Depois de uma largada tumultuada no início da década passada, dada basicamente pelas dificuldades no escalonamento industrial da tecnologia para a produção de Etanol de segunda geração (E2G), que tomou alguns anos e muitos milhões de reais para a superação dos gargalos, a produção comercial do E2G se consolidou no início desta década e hoje é uma realidade com projetos existentes operando normalmente, com novos projetos sendo criados e com tecnologias de conversão disponíveis no mercado.
Explicando tecnicamente, o etanol de segunda geração, também conhecido como etanol celulósico ou bioetanol, possui composição idêntica ao etanol de primeira geração (E1G) produzido nas usinas de açúcar e etanol do nosso setor sucroenergético. O que o diferencia do convencional é a origem dos açúcares fermentescíveis. No E1G, o açúcar vem do caldo da cana e/ou do amido dos grãos de milho/sorgo. No E2G, o açúcar vem das fibras das plantas que podem ser de diversas origens como o bagaço e a palhada da cana-de-açúcar/cana-energia tipo 1, resíduos florestais, resíduos agrícolas diversos e a partir de biomassas dedicadas como a cana-energia tipo 2, sorgo biomassa, capim elefante, entre outras.
No caso específico dos resíduos da cana-de-açúcar/cana-energia tipo 1 (bagaço e palhada), cerca de dois terços das fibras são açúcares e estão presentes na celulose e na hemicelulose. O terço restante das fibras é composto pela lignina em maior quantidade e pelos extrativos e cinzas em menor quantidade. Importante destacar aqui que o açúcar contido nas fibras é o mais fácil e barato para ser produzido, ponto de extrema importância quando formos analisar o custo final de produção do E2G e o potencial de crescimento do mercado para esse biocombustível.
Entretanto, se produzir fibra com quantidade e baixo custo não foi um problema, retirar esse açúcar das fibras e convertê-lo em E2G foi um grande problema.
Se olharmos o processo em escala de bancada (laboratório e/ou planta piloto), que se desenvolveu ao longo dos anos 2000, desmanchar a estrutura da parede celular, desenvolver enzimas para transformar os polímeros de celulose e hemicelulose em monômeros de glicose e xilose e obter leveduras geneticamente modificadas para fermentar os açúcares de cinco carbonos presentes na xilose parecia ser um processo conhecido e bem equacionado.
Então, o projeto em escala industrial deveria ser baseado em três pilares, a saber: um primeiro pilar seria o pré-tratamento (para dissolver a estrutura da parede celular expondo as cadeias de celulose e hemicelulose), um segundo pilar seria a hidrólise enzimática (para converter os polímeros de celulose e hemicelulose em monômeros de glicanas e xilanas e, posteriormente, em glicose e xilose) e o terceiro pilar seria o da fermentação (onde leveduras geneticamente melhoradas entrariam em cena para a fermentação da xilose, visto que a glicose poderia ser fermentada pelas leveduras já existentes no mercado).
Foi exatamente com base nesses três pilares e com os ajustes necessários para o preparo e a alimentação da biomassa (fibras) e na destilação e separação dos resíduos (lignina e biomassa não utilizadas no processo) que os primeiros projetos industriais surgiram globalmente no início da década passada (2011-2015).
Com o início de atividade dos primeiros projetos industriais, esperava-se que os custos de produção fossem mais elevados por conta da curva de aprendizado e das baixas eficiências no pré-tratamento e de conversão das enzimas e das leveduras. Isso de fato aconteceu, mas o maior problema encontrado foi na estabilidade da operação dos pré-tratamentos. Todos os projetos iniciados tiveram insucesso na operação do pré-tratamento.
Fazer a biomassa passar em grande quantidade pelo pré-tratamento de forma contínua e com a severidade necessária para dissolver a lignina sem destruir os açúcares presentes na hemicelulose e sem criar inibidores mostrou-se ser uma tarefa muito difícil. Dos seis projetos industriais iniciados na época, apenas dois insistiram, persistiram, acreditaram e superaram todos os gargalos.
Felizmente para nós brasileiros, os dois projetos estavam aqui no Brasil. Um deles, o da GranBio, que precisou mudar o plano comercial e investir em tecnologia para superar os gargalos e se tornou detentora de dezenas de patentes de tecnologias para a produção de E2G, bioquímicos e nanocelulose e hoje licencia essas tecnologias a nível global. E o outro, o da Raízen, que atualmente tem duas plantas de E2G em operação, outras três em construção e outras tantas novas que ainda serão construídas ao longo dos próximos anos.
Com a biomassa equacionada (bagaço mais a palhada das canas-de-açúcar e energia do tipo 1) e com o processo industrial rodando a contento e com tecnologias disponíveis para licenciamento por novos grupos produtores no Brasil e no mundo, resta-nos apenas analisar o aspecto financeiro da produção do etanol 2G. Comparativamente ao etanol 1G, o investimento inicial numa planta de E2G é significativamente maior, porém o custo de produção já está muito próximo ao custo de produção do E1G com a vantagem de que esse custo irá diminuir ao longo dos anos por conta do aumento nas eficiências no rendimento industrial e redução no custo dos insumos agroindustriais (enzimas, leveduras e de logística no transporte da biomassa).
Para compensar esse custo maior na atualidade, temos a opção do crédito que carbono pago no E2G quando exportado para os EUA e Europa, que pode chegar a USD$ 200,00 a tonelada do etanol (USD$ 0,25/litro), por conta de o E2G ser ainda mais sustentável que o E1G.
Posto esse contexto todo e considerando o enorme potencial mundial da utilização do etanol (1G+2G) como matéria-prima para a produção de hidrogênio para os carros híbridos e para os combustíveis de aviação (SAF), eu faço aqui uma previsão bastante otimista para o futuro do E2G no Brasil: “Da mesma maneira que o etanol de primeira geração (E1G) foi anexado às usinas de açúcar no advento do Proálcool no final dos anos 70 e início dos anos 80, estamos vivendo um Proálcool 2G, onde nossa agroindústria irá instalar um outro anexo em suas unidades industriais que irá utilizar as sobras de bagaço e parte da palhada que hoje permanece no campo para a produção do etanol de segunda geração (E2G). O tempo irá dizer o quão rápido isso irá acontecer.”