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Heloisa Lee Burnquist

Professora de Economia, Administração e Sociologia da Esalq-USP

Op-AA-49

Precisamos redirecionar essa história
A evolução da economia global pode ser organizada em capítulos marcados pela utilização de diferentes fontes de energia. Tamanha é a importância do acesso e do controle de fontes de recursos energéticos, assim como da capacidade de transporte e de armazenamento, que estes se firmaram como elementos de poder, tanto no âmbito político, como no comercial e no militar.

De fato, o controle sobre a obtenção e a distribuição de energia foi reconhecido como um importante determinante da supremacia de países nas grandes guerras. No período pós II Grande Guerra, o petróleo e seus derivados apresentaram destacado aumento na participação do total de energia consumida no contexto mundial, monopolizando o mercado de transporte, que também apresentou um rápido crescimento, tendo penetrado também, rapidamente, no mercado de energia. 

 
O carvão cedeu espaço ao petróleo e ao gás natural, que se estabeleceram como a primeira geração de recursos energéticos utilizados em escala global, envolvendo um número expressivo de países, crescendo em escala tanto em terra, como na água. Nesse contexto, a segurança das cadeias de abastecimento é urgente, e a garantia de sua eficiência requer a colaboração entre países produtores e consumidores. A formação de gargalos críticos na distribuição pode resultar de vulnerabilidades, seja devido a acidentes ou a ataques terroristas e a conflitos militares.
 
A tendência desenvolvida nos mercados de energia manteve-se praticamente inalterada até 1972, quando foi quebrada por uma crise essencialmente política, resultando em aumento substancial dos preços mundiais do petróleo. Desde então, rupturas frequentes nos mercados de energia têm sido causa e/ou resultado de crises geopolíticas, com potencial para desequilibrar a estabilidade socioeconômica e política em um contexto global. 
 
Além disso, ao longo desse período, a preocupação com impactos ambientais passou a estimular a identificação de fontes alternativas e menos poluentes que os derivados de petróleo. De fato, o destino ambiental do planeta começou a dar sinais assustadores. 

Em relatório apresentado pelo Climate Vulnerability Monitor, um estudo comissionado por vinte governos estima que, atualmente, 400.000 pessoas morrem a cada ano devido a mudanças climáticas, sendo 98% nos países do hemisfério sul. Esses números caracterizam um verdadeiro genocídio em progressão, resultante do aquecimento global. Análises destacam ainda que oferta e comércio de energia são fatores centrais a muitos dos problemas geopolíticos atuais, desde os confrontos entre Rússia e Ucrânia até a luta contra a ISIS e a estabilidade dos países do Oriente Médio. 
 
Dessa forma, a compreensão do complexo “mundo energético” requer um preparo profundo quanto aos desenvolvimentos políticos, tecnológicos e de mercados e suas inter-relações. A tecnologia, grande promotora do crescimento global, ao longo das últimas décadas, também define a necessidade dos diferentes tipos de energia. Em período recente, a tendência de aumento da demanda global por energia vem se acelerando, enquanto as fontes tradicionais de oferta – com destaque para os derivados do petróleo – apresentam uma clara redução, ao que se deve somar o reconhecimento das implicações das mudanças climáticas provocadas pelo impacto ambiental negativo de fontes tradicionais de energia – que precisam ser evitadas. 
 
Outro aspecto preocupante é a dependência de energia externa pela grande maioria dos países, enquanto a concentração da sua produção restringe-se a cerca de 20 produtores. Aparentemente, os desafios nunca foram tão grandes, tampouco o risco intrínseco a medidas pouco fundamentadas foi tão expressivo. Não é difícil entender, portanto, a busca pela diversificação das fontes e pelo desenvolvimento de tecnologias que permitam o uso eficiente – tanto em termos econômicos, como tecnológicos – de novas fontes de energia. 
 
Recentemente, Paul Krugman, Nobel em Economia, abordou a questão com um certo otimismo na imprensa norte-americana. Segundo ele, a “salvação” do mundo de uma catástrofe climática é algo que já pode ser considerado uma realidade. Mais especificamente, Krugman acredita que uma revolução energética pode ser promovida sem que, para tal, seja necessário qualquer revolução política. O rápido avanço tecnológico na área provocou uma redução no preço das alternativas energéticas disponíveis, de forma que, ao contrário do que muitos acreditam, uma drástica redução nas emissões de gás estufa não envolve, necessariamente, sacrifícios econômicos devastadores para o crescimento econômico. No entanto, a falha em atingir tal “salvação” também é uma possibilidade real, principalmente quando não se atribui o poder de decisão política às pessoas certas. 
 
O Brasil é um case para explorar a discussão iniciada por Krugman, e o objetivo deste artigo é provocar (mais uma) discussão a esse respeito, identificando variáveis estratégicas para alavancar uma nova fase de valorização do potencial da cana-de-açúcar na geração de bioenergia no País. Há cerca de uma década, os cenários para o sucroalcooleiro brasileiro indicavam que, em pouco tempo, este estaria “surfando” na onda das energias renováveis, seja em função de sua habilidade com a produção de biocombustível, seja devido ao potencial na geração de bioeletricidade. No entanto, embora saindo na frente, o País não conseguiu avançar e ser reconhecido como um exemplo a ser seguido por outros países, principalmente pela centena de países produtores de cana-de-açúcar. 
 
Ou seja, faltou liderança e estabilidade para estabelecer arranjos geopolíticos e viabilizar a exploração de recursos naturais – no caso, a cana – para a produção de energia sustentável e menos poluente. Quais os motivos? 
 
Dentre os aspectos apontados com maior frequência, em pesquisa acadêmica e na mídia, identificamos que, além do setor sucroalcooleiro ser de base agrícola, sujeito, portanto, a oscilações na produção em função de ciclos e condições climáticas, segundo Barbosa Cortez, professor da Unicamp, "A falta de planejamento do governo é a principal causa para a crise do etanol[...]O governo só toma medidas esporádicas, que não resolvem o problema pela raiz.". De 2008 a 2012, mais de 40 usinas deixaram de funcionar, sendo 30 apenas entre 2011 e 2012, de acordo com a Unica – União da Indústria de Cana-de-Açúcar. Preços e Erros de política pública. Para Paiva Gouveia, presidente do Sincopetro, hoje só abastece com etanol quem é muito preocupado com o meio ambiente. "É uma minoria.

A maioria está bem mais preocupada com o bolso." O etanol perdeu a disputa nos postos por causa da interferência do governo no valor da gasolina. "Se a ideia é voltar a valorizar o etanol, não se pode mais usar a gasolina para fazer política econômica", diz Gouveia. Crise financeira, menor oferta e precificação: “A crise financeira internacional de 2008 encolheu os créditos e ampliou os custos de plantio, tornando a produção mais cara”, diz Pádua Rodrigues, Diretor Técnico da Unica. "É preciso aumentar a oferta (nos postos), garantindo um preço (que cubra os custos dos produtores) e a vantagem para os consumidores. [...] precisamos de uma campanha de valorização, que vá além do preço e mostre as externalidades positivas do etanol, como (as vantagens) ambientais", complementa Pádua. 

 
Queda na produtividade e colheita mecanizada: "A produção de cana caiu de 86,6 toneladas por hectare, em 2006, para 74,7, em 2012... A máquina reduz o custo total, mas o corte mecânico acaba desperdiçando parte da cana por não cortar tão rente ao solo, como o manual" , diz Barbosa Cortez. 
 
Para finalizar, destacamos uma frase que parece resumir muito bem o que passou a se desenvolver a partir de 2013: “A história recente do etanol no Brasil pode ser comparada a um filme cujo roteiro é marcado por mudanças repentinas. As primeiras cenas mostram o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva alardeando em todo o mundo o produto feito de cana-de-açúcar como uma alternativa sustentável aos combustíveis fósseis e algo que poderia mudar a economia nacional.” Na sequência, tem-se uma reviravolta surpreendente, com o País sem etanol suficiente para exportar e, no âmbito doméstico, carros flex sendo abastecidos sempre com gasolina, por custar menos que o etanol. No outro extremo da cadeia, o setor vem enfrentando o fechamento sistemático de usinas. Precisamos redirecionar essa história.