Me chame no WhatsApp Agora!

René de Assis Sordi

Consultor da Enercana e Presidente do GIFC – Grupo de Irrigação e Fertirrigação da Cana-de-açúcar

OpAA84

Riscos à produtividade e suas estratégias de mitigação
A cultura da cana-de-açúcar tem uma importância cada vez maior para o Brasil, quer pela produção e exportação de açúcar, quer pela energia carburante do etanol e geração de energia elétrica pela queima do bagaço. Seus inúmeros coprodutos, como a levedura para ração animal, e subprodutos fertilizantes, como a vinhaça e torta de filtro, têm colocado a cana como exemplo ímpar de economia circular e de sustentabilidade. Projetam-se também uma utilização mais extensiva do etanol como fonte primária da produção de hidrogênio para a motorização elétrica e como combustível de aviação sustentável.
 
Porém, a produtividade agrícola tem sido muito afetada por diversos fatores, tanto na produção em colmos (TCH) quanto no teor de sacarose (ATR) por área, ocasionando-se uma variabilidade preocupante entre safras.

Além do clima, sem dúvida um dos mais impactantes, tivemos uma expansão para ambientes de produção de menor potencial, assim como a adaptação à mecanização do plantio e da colheita, com aumentos significativos de perdas, impurezas minerais e vegetais.

Tivemos também uma extensão do período de moagem, antecipando-se para março, até dezembro, período esse de menores teores de sacarose. A idade do canavial também aumentou, assim como a ocorrência de pragas e doenças e a competição das plantas daninhas. 
 
Por todos esses fatores, continuamos “reféns” dessa variabilidade da produção. Neste artigo, pretende-se discutir criticamente os principais riscos à nossa produtividade, assim como oferecer estratégias de mitigação dos relacionados ao clima.
 
Risco climático:  
Os riscos climáticos em cana-de-açúcar podem acontecer durante todo o seu ciclo, envolvendo as principais épocas de plantios (janeiro a abril) e as demais socas (março a dezembro), nas diversas fases de desenvolvimento das plantas como também na colheita. 
 
Dependendo do ano e da região de cultivo, a cana pode sofrer também outros riscos como as geadas e o florescimento. As geadas são mais frequentes no PR e no sul do MS e ocasionam perdas diretas de peso dos colmos e deterioração dos mesmos. Os prejuízos também podem ser verificados no manejo da colheita, pois o canavial que sofreu geada tem de ser rapidamente colhido. A indução do florescimento ocorre no final do verão e início do outono, de meados de fevereiro a meados de março.

Além da latitude (que se estende da latitude de 24° ao nordeste brasileiro), condições de altas temperaturas noturnas e boa disponibilidade hídrica a influenciam favoravelmente. Outro fator preponderante é a propenção da variedade. A partir de maio, os colmos florescidos podem isoporizar e entrar no processo de perda de peso e também dificultar a extração do suco na indústria. A aplicação de inibidores de florescimento e maturadores passou então a fazer parte obrigatória do manejo dos canaviais.

Tem-se verificado outra anomalia do clima, normalmente não muito estudada, que é o aumento significativo da temperatura na primavera e no verão, intensificando a evapotranspiração e extrapolando os limites fisiológicos ótimos de desenvolvimento, que estão na faixa em torno de 28-30°C de temperatura máxima. 

Mas o principal risco climático é a variação de precipitação que tem ocorrido nos últimos anos, tanto em quantidade quanto em distribuição. 
 
A seca, com veranicos mais frequentes (momento-chave para o plantio e para o desenvolvimento vegetativo das plantas), quando ocorre de forma mais acentuada no período do outono e inverno, aumenta os riscos de incêndios, que produzem consequências danosas tanto em perda de produtividade quanto de manejo de colheita. 

A distribuição e quantidade de precipitação pluviométrica tem variado e notadamente diminuído nos últimos anos, tanto nas diferentes fases do período de formação do canavial, quanto no período de colheita ou safra. 

Mitigação dos efeitos climáticos: 
Como destacado anteriormente, sem dúvida o clima, mais especificamente o estresse hídrico, é o principal e o mais difícil desafio a ser mitigado para diminuir a instabilidade da produção da cana-de-açúcar no Brasil. A irrigação torna-se então uma das ferramentas que podemos lançar mão para garantir a sustentabilidade da produção, assim como a longevidade dos canaviais.
 
Pouco tempo atrás associávamos a irrigação somente a regiões com déficit hídrico muito acentuado ou regime de chuvas muito concentrado, como o do Nordeste brasileiro ou norte de Goiás, e até mesmo condições de semiárido. Esse paradigma tem sido quebrado. Em recentes pesquisas e áreas semicomerciais, pudemos constatar as respostas econômicas em produtividade da irrigação de salvamento, até mesmo em regiões “tradicionais” como a de Ribeirão Preto-SP, com menores déficits hídricos.
 
A cana de açúcar, apesar de sua relativa rusticidade, pela característica de ciclo longo, tem fisiologicamente uma necessidade de suprir os déficits hídricos acima de 300 mm anuais, conforme nos mostra a publicação de 2023 “Irrigação da cana-de-açúcar: Tecnologia, crescimento potencial no Brasil e sua legislação” do GIFC – Grupo de Irrigação e Fertirrigação da Cana-de-açúcar.

A irrigação plena ou com deficit hídrico controlado, por gotejamento ou pivôs centrais, também tem trazido resultados econômicos surpreendentes valorizando o uso racional da água, sem dúvida um dos nossos recursos mais preciosos. 

Uma modalidade de irrigação que tem crescido cada vez mais é feita logo após a colheita. Ela é chamada de “salvamento”, por aspersão de lâminas de água de 40 a 60mm, no lead time correto, que garante não somente a brotação de soqueira e produção do próximo corte, mas sobretudo uma maior longevidade do canavial e melhor manejo de colheita. 

Aumento da produtividade com irrigação: 
O processo de irrigação tem muito boa resposta à produtividade. Existe, contudo, por parte de alguns produtores no Centro/Sul, um certo preconceito econômico de que a lavoura da cana do país conduzida no “sequeiro” tem melhor retorno do que a cultura irrigada, face ao elevado Capex necessário à irrigação. Nos últimos anos, esse preconceito tem sido reformulado pelos resultados que vêm sendo obtidos por aqueles que vêm investindo na irrigação em seus canaviais.
 
Sabe-se que, além da maior produtividade agrícola, tem-se com a irrigação um período muito mais longo para a renovação da cultura (ou seja, menor investimento do plantio), uma produtividade bem maior que carrega positivamente o critério da maior sustentabilidade (menores emissões por hectare) e, finalmente, da maior rentabilidade final.

Estudos de 10 anos em cerca de 80.000 ha em condições reais de uma usina na região tradicional produtora de Ribeirão Preto para diferentes ambientes de produção revelam que a usina tem 72% de cana própria irrigada no sistema de salvamento ou com déficit controlado, sendo 55% em ambientes de “A” a “C” e 45% de “D” a “G”. Os resultados de produtividade (TCH) indicam um aumento médio de 8%. 

Como principais pontos de atenção para o crescimento e consolidação da prática de irrigação na cana-de-açucar no Brasil podemos citar: a) a disponibilidade de água e consequente outorga e a rigidez das leis ambientais; b) a implantação da cobrança pelo uso da água; c) o aumento do custo (capex e manutenção) dos sistemas de irrigação, principalmente os de déficit hídrico controlado.

Apesar dos pontos de atenção mencionados, a irrigação tem-se tornado a principal ferramenta para a sustentabilidade da produção, ou seja, diminuir a instabilidade da produção e garantir o suprimento da matéria-prima para a usina.

Muitos grandes grupos e até mesmo produtores independentes têm aumentado seu interesse pela irrigação. Essa forte estratégia, associada ao uso de novas variedades e aos corretos manejos nutricional e fisiológicos e controle de pragas e doenças, terá como consequência a superação da incômoda estagnação da nossa produtividade.