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Fernando Cullen Sampaio

Gerente de Tecnologia e Processos Industriais da São Martinho

OpAA82

Fabricação de açúcar: elevados rendimentos com tecnologias adequadas, modernas e sustentáveis
A fabricação de açúcar enfrenta constantemente o desafio de aumentar a capacidade de produção, o rendimento, reduzir custos operacionais e, ao mesmo tempo, ser cada vez mais sustentável. 
 
Neste artigo, a ideia é transformar em texto uma apresentação que fizemos recentemente no último Congresso Nacional de Bioenergia - UDOP, observando aspectos conceituais, de operação e de projeto. Na nossa visão, uma planta adequada e moderna deve ser eficiente. Deve ter um elevado SJM (rendimento de fábrica); produzir açúcar de qualidade; com poucas pessoas na operação; layout e automação com baixo consumo de energia térmica e elétrica; com baixo consumo de água; permitir flexibilidade operacional e ter fácil manutenção.
 
O Rendimento de Fábrica é um indicador muito relevante e nem sempre recebe a devida atenção. Um elevado rendimento significa maior produção de açúcar. Se a planta permitir operar com 100% do caldo para o circuito açúcar, teremos maior rendimento, ou seja, mais açúcar e menos mel. Caso a planta não permita operar com 100% do caldo para açúcar, devido a limitações no tratamento do caldo ou evaporação, por exemplo, um rendimento alto permite fazer mais açúcar com o mesmo volume de caldo/xarope, reduzindo o custo específico do açúcar, considerando os custos com insumos e consumo de vapor no processo.
 
Outro aspecto relevante a considerar: o etanol produzido através do melaço tem perdas mais elevadas, ART sofre todas as perdas do circuito açúcar e posteriormente as perdas na fermentação e destilação. Um bom rendimento de fábrica permite uma eficiência industrial mais elevada. Isto não é pouca coisa nos volumes que nossas Usinas operam.

Planta eficiente, com elevados rendimentos, também exige a disponibilidade de cozedores bem projetados, com elevada relação área/volume, agitação mecânica, desenho de fundo que permita boa circulação da massa, com bom nível de automação, garantia da disponibilidade das utilidades necessárias,  vapor (P e T constantes), água de qualidade, EE e ar comprimido, além de um sistema de geração de vácuo bem projetado e bem operado. Este cenário vai garantir temperaturas sob controle nos processos de cozimento. 

No aspecto operacional, lembrando que a força motriz da cristalização é a pureza das soluções, além da qualidade da cana, é fundamental preservar a pureza da matéria-prima no decorrer do processo. É muito importante realizar os controles de pH na clarificação e filtração, evitar tempos de residência elevados, temperaturas adequadas nas diversas etapas, evitar recirculações excessivas, bem como eliminar pontos mortos no decorrer de todo processo que antecede a fábrica propriamente dita. 

Na operação da fábrica, o planejamento e a padronização fazem grande diferença. Plano de produção e balanços ajudam muito na definição da condução do processo. Deve-se considerar o volume de semente adequada, número de cortes necessários, parametrização de todos os fluxos. Para massas, méis, magma, o brix, pol e pureza e, obviamente, a condução esmerada das operações, bem como cozimentos, centrifugações, diluições de méis e magma, vaporização dos cozedores, fervura dos cozedores, cortes, sequenciamento das operações (quando batelada), bombeamentos. A automação é fundamental, além de muito capricho e disciplina por parte da operação e liderança.
 
Estamos projetando na São Martinho uma planta de açúcar para nossa unidade de Goiás, ainda sem aprovação e previsão de implantação. Estamos estudando o projeto e algumas discussões têm sido muito interessantes. Na questão da recuperação da fábrica, surgem debates como: projetar fábrica com duas ou três massas?

Olhando a recuperação: 3 massas – pureza do mel final < 50% com SJM > 84%, já com 2 massas – pureza do mel final entre 55 a 60% com SJM variando de 76 a 81%; para uma planta de 5MMtc, com todo caldo para o circuito açúcar (álcool residual). A opção de 3 massas possibilitaria produção de açúcar aproximadamente 7% superior à de 2 massas – por volta de 35kt açúcar adicionais, significativo, porém com capex mais elevado; maior consumo de vapor; EE e água (processo e geração de vácuo); maior custo de manutenção e, um ponto relevante, que é a qualidade do mel final e seus efeitos na fermentação, bem como, a maior geração de ácidos (devido à maior exposição a temperaturas elevadas e alto tempo de retenção). Por todo o cenário, estamos optando por seguir o nosso projeto com a opção de 2 massas.
 
