Há alguns anos, nos tempos do CTC-Copersucar, numa conversa informal com alguns empresários, eu mencionei que chegaria o momento em que o bagaço da cana alcançaria valores superiores ao da própria cana. Pois bem, esse tempo já chegou. Quando constatamos que a cana de açúcar deu origem a 17,5% de toda a energia do Brasil em 2016, pudemos concluir que realmente a energia elétrica é definitivamente o terceiro produto do setor sucroenergético, valorizando a biomassa que o setor dispõe (bagaço e palha da cana).
Isso impôs um desafio na otimização energética de todas as plantas existentes. Relembrando a história, pude separar a evolução da eficiência energética em algumas fases, que mencionarei abaixo:
Início da autossuficiência térmica eliminando o consumo de combustível adicional ao bagaço (madeira e óleo combustível. Nessa oportunidade, procurou-se elevar a eficiência térmica das caldeiras, com instalação de grelhas basculantes, pré-aquecedores de ar e economizadores.
Início da autossuficiência em energia elétrica. Nesse momento houve o início das melhorias do consumo específico do vapor pelo processo e otimização da eficiência das turbinas a vapor, com aplicação das famosas multiválvulas, mas ainda utilizando apenas turbinas de simples estágios.
Finalmente, com a autorização e normatização da comercialização de energia elétrica, ocorreu o maior avanço no setor de utilidades e que continua até os dias de hoje. Com isso, tivemos a chegada de caldeiras de grande porte, turbinas de múltiplos estágios, reações, processos mais econômicos, etc. Nesse sentido, muitos desafios já foram vencidos, porém nos restam outros tantos, sobre os quais dissertarei esse artigo.
Ao longo dos anos, a eficiência térmica das caldeiras foi incrementada atingindo valores da ordem de 88% ao PCi, inclusive com a chegada das caldeiras de Leito Fluidizado, e isso foi possível graças ao bagaço que dispúnhamos naquela oportunidade. Atualmente, as características do bagaço mudaram significativamente com a chegada da colheita mecanizada, interrupção das queimadas e da lavagem da cana com água na entrada das moendas, causando uma piora na qualidade do bagaço como combustível e agregando elementos indesejáveis, tais como o enxofre e o cloro.
Para as novas caldeiras de leito fluidizado isso não afeta, pois podem operar com bagaço de até 65% de umidade e neutralizar o enxofre já na areia do leito. Porém, o projeto da maioria das caldeiras existentes, ficou inadequado para o “novo bagaço” exigindo novos desafios na adequação dessas unidades, objetivando reduzir o elevado custo de manutenção, causado principalmente pelo desgaste devido ao ataque químico e corrosão nas partes pós-caldeira.
Na área de utilização do vapor, surgiram turbinas de reação, com altíssima eficiência termodinâmica e com capacidades que não se limitam mais aos 50 MW de outrora, podendo ser utilizadas turbinas que acionam geradores diretamente a 3.600 RPM, sem redutor – como exemplo cito o caso da Usina Delta, com turbo gerador de 75 MW.
Se na aplicação de novos equipamentos houve uma resposta importante oferecida pelo mercado, na aplicação de ciclos térmicos de maior eficiência, ainda estamos avançando lentamente e, a meu ver, esse é o maior desafio do momento.
Para o ciclo Rankini convencional, temos um potencial conhecido, que se aproxima dos 100 kW/TC de excedente de energia elétrica a ser exportado, dependendo do consumo específico do vapor de processo, conforme relacionado no diagrama abaixo. Porém o ciclo Rankini pode ser melhorado com a utilização dos seguintes artifícios: aplicação de sangrias nas turbinas e trocadores de calor regenerativos, proporcionando maior temperatura na água de alimentação das caldeiras e/ou ar de combustão.
Aplicação do ciclo Rankini com reaquecimento do vapor, o que implica na colocação de superaquecedores terciários nas caldeiras. Com os artifícios acima, pode-se ultrapassar a barreira dos 100 kW/TC de excedente de energia elétrica a ser exportado.
Outra oportunidade, que começa a ser estudada é referente à utilização do biogás, oriundo do tratamento da vinhaça, que pode ser utilizado em turbinas a gás, dando origem à aplicação de ciclos combinados e ciclos híbridos, quando podem ser utilizadas turbinas a gás com caldeiras de recuperação e posterior turbina a vapor.
Essa possibilidade deixa clara a vocação energética do setor, ou seja, ainda temos um caminho muito longo a percorrer. Ainda restam alguns desafios a serem vencidos, não relacionados com a tecnologia diretamente, mas que dificultam a expansão da produção de energia verde oriunda da biomassa, quais sejam: • preço justo para energia de fonte renovável; • linhas de financiamento com taxas que não inviabilizem projetos, e • menor burocracia para a liberação de licenças ambientais.