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Marcelo Fernando Fonseca e Lucíola Alves Magalhães

Secretário-executivo do CTI e Chefe Adjunta de P&D, do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Embrapa Territorial

Op-AA-63

A importância da inteligência territorial estratégica
A importância nacional do setor canavieiro está expressa na sua longa e tradicional história de ocupação do território e nos números que hoje permeiam a cadeia produtiva: mais de 10 milhões de hectares plantados (praticamente o dobro da Índia, segunda colocada no mundo) e produção de mais de 750 milhões de toneladas que, monetizadas, beiram os R$ 52 bilhões em valores de produção. Geograficamente, as regiões Sudeste e Centro-Oeste respondem por mais de 85% desses agregados, e o restante da participação concentra-se, sobretudo, nas proximidades do litoral da região Nordeste e em pequena porção da região Sul.

No estado de São Paulo, a cana-de-açúcar ocupa área significativa (22% do território) e representa quase metade do vultoso valor de produção no contexto dos 20 principais produtos do agronegócio paulista. Os subprodutos da cana, como açúcar, etanol e bioeletricidade, em especial, revelam a riqueza e a versatilidade desse cultivo, que gera renda e empregos. Além deles, há os produtos de menor escala, como a rapadura, o melado e a aguardente de cana-de-açúcar, cuja denominação tipicamente brasileira da marca “cachaça” ganhou recentemente status de Indicação Geográfica.

Diversas são as pesquisas relacionadas ao setor, e seus grandes números, inovações tecnológicas e desafios são comunicados em revistas, fóruns e comunidades especializadas. Um dos elementos que podem auxiliar na compreensão do setor e contribuir para a tomada de decisão por dirigentes públicos e privados é o componente territorial. Ele revela uma gama de oportunidades a serem conduzidas por meio de ações efetivas de pesquisa, desenvolvimento, inovação e comunicação. 

E é nesse contexto que a Embrapa Territorial atua, viabilizando soluções de PD&I em inteligência, gestão e monitoramento territorial para a sustentabilidade e a competitividade da agricultura brasileira. Um projeto em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp, concluído em 2015, teve como base o Protocolo Agroambiental de cooperação do setor sucroenergético paulista e avaliou o impacto da mecanização, que hoje beira os 100% no Centro-Sul do País, da colheita da cana-de-açúcar nas áreas com declividade acima de 12% em todo o estado de São Paulo (disponível em: www.embrapa.br/gite/fiesp/index.html). A partir da análise integrada de mapeamentos das áreas de produção, dados topográficos e modelos digitais de elevação do terreno, foi produzido – para cada região administrativa e, posteriormente, para cada município paulista – um diagnóstico da perda potencial de produção considerando o protocolo agroambiental.

O diagnóstico da ocupação da cana-de-açúcar em áreas de declives mais acentuados e, por conseguinte, a quantificação e a qualificação da possível regressão da cana-de-açúcar nas áreas de colheita não mecanizável apontaram as regiões com maior perda em termos relativos e absolutos de produção de cana-de-açúcar. O diagnóstico também forneceu subsídios para análises estratégicas de diversificação da produção. Cenários de conversão de usos da terra para essas áreas foram sugeridos, como subsídios para que o setor se preparasse e efetivamente tomasse medidas de gestão territorial para seu parque canavieiro.
 
Outro exemplo de como os mapeamentos e outras informações territoriais sobre a produção podem auxiliar na definição de estratégias de comunicação e gestão do setor pode ser encontrado nos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR). No estado de São Paulo, dos mais de 300 mil imóveis declarados no CAR, afere-se que pouco mais de 1/3 apresente, no perímetro de sua propriedade, cana-de-açúcar, que ocupa espaços rurais em mais de 480 municípios paulistas. 

Em meio às práticas de sustentabilidade ambiental adequadas que, há anos, vêm sendo implementadas pelos produtores do setor sucroenergético, até mesmo pelo viés da manutenção de sua competitividade em mercados cada vez mais acirrados, identificamos a necessidade de financiamentos do setor produtivo, para desenvolver estudos e mapeamentos mais detalhados da dimensão territorial das áreas destinadas à preservação da vegetação nativa (áreas de preservação permanente, reserva legal e vegetação excedente) dentro das propriedades nas quais a cana-de-açúcar é mandatária, território esse preservado e mantido por iniciativa do próprio produtor, mesmo já onerado pelos altos custos da produção.
 
Além da dimensão territorial (disponível em: www.embrapa.br/car), outras perspectivas mostram-se necessárias e urgentes, como estudos sobre a dimensão socioeconômica (patrimônio fundiário imobilizado, custo de manutenção, custo de oportunidade, empregos diretos e induzidos) e a dimensão ambiental (estado e natureza da vegetação, estoque de carbono atual e futuro, indicadores de biodiversidade e serviços ambientais). São informações capazes de agregar valor ao setor sucroenergético, comunicando à sociedade a sustentabilidade do setor.

Observamos também mudanças tecnológicas e conceituais na expansão das atividades do setor. Além das mais de três centenas de unidades produtivas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo a fabricar etanol no País, identificamos novos empreendimentos engajados em produzir etanol a partir do milho, o que denota uma inovação, com a superação de antigas discussões acerca do suposto conflito alimento x biocombustível. 

Já há em funcionamento usinas dessa natureza nos estados de Mato Grosso, Goiás, São Paulo e Paraná, além de outras em construção e projetos em andamento. Junto a essa ampliação da capacidade produtiva do setor sucroenergético, emergem questões fundamentais de cunho territorial que somente o investimento em pesquisa e conhecimento pode responder: a partir de dados locacionais das usinas, quais são suas áreas de influência direta e indireta, quais são as distâncias econômicas de plantio, como se configura a competição nas áreas de interesse, quais são as relações com a macrologística e micrologística, como distâncias de vias pavimentadas ou de canais de escoamento da produção influenciam a atuação dos agentes econômicos. Mapear esses fatores competitivos é estratégico e pode influenciar diretamente o desempenho do setor, de forma individual ou consorciada. As geotecnologias fornecem meios e instrumentos estratégicos para responder a essas questões.

Em síntese, precisamos, cada vez mais, desvendar a natureza espacial e territorial do setor sucroenergético, caracterizado por grandes números, pela relevância nos segmentos de alimentos, bioenergia e meio ambiente, por acolher milhares de produtores e famílias rurais. Mapear as oportunidades é mais que necessário, é imperativo.