Outra discussão importante é a possibilidade de recuperação de açúcar por resfriamento de massa, lembrando que podemos manter a supersaturação da massa por evaporação – cozimentos, empregado nas nossas unidades – ou por resfriamento – cristalização, essa ainda pouco usual no Brasil. Portanto, a cristalização pode complementar a produção de cristais de açúcar ou até substituir uma terceira massa. 

Alguns parâmetros para cristalizadores verticais, com resfriamento (serpentina interna) e aquecimento no final (para alimentação das centrífugas). A cada 4-5ºC de redução de temperatura possibilita 1 ponto de redução na pureza do mel; tempo de resfriamento – 1,5 a 2,0ºC/h; temperatura final – pode-se chegar até 40ºC na condição de massas B ou C.

Normalmente cristalizadores verticais são dimensionados para 16h de tempo de residência, com ganhos de aproximadamente 5 a 6 pontos na pureza do mel. Cristalizador para a massa B pode até substituir a terceira massa, com a vantagem de apresentar menor consumo de vapor, opera com temperaturas mais baixas, e, portanto, menos inversões/degradações e menor formação de ácidos orgânicos (das reações de inversão/degradação), preservando a qualidade do mel. 

Os cuidados com os controles são fundamentais nesta operação, controle do resfriamento mantendo a supersaturação elevada (próximo 1.2) e no aquecimento final, garantindo supersaturação > 1, para não derreter os cristais formados. Esta é uma opção interessante a ser avaliada para plantas novas ou mesmo as existentes.

Pensando em granulometria, sequenciamento das operações na fábrica, balanço térmico, menor consumo de vapor, vácuo, batelada ou contínuo, qual seria a melhor opção? Outra discussão acalorada. O sistema contínuo traz uma série de vantagens e alguns pontos preocupantes, por exemplo: permite vazões estáveis de processo e utilidades, opera com brix alto de xarope e/ou mel, produz menores quantidades de água de limpeza (água doce), evita aquecimento/resfriamento frequentes do equipamento, permite maior utilização de sangrias – até VG3 (efeito menor da pressão hidrostática, baixa e constante coluna de massa). Mas, em compensação, exige automação obrigatória e mais sofisticada, homogeneidade da massa – regularidade dos cristais? Operação de limpeza bem menos frequente, mas mais complexa e capex mais elevado.
 
Já no sistema batelada, a automação é recomendada, mas não obrigatória, permite maior flexibilidade operacional, com manobras, limpezas, bem como maior flexibilidade para aumentos de capacidade e custo de implantação mais baixo. O sistema contínuo, sem dúvida, é muito interessante e muito bem consolidado para aplicações em massas B e C, já com a existência de algumas iniciativas bem-sucedidas para massa A. Na São Martinho estamos optando por projetar contínuo na massa B, com utilização de VG3 e batelada na massa A, com agitação mecânica e utilização de VG2.
 
Um bom sistema de geração de vácuo também é fundamental para a boa performance da evaporação e dos cozedores. Já temos em uma das nossas unidades um condensador evaporativo instalado, na massa B, com vácuo contínuo, na nossa visão um equipamento muito inteligente e eficiente, mas tínhamos algumas dúvidas quanto à operação desse equipamento em um cozedor batelada, em função das paradas e retomadas, principalmente. 

Fizemos algumas visitas, estudamos e verificamos que, com alguns critérios no dimensionamento da bomba de vácuo (parte do sistema), o condensador evaporativo nos dá a segurança necessária na operação. Comparando com sistemas convencionais como multijato, condensador com bomba de vácuo ou hidroejetor, com aspersor ou torre para resfriamento da água, o sistema evaporativo traz muitas vantagens, como operação mais simples, menos manutenção, menor consumo de EE, redução de insumos no tratamento da água e layout, opção muito favorável, principalmente para uma planta nova, comparando todo o sistema.
 
O condensador evaporativo elimina a necessidade da torre ou spray, todo circuito de água e bombas enormes, estamos optando por instalar essa tecnologia em todas as operações, evaporação e cozimentos, da granagem à massa A.

Para finalizar, em projetos de melhoria ou na concepção de uma nova planta, as tecnologias hoje disponíveis têm de ser consideradas. Citamos algumas que estamos estudando em nosso projeto:
• Automação e operação remota dos equipamentos;
• Automação do sequenciamento das operações da fábrica de açúcar – “diagrama de ocupação” dos cozedores;
• Autonomia no tempo de lavagem das centrífugas, com leitura da cor do açúcar online;
• Monitoramento online da granulometria dos cristais nas massas;
• Controle da temperatura do açúcar seco, resfriamento final através de trocador de calor a placas e água gelada como fonte fria.

Longe de esgotar o assunto, em uma outra oportunidade voltaremos a abordar outros aspectos relacionados a este tema, vasto e apaixonante no processo de fabricação de açúcar.