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Jayme Buarque de Hollanda

Diretor Geral do INEE

Op-AA-12

A energia esquecida

Segundo o Balanço Energético Nacional de 2004, quinze por cento da energia primária do Brasil tem origem na madeira. Trata-se de uma participação expressiva, semelhante à da cana-de-açúcar e dos aproveitamentos hidrelétricos. Do total da madeira energética, um terço é usado nas residências e no campo, uma forma não comercial que reflete, até os dias de hoje, hábitos das sociedades primitivas, que percebiam na “lenha” uma fonte infinita de energia.

Uma característica muito particular do uso da madeira no nosso país é que dois terços dessa fonte de energia - portanto 10% da energia usada no Brasil – são utilizados para fins industriais, uma prática abandonada no resto do mundo a partir do século XIX, quando foi substituída pelos combustíveis fósseis. A maior parte dessa madeira energética é convertida em carvão vegetal (CV) e usada, principalmente, pela indústria siderúrgica. O restante destina-se às indústrias de cerâmica, papel e celulose, alimentícia e gesseira, que queimam a madeira diretamente em fornos e caldeiras.

Grande parte da madeira usada na siderurgia é plantada, mas uma parte importante tem origem nativa, em grande parte obtida ilegalmente e provocando desmatamento. A procura de carvão vegetal aumentou, quando os preços do aço e do coque de origem fóssil aumentaram nos anos 90, criando um duplo incentivo para produzir aço com carvão vegetal.

As vendas cresceram 17% ao ano na última década, talvez o setor mais dinâmico da economia brasileira, mas a expansão das florestas plantadas foi muito aquém das necessidades. Os efeitos ambientais são visíveis com a degradação de extensas áreas da Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal, desertificação em áreas do Nordeste, morte de rios e assoreamento em Minas Gerais, particularmente do rio São Francisco.

A siderurgia à base do carvão vegetal convive, assim, com duas realidades. De um lado, há uma indústria que opera de forma sustentável, planta florestas, usa tecnologia com alta produtividade energética e tem acesso a créditos de carbono. De outro lado, há indústrias que vêem na lenha nativa uma fonte de energia inesgotável e de custo baixo e arriscam, inclusive, conviver com a ilegalidade, incentivando um carvoejamento feito de forma primitiva e ineficiente, que coloca ainda mais pressão sobre o meio ambiente.

A dependência da lenha nativa ilegal tem dias contados, seja pelas pressões ambientais, seja pela redução das áreas passíveis de destruição, próximas às siderúrgicas. Substituir o carvão vegetal por fontes fósseis – coque, ou GN – embora possível em alguns casos, é pouco provável que tenha viabilidade em longo prazo. A sobrevivência econômica deste setor, que exporta US$ 2 bilhões, está, portanto, no aumento da oferta de biomassa plantada e sustentável e da produtividade na cadeia de produção, que permitam o uso da lenha, em bases aceitáveis.

A política ambiental não se mostrou capaz de deter a destruição de matas nativas. Em minha opinião, é muito importante que se crie no país, com a maior brevidade, uma política energética para a madeira, a única fonte de energia importante, para a qual ainda não existe uma política definida. Além de combater a lenha ilegal, o Brasil precisa montar uma agenda positiva, que valorize as conquistas que já fez, que organize e aperfeiçoe as cadeias de uso energético da lenha, indo da produção da madeira até o produto final, mediante seu uso energético otimizado, que garanta a sustentabilidade desta fonte.

Como referência, cito o setor sucroalcooleiro, que teve grandes avanços no aproveitamento dos recursos energéticos disponíveis em seus processos. Antes do Proálcool, muitas usinas usavam lenha nativa nas caldeiras, por falta de tecnologia para usar o bagaço, que era queimado em piras. A política do álcool levou as usinas a aumentarem a eficiência na cadeia produtiva, tornando o álcool competitivo, pois sua produção a partir da cana-de-açúcar, supre as próprias necessidades de energia, quando o bagaço é aproveitado para fins energéticos.

Antes, a cana era vendida a peso e hoje as usinas pagam em função da quantidade de açúcar contido, o que fez melhorar a produtividade dos plantadores. Além disso, graças a avanços da nova legislação elétrica e estímulo do BNDES ao uso de caldeiras de alta pressão (que aumentam a eficiência), o setor deve se tornar importante supridor de energia elétrica: no leilão por nova energia deve oferecer mais de 2,5 GW, dez vezes mais que a expectativa oficial recente.

Na verdade, o uso de biomassas como fonte de energia sempre foi associado a subdesenvolvimento, relacionando-se a formas energéticas não comerciais e uso de tecnologias primitivas. Isto reflete a leitura da questão energética das economias desenvolvidas, localizadas em regiões temperadas, onde o custo para fixar a energia solar na biomassa é muito elevado. O próprio uso do álcool automotivo da cana-de-açúcar, hoje uma unanimidade, foi colocado em dúvida, quando o preço do petróleo caiu.

Os planos de energia no final do século, inclusive, previam substituir o álcool automotivo pelo Gás Natural, e foram construídas no Sul, ao arrepio da lei, fábricas de MTBE, o poluente aditivo fóssil da gasolina, para substituir o álcool anidro. Neste mesmo período, felizmente, a política do petróleo manteve a visão de que, a longo prazo, o preço do petróleo tenderia a aumentar e, por isso, continuou as pesquisas que garantiram que novas descobertas ocorressem, ainda que em águas profundas.

Os EUA já começam a perceber a nova realidade e as novas políticas trabalham para incorporar a madeira energética, além de resíduos e gramíneas de alta produtividade, que têm a vantagem de fixar a energia solar em poucos meses. Com insolação elevada, base industrial já instalada, que já usa a madeira energética plantada, em um país onde a produtividade florestal é das maiores do mundo, o Brasil reúne as condições necessárias para dominar mais esta fonte renovável, com expectativa de custos decrescentes, e para assumir uma liderança mundial.

Em síntese, o uso da madeira nativa é inviável, prejudicial ao meio ambiente e à economia do país. Entretanto, este conta com condições edafoclimáticas e conhecimento para desenvolver a produção de biomassa, que a substitua com vantagem, bem como para aproveitá-la de forma racional, assegurando a oferta de um insumo energético competitivo e sustentável. Basta haver vontade política!