 2100.
Segundo os cientistas, é preciso abandonar os combustíveis fósseis poluentes e utilizar fontes mais limpas, para evitar o efeito estufa, que poderá provocar um aumento da temperatura do planeta entre 3,7ºC e 4,8ºC antes de 2100, o que seria um nível catastrófico.
O documento, chamado de "Sumário para os Formuladores de Políticas", divulgado dia 13 de Abril passado, em Berlim, apresenta ideias de como limitar o impacto das alterações do clima a partir da análise de 900 modelos econômicos, formulados por governos e pesquisadores, com o objetivo de chamar a atenção de governantes e sensibilizá-los para a necessidade de mudanças drásticas em relação à emissão de gases do efeito estufa de modelo geral e, especialmente, em relação ao modelo atual de produção de energia.
Apesar de os cientistas apontarem a inovação no setor de energia como forma de reduzir as emissões de carbono, as políticas públicas brasileiras para energia, em todas as suas formas, seguem, atualmente, na contramão do razoável.
Mais do que não aumentar a participação de fontes renováveis na matriz energética, de forma sustentável, e acionar termelétricas para aumentar a oferta de eletricidade no País, a política de preços instituída pelo governo para combustíveis e energia ameaça de forma direta a existência de um setor que já foi referência em alternativa energética.
Há necessidade de uma reflexão multilateral envolvendo empresários do setor, lideranças e governo. Uma análise profunda, séria, que possa conduzir à formulação de políticas que permitam ao setor produtivo da cana-de-açúcar, com conhecimento das regras, investir e se manter enfrentando as dificuldades inerentes à atividade empreendedora, que já não são poucas e nem pequenas para qualquer segmento; isso poderia contribuir de maneira significativa para mudar os rumos atuais.
Buscar novas formas de atuar, pensar diferente, com um novo modelo mental, se reinventar parece ser o caminho possível em busca da solução que nos permita continuar dispondo de um setor produtivo forte, fonte de energia renovável para o próprio País.