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Luis Eduardo A. Camargo, Mariana Cicarelli Cia e Raphael S. C. Antunes Faria

Respectivamente, Professor, Pós-doutoranda e doutorando do Dpto. de Fitopatologia e Nematologia da Esalq-USP

Op-AA-56

O raquitismo-das-soqueiras
A cana-de-açúcar é uma cultura que tem passado por transformações significativas nos últimos anos, em decorrência da expansão de seu cultivo para novas áreas, levando a recordes de produção e de exportação de açúcar e álcool. Todavia todo esse cenário pode ser prejudicado se não forem adotadas medidas eficientes de controle para as principais pragas e doenças que afetam a cultura.

Dentre as doenças de natureza bacteriana, a escaldadura, causada por Xanthomonas albilineans, e o raquitismo-das-soqueiras, causada por Leifsonia xyli subsp. xyli (Lxx), são as mais importantes. O raquitismo-das-soqueiras é encontrado mundialmente em todas as regiões produtoras.

As perdas em biomassa podem chegar a mais de 50% nas variedades mais suscetíveis. Na Austrália, foram relatadas perdas de mais de US$ 10 milhões, ao passo que, nos EUA, essa cifra anual chegou a US$ 30 milhões. No Brasil, considerando apenas a variedade mais plantada, estima-se que as perdas atinjam US$ 1 milhão/ano. Com a adoção cada vez maior da colheita mecanizada e a expansão da cultura para novas fronteiras agrícolas, esse cenário pode tornar-se ainda mais preocupante, uma vez que a doença é mais grave em regiões de menor aptidão agrícola sujeitas a estresse hídrico.
 
Lxx é uma bactéria singular por vários motivos: apresenta exigência nutricional complexa e um crescimento vagaroso em meio de cultivo. Acredita-se que esse comportamento fastidioso resultou de mutações em genes muito importantes para o metabolismo bacteriano que afetaram a funcionalidade desses genes. De fato, a análise de seu genoma mostrou que até 13% dos seus genes sofreram mutações, o que é outra singularidade desse microrganismo. 
 
A implicação disso do ponto de vista prático é que a bactéria passou a ser dependente da cana, fato que explica ela só ser encontrada nessa espécie. Outra curiosidade é que há evidências que indicam que o hospedeiro natural de Lxx não é a cana cultivada (S. officinarum), mas sim S. spontaneum.

Ela teria sido introduzida em S. officinarum durante o processo de hibridização artificial entre essas espécies, ocorrido na primeira metade do século passado. A disseminação desses híbridos interespecíficos ao redor do mundo, em decorrência de troca de materiais entre programas de melhoramento, levou também à dispersão de um único clone de Lxx pelo mundo todo, e um fato que decorre disso é que os isolados de Lxx são muito parecidos entre si. 
 
Os sintomas do raquitismo são caracterizados por redução no porte da planta, tanto em altura quanto no diâmetro dos colmos, os quais se tornam mais severos após sucessivos cortes. Os danos tornam-se mais intensos quando as plantas são expostas a déficit hídrico.

Como esses sintomas são facilmente confundidos com aqueles ocasionados por outros fatores que limitam a produção, como deficiência nutricional, é comum a manutenção de plantas doentes no campo. Internamente, pode-se observar a presença de pontuações avermelhadas na região do nó e de coloração rosada próxima ao meristema apical de plantas jovens. 
 
Algumas variedades, consideradas tolerantes, podem apresentar alta taxa de infecção sem que esses sintomas sejam notados, ao passo que, em outras, consideradas resistentes, a bactéria cresce pouco. Estudos recentes demonstraram que Lxx altera a fisiologia da cana-de-açúcar, reduzindo a atividade fotossintética e alterando seus níveis hormonais.

Essas alterações decorrem do entupimento dos vasos do xilema por substância que ainda não se sabe se é de origem vegetal ou bacteriana. Análises moleculares conduzidas em nosso laboratório revelaram também que um aumento da concentração da bactéria nos tecidos da cana leva a uma redução na expressão de genes ligados ao processo da divisão celular, o que explica o menor crescimento de plantas infectadas. 
 
A bactéria ainda parece “manipular” a fisiologia da planta, estimulando, por exemplo, a atividade de genes ligados à síntese dos aminoácidos cisteína e metionina, ambos compostos essenciais para o microrganismo. Uma das técnicas mais empregadas para a detecção de Lxx na planta é o dot blot, baseado em reação com anticorpos que reconhecem a bactéria.

Esse método, no entanto, não é 100% garantido e pode resultar em falsos negativos, ou seja, o patógeno está presente, mas não é detectado. O uso de técnicas mais sensíveis baseadas na detecção do DNA da bactéria é uma excelente alternativa por serem mais específicas e sensíveis e já foram adotadas por empresas do setor, o que pode alterar as estimativas de incidência da enfermidade nos canaviais nos próximos anos. 
 
Como a principal forma de disseminação da doença ocorre através do plantio de material de propagação contaminado, seu controle fundamenta-se no uso de toletes ou mudas livres de patógeno. Atualmente, duas estratégias são adotadas: termoterapia dos toletes e cultura de tecidos. A termoterapia consiste na imersão dos toletes em água por 30 minutos a 52 ºC, ou 2 horas a 50 ºC. 
 
A técnica, embora conhecida, é trabalhosa e onerosa e nem sempre é adotada, especialmente em épocas de alta demanda por material para plantio. Além disso, o tratamento não elimina a bactéria dos toletes e pode afetar a viabilidade das gemas. A cultura de tecidos baseia-se na regeneração in vitro de plantas a partir de células do meristema apical, onde ainda há pouca vascularização dos tecidos e menor concentração de Lxx.

As plantas regeneradas podem servir de material inicial para a geração de mudas pré-brotadas (MPB), resultando em plantas de alta qualidade fitossanitária. Outra forma de controle seria o uso de variedades resistentes. Embora uma ação de longo prazo, o melhoramento para resistência ao raquitismo é possível e altamente desejável, pois é o método mais eficiente e menos oneroso de controle, que deve ser usado em conjunto com os outros métodos dentro da filosofia do manejo integrado. Todavia, devido à dificuldade de identificação dos sintomas e ao crescimento lento da bactéria na planta, a busca por variedades resistentes tem sido negligenciada pelos programas de melhoramento, não só no Brasil. 
 
Dessa forma, pesquisas devem ser voltadas para o desenvolvimento de técnicas que permitam distinguir plantas resistentes de suscetíveis logo no início do programa de seleção, de forma rápida e, de preferência, no estádio de plântulas. As estratégias adotadas devem incluir a seleção assistida por marcadores do DNA (alterações no DNA da planta) ou ainda por marcadores metabólicos (compostos do metabolismo da planta).

Embora a doença seja onipresente, ela ainda é pouco compreendida, o que leva à negligência de sua importância. Para piorar, as dificuldades na identificação dos sintomas e as falhas nos métodos de detecção passam a falsa impressão de que a doença está sob controle. Esse pressuposto desestimula a busca por variedades resistentes e estudos que mostrem as perdas atuais ocasionadas pela doença. Assim, são necessários esforços urgentes para compreender melhor esse problema e adotar estratégias eficientes de identificação da bactéria e de seleção de genótipos resistentes.