Aos 40 anos de convivência com o setor sucroenergético, é com grande alegria que constato o elevado nível de maturidade por ele atingido. A musculatura adquirida o torna extremamente resiliente e capaz de atravessar eventuais crises futuras que com certeza virão, sendo elas curtas ou longas e mais ou menos profundas. A musculatura a que me refiro tem na sua formação diversas componentes que passarei a elencar.
1. Experiências adquiridas de crises anteriores:
Das diversas crises vividas pelo setor sucroenergético, sem dúvida a mais marcante foi a do boom de crescimento oriunda do surgimento do carro flex em 2003 que prometia um crescimento quase infinito da demanda do etanol hidratado. Isso causou uma avalanche de investimentos sem precedentes com promessas governamentais de virarmos a Arábia Saudita verde do combustível renovável, e o que se viu na sequência foi um controle de preço dos combustíveis fósseis no mais autêntico estilo populista. Este fato provocou a quebradeira de várias empresas do setor que não suportaram a perversa combinação de elevada alavancagem financeira fruto do investimento com rentabilidade baixa ou negativa.
Isso deixou preciosas lições nos empresários do setor e, também, no sistema financeiro, dado o volume expressivo de perdas que esta situação ocasionou. Os empresários que foram mais comedidos nos investimentos à época estão aí até hoje com seus negócios evoluindo de forma constante e bastante sustentável, enquanto os outros acabaram vendendo suas empresas ou encerrando suas operações.
Hoje assistimos no setor a um processo lento e muito saudável de consolidação capitaneado por essas empresas que foram comedidas no passado. Com certeza este movimento irá sem dúvida colaborar para os ganhos de resiliência do setor. Não incluímos como parte desta saudável consolidação a entrada no setor de grupos pertencentes ao crime organizado.
2. Alto nível de inovação:
Chama muito a atenção o grande número de inovações que chegaram ao setor sucroenergético nos últimos 20 anos. A colheita mecânica, sem dúvida, tem a maior importância na medida que colaborou fortemente para a redução de custos, eliminando uma quantidade enorme de trabalho degradante, eliminando a queima com claros benefícios ambientais e de imagem para o setor junto à opinião pública. Além disso, a palha deixada no campo mostrou os enormes benefícios por ela proporcionados de proteção do solo e elevação do teor de matéria orgânica, contribuindo para o enriquecimento da vida biológica do solo.
Outro fato muito auspicioso é a digitalização invadindo o campo, o elevado nível de eletrônica embarcada nos equipamentos. A crescente conectividade tem permitido um controle maior em tempo real sobre as operações. Os COIs e COAs cada vez mais presentes nas empresas nos encantam.
A adoção de práticas ditas regenerativas é crescente e colabora sobremaneira para incremento de produtividade e redução de custos notadamente em áreas cujo ambiente de produção é mais restritivo. Incluímos nestas práticas ditas regenerativas o uso das mais diferentes fontes de matéria orgânica, com destaque para a torta composta e enriquecida e a vinhaça agora aplicada de forma localizada em distâncias cada vez maiores.
O uso de material biológico, sejam fungos ou bactérias, tem servido à recomposição da vida do solo com enormes benefícios. O manejo integrado de pragas com a combinação de produtos químicos e biológicos tem sido muito eficiente e promissor no combate de poderosas pragas como Sphenophorus, nematóides, etc.
3. Crescimento vertical, mix de produção e agregação de valor:
A evolução e o crescimento do setor já não se fazem pelo crescimento horizontal e construção de novas unidades. O Centro-Sul há muito tempo está estacionado em área de colheita, variando em torno de 7.500 e 7.800 mil hectares. As expansões de produção têm sido as evoluções na produtividade. A crescente produção de etanol de milho, dada sua competitividade, tem permitido o aumento do mix açucareiro por parte das usinas de cana, além de ter dado enorme segurança ao fornecimento de etanol, que já não tem mais o ano dividido em safra e entressafra.
O aumento da mistura de etanol nos carros com motor a combustão no Brasil, a adoção de programas de uso de combustíveis renováveis em outros países e o uso do etanol de cana futuramente como uma das matérias-primas para produção de SAF (combustível sustentável de aviação) nos fazem crer que o etanol tem um futuro brilhante pela frente, conseguindo conviver com uma progressiva eletrificação da frota de um mundo desejoso e necessitado de descarbonização.
Outro fator que nos enche de esperança no futuro do sucroenergético sem dúvida é a utilização de torta e vinhaça na produção de biometano antes de voltarem bioenriquecidos para a lavoura após serem biodigeridos. Este gás vai encontrar alguns usos muito nobres como, por exemplo, mover frotas pesadas como caminhões e tratores das usinas e de terceiros.
Além disso, este biogás encontrará mercados graças a mandatos de mistura constantes na nova legislação, além de mercados específicos de consumidores, principalmente indústrias, para os quais o consumo do renovável faz sentido, e existe disposição a pagar o merecido prêmio.
4. Conclusão:
Resumindo tudo que foi dito, estamos diante de um setor hoje extremamente maduro e profissionalizado com uma estruturação de capital adequada com baixo nível de alavancagem. Não obstante ter atravessado anos de excelente nível de preço no açúcar, não partiu para um crescimento transloucado.
Muito pelo contrário, a geração de caixa deste período foi usada na redução do endividamento oneroso, e os investimentos foram forçados em mudança de mix dada a vantagem em fazer açúcar.
Outro foco foi o desengargalamento industrial em que pequenos investimentos promoveram saltos importantes de capacidade produtiva. Outro ponto importante foram os investimentos na evolução tecnológica no campo com apreciáveis ganhos de produtividade, ganhos de eficiência e redução de custos.
Toda eventual oportunidade de aquisição na maior parte das vezes só fez sentido se propiciar relevantes ganhos de sinergia com significativa redução de custos e ganho de competitividade. Portanto, considero que hoje, dentro do agronegócio, o setor sucroenergético, que já foi considerado patinho feio, transformou-se numa excelente oportunidade aos olhos da Faria Lima